Em Além da Ilusão, Carla Cristina Cardoso vê a arte imitar a vida: “Já fui compassiva para manter relação”


Com uma carreira marcada pela comédia, em trabalhos como a série “Os Suburbanos”, do Multishow, a atriz vibra pela oportunidade de experimentar um papel com tom dramático na trama das 18 horas, na Globo, e no filme ‘Me Tira da Mira’. Enquanto Felicidade, a personagem da novela, está na terceira gestação, ela ainda nutre poder vivenciar a maternidade um dia. “Ser mãe é um sonho. Graças a Deus, existe a possibilidade da adoção”, diz ela, que teve que passar por uma séria operação para retirada de miomas e do útero também

Em Além da Ilusão, Carla Cristina Cardoso vê a arte imitar a vida: “Já fui compassiva para manter relação”

* Por Carlos Lima Costa

Conhecida por papéis cômicos em novelas como Bom Sucesso, na Globo, e na  série Os Suburbanos, do Multishow, a atriz Carla Cristina Cardoso, experimenta pela primeira vez papéis fora da comédia no filme Me Tira da Mira e na novela Além da Ilusão, cuja personagem Felicidade, apesar do nome, ganha tom mais dramático. Na trama das 18 horas da Globo, à primeira vista, ela parece submissa ao marido, Onofre (Guilherme Silva), situação típica dos anos 40, quando se passa a história e que até hoje é um problema estrutural. Neste caso até a arte imita a vida.

“A Felicidade é de uma época que o maior sonho da vida é ter filho e marido, uma família, uma casa. Na verdade, ela não é submissa, mas, sim. compassiva. Ela é aquela típica dona de casa que até hoje existe. Suporta, não reclama para tudo ficar no lugar, para manter a família. Eu mesma já agi como ela, fui compassiva para manter uma relação. Mas teve uma hora que tudo de ruim ficou mais gigante do que a minha paciência. Tem um momento que você perde sua identidade, faz tudo e o outro lado não faz, então, a gente cansa de lutar por dois. Você acha que ama e vai resistindo, aguentando, achando que a pessoa vai mudar as atitudes. Mas dificilmente muda”, recorda ela.

"Eu já fui compassiva para manter uma relação. Mas teve uma hora que tudo de ruim ficou mais gigante do que a minha paciência", frisa Carla (Foto: Flavio Ramos)

“Eu já fui compassiva para manter uma relação. Mas teve uma hora que tudo de ruim ficou mais gigante do que a minha paciência”, frisa Carla (Foto: Flavio Ramos)

“É uma forma de andar, falar, olhar, agir, se vestir, que a gente nunca conseguiria viver se não fosse a novela ou talvez o teatro. Eu sempre quis fazer novela de época. Não imaginei que seria logo depois da pandemia, felicidade dupla, tripla”, avalia. Feliz também de se experimentar fora da comédia. “Ela fica sofrida na aparência, parece mais velha. Assim, eu faço tudo, mas só me chamavam para comédia. O Luiz Henrique Rios (diretor da trama das 18 horas) ter acreditado agora que eu poderia interpretar a Felicidade é o verdadeiro presente da vida. Quem ia dar uma chance dessa? Ele já conhecia o meu trabalho, mas confiar de dar uma personagem de drama para uma comediante, a pessoa tem que confiar muito em você. Isso me fez ir de cabeça mesmo. Tento deixar a tristeza por conta do meu olhar. A gente tem que achar um caminho e esse caminho foi bom”, explica ela.

Em Além da Ilusão, Felicidade passa por sua terceira gestação. O desejo da maternidade sempre permeou também a vida de Carla Cristina. “Ser mãe ainda é um sonho. Graças a Deus, existe a possibilidade da adoção. Independentemente de eu não poder mais ter filho, desde os 15 anos eu quero adotar uma criança”, explica a atriz de 46 anos.

Carla Cristina Cardoso e Guilherme Silva interpretam o casal Felicidade e Onofre, em Além da Ilusão (Foto: Globo/João Miguel Junior)

Carla Cristina Cardoso e Guilherme Silva interpretam o casal Felicidade e Onofre, em Além da Ilusão (Foto: Globo/João Miguel Junior)

Há sete anos, Carla descobriu cinco miomas. “Mulheres negras tem a probabilidade de o mioma crescer loucamente de um ano para o outro e foi o que aconteceu comigo. Estavam muito grandes, cinco miomas e uns estavam grudados ao útero e o meu médico maravilhoso conversou comigo brilhantemente sobre o caso de ser mãe, que eu teria outras formas. Os miomas empurraram os órgãos, a bexiga para um lado, o intestino para o outro e o útero pra baixo. Então, estavam crescendo e espremendo os órgãos. Eu poderia ter algo grave sem saber ou perder os rins. Então, em uma semana eu operei e deu tudo certo, fiquei ótima. Tiraram todos os miomas e o útero junto, foi uma cirurgia incrível, passei bem, graças a Deus”, relata.

O fato de desejar adotar uma criança desde tão cedo, ajudou a amenizar a dor. “Claro que muitas vezes fiquei pensando que ter uma criança deve ser uma sensação linda. Ao mesmo tempo, ‘Como é bom viver’. Eu preferi viver e ser mãe”, reflete.

Para aliviar as dores na coluna, Carla reduziu as mamas: "Agora, é outra vida. Depois disso, a diferença pra mim é a coluna sem dor", diz a atriz (Foto: Flavio Ramos)

Para aliviar as dores na coluna, Carla reduziu as mamas: “Agora, é outra vida. Depois disso, a diferença pra mim é a coluna sem dor”, diz a atriz (Foto: Flavio Ramos)

O sonho da adoção deve retomar daqui uns três anos. Sua novela anterior, Bom Sucesso, terminou em janeiro de 2020. “Dois meses depois veio a pandemia e o mundo parou. Aí quase dois anos em casa. Não podia ver nem a família, imagina ir ao abrigo onde eu sou voluntária, ajudo, ou em outro orfanato. Não podia ir a lugar nenhum. Então, ainda não entrei em fila de adoção. Agora, estamos retomando os trabalhos, colocando a vida em ordem, as economias, então, quem sabe daqui uns três anos”, pondera Carla, que antes de começar a gravar Além da Ilusão, fez redução de mama.

“O peso do peito estava prejudicando a minha coluna estava ficando meio difícil. Assim, tirei 3,200 kg de peito. Eu fazia um monte de coisa, RPG, ia à quiroprata, fazia massagem, mas não adiantava. Não estava preocupada com visual e sim com a minha dor mesmo. Então, agora é outra vida. Depois disso, a diferença pra mim é a coluna sem dor. Para poder operar, tive que emagrecer. Meu médico me pediu pelo menos uns cinco quilos. Imagina, setembro de 2020, pandemia, todo mundo comendo em casa, mas graças a Deus eu consegui”, conta.

Carla se mostra uma mulher forte para encarar os percalços. Enfrentou o racismo por ser negra, machismo por ser mulher. E sua orientação sexual é mais livre. “Lésbica ou bi, não me defino. Já namorei e quase casei com ex-namorado. Não ligo para os preconceitos. Juro, não presto nem atenção”, garante, desencanada.

Em relação ao racismo, lembra a criação dada pela mãe. “Eu e minha irmã fomos criadas com a seguinte frase: ‘Não se contamine’, porque ela não sabia o que vinha pela frente. Eu nunca fui criada falando sobre o que a gente iria passar. Ela colocava na nossa cabeça que somos todos iguais, nos ensinou a não ter barreiras para chegar em outras pessoas. Claro que muitas vezes a gente sofria por conta disso, porque fomos criadas sem ser contaminadas pelo racismo. E a criança sofre mais racismo do que os adultos, porque ela não entende. Ela pergunta ‘porque fulano fez isso, porque a tia está me olhando daquele jeito’”, ressalta ela, que nasceu na Tijuca e foi criada no Catumbi, estudando em escola pública a vida inteira. “A gente passa ainda umas coisinhas bobas, uns olhares quando vamos a um shopping caro, por exemplo, mas o problema não é nosso, o problema está com eles. Minha mãe sempre me ensinou isso”, acrescenta ela, que por conta da novela gravou menos para a sexta temporada de Os Suburbanos, que deve estrear esse ano.

"Minha mãe colocou na minha cabeça que somos todos iguais, me ensinou a não ter barreiras para chegar em outras pessoas", frisa Carla em relação ao racismo (Foto: Flavio Ramos)

“Minha mãe colocou na minha cabeça que somos todos iguais, me ensinou a não ter barreiras para chegar em outras pessoas”, frisa Carla em relação ao racismo (Foto: Flavio Ramos)

Suas cenas vão ser divididas nos 20 episódios. “Minha personagem, a Gislene é aquela que todo mundo já conhece. Suburbana, favelada, ex mulher do Jefinho (Rodrigo Sant’Anna)”, diz Carla, que está no elenco do longa-metragem Me Tira da Mira, com Cleo e Fábio Jr., que estreou recentemente nos cinemas. “É um filme leve, gostoso, onde também não estou fazendo comédia. Como na novela, o primeiro drama da minha vida”, observa.

No filme, Valesca, sua personagem, é uma policial federal, que trabalha direto com o parceiro dela, Rodrigo (Sérgio Guizé) e com o delegado interpretado por Fábio Jr.. “As pessoas são apaixonadas pelo Fábio. Quando o conhecem ficam ainda mais apaixonadas, porque ele é um lorde, um cavalheiro. Superacessível e educadíssimo. As músicas dele ultrapassam décadas. Tem música mais atual do que Alma Gêmea? Todo mundo quer ter a sua”, comenta ela que passou a pandemia sem ter a sua “metade da laranja” como diz a música.

Ela acabou testando para Covid em março do ano passado. “A dor no corpo e a febre me deixaram bem no chão. Eu não comia, só vomitava, foi uma coisa de doido mesmo. As únicas pessoas que vinham na minha casa eram minha irmã e meu cunhado que iam pra cozinha, preparavam a comida pra mim, e eu ficava no quarto”, relembra.