Eliane Giardini celebra sua vilã icônica, exalta o protagonismo maduro na TV e dá palpites sobre quem matou Ágatha


Mesmo com sua personagem assassinada na trama das 21h, Giardini não se despede, já que terá ‘aparições’ e flashbacks até o final da novela de Walcyr Carrasco. A atriz se diz plena ao viver a vilã aos 71 anos, revisita a trajetória que começou na TV aos 40, e exalta o protagonismo maduro nos folhetins. “Agradeço aos autores que estão ligados à uma narrativa tão atual, colocando atores maduros no centro da cena. Temos uma expertise que só os anos vividos dão. Isso tem que ser usado. Você não pode descartar os atores mais velhos, pelo contrário. Precisamos ser usados, com todas as nossas ferramentas. Conseguimos transformar uma cena banal em uma obra-prima, justamente pelo domínio da profissão que temos nesse momento. Essa novela reconhece isso, nos trazendo para o protagonismo”. Assim como outra grande vilã – a icônica Odete Roitman -, a personagem suscita uma caça ao seu assassino ou assassina de agora em diante. E espera-se que a comoção do público seja grande, tal qual foi com sua antecessora. Inclusive, na cena da morte de Ágatha, foi feita uma homenagem à personagem de Beatriz Segall (1926-2018) em ‘Vale Tudo’ (1989)

*Por Brunna Condini

Já podemos dizer que a Ágatha de Eliane Giardini entrou para a galeria de vilãs inesquecíveis da teledramaturgia. Na pele da personagem que foi assassinada em ‘Terra e Paixão‘, ela declara no início dessa entrevista exclusiva: “Estou plena, feliz”. Já eternizada como a vilã amoral da novela das 21h, a atriz reflete sobre o protagonismo em uma trama tão decisiva para a novela, aos 71 anos, em um país sabidamente etarista. “Acho engraçado, porque na televisão minha carreira começou quando eu tinha 40 anos. Acho que é uma coisa geracional, é um mérito da minha geração, que veio rompendo com esses padrões. Lembro que antes disso eu era uma atriz bem-sucedida no teatro, mas não tinha espaço na TV. Estava com 38, 39 anos e pensava: “O que vai ter agora na televisão para mim? Nada, né? Vou ser uma mãezinha, porque alguém tem que ter uma família. E, de repente, eu fiz ‘Renascer‘, o nome da novela já diz muito, incrível. Eu fazia uma personagem que nem tinha nome, chamavam de dona Patroa. Para mim tudo isso era muito simbólico. E ela ganhava nome durante a novela. Agora vem ‘Renascer‘ de novo e minha filha (Mariana Betti) será uma das diretoras. Isso é lindo. A minha estreia na TV foi fazendo essa mulher que se separa de um marido opressor aos 40 anos. Vivia um romance, saía de casa, ia para um prostíbulo, porque é esse o lugar das mulheres transgressoras dessa época… enfim, foi morar no prostíbulo da Jacutinga e lá descobriu seu grande amor. Então, minha vida já é um pouco essa história da mudança de padrão”, conclui.

“Chegando aos 70, pensei o que mais eu poderia fazer daqui pra frente. E olha aí, vem a Ágatha, se reinventa tudo, abrindo um campo de atuação. Que bom que trouxeram esse triângulo amoroso entre Tony (Ramos), Gloria (Pires) e eu, uma trinca madura. Isso tudo é para ser celebrado. Se discute muito hoje o poder que uma pessoa tem aos 60, 70, 80 anos. Ainda podemos muito, as pessoas estão inteiras, o limite de vida está sendo cada vez mais empurrado para frente. Estou absolutamente inteira. Tanto quanto eu estava aos 40, 50, 60. Claro que você vai tendo sinais de envelhecimento físico, mas a cabeça está a mil, ativa. Isso tem que ser ouvido, colocado. Acredito que minha geração está fazendo isso. Quero ver que barreira eu vou vencer aos 90 anos (risos)”.

Agradeço aos autores que estão ligados à uma narrativa tão atual, colocando atores maduros no centro da cena. Temos uma expertise que só os anos vividos dão. Isso tem que ser usado. Você não pode descartar os atores mais velhos, pelo contrário. Precisamos ser usados, com todas as nossas ferramentas. Conseguimos transformar uma cena banal em uma obra-prima, justamente pelo domínio da profissão que temos nesse momento. Essa novela reconhece isso, nos trazendo para o protagonismo – Eliane Giardini

Eliane Giardini fala sobre protagonismo maduro e exalta sua Ágata (Divulgação/ Globo)

Eliane Giardini fala sobre protagonismo maduro e exalta sua Ágatha (Divulgação/ Globo)

Eliane observa ainda, a riqueza da troca entre veteranos e as novas gerações. “Amo trabalhar com atores mais jovens, porque trazem esse frescor, estão atentos. Lembro de uma cena que fiz com a Débora Ozório, em que a Petra, sua personagem, se descontrolava e quebrava o carro do Hélio (Rafael Vitti). Eu dava um texto que era um maldadezinha. Falava pra Irene. E depois, quando a Débora me olhou, me quebrou. Naquele momento quebrou Ágatha, quebrou Eliane. Me senti tão mal de ver aquela menina surtando e eu mandando uma maldade pra Irene. Foi uma troca incrível. Naquele momento eu fechei a porta da maldade e senti compaixão na contracena. Foi a atriz que fez isso”.

Trinca madura de 'Terra e Paixão': Glória pires, Tony Ramos e Eliane Giardini (Divulgação/ Globo)

Trinca madura de ‘Terra e Paixão’: Glória pires, Tony Ramos e Eliane Giardini (Divulgação/ Globo)

A Ágatha é sua personagem mais marcante na televisão? “Já havia feito personagens sem caráter, mas nunca uma vilã. Ainda mais com esse desfecho. Eu já havia tido essa experiência, de viver uma personagem que faz coisas terríveis, como a Nádia de ‘Outro lado do Paraiso‘ (2017), outra novela do Walcyr Carrasco, que era uma mulher preconceituosa. Temos uma restrição, uma civilidade, senão seria a barbárie. Mas quando você faz uma vilã, você tem que chutar esses muros, essas fronteiras. Ao mesmo tempo que é assustador, isso dá uma liberdade muito grande, de comportamento, sentimento, de se expor”, analisa.

A atriz dá vida à Àgata em 'Terra e Paixão': o assassinato da vilã é o novo 'quem matou Odete Roitman? (Divulgação/ Globo)

A atriz dá vida à Àgatha em ‘Terra e Paixão’: o assassinato da vilã é o novo ‘quem matou Odete Roitman? (Divulgação/ Globo)

Tem uma coisa que li e ficou me guiando: por que as pessoas gostam tanto de vilões?  Porque a ficção permite que os outros sejam os monstros que nós somos. Você vive aquela monstruosidade, as coisas politicamente incorretas que aquela pessoa está dizendo, ela é egoísta, faz tudo que a educação de anos te restringiu, para que você possa viver nessa coletividade. Mas a vilã é liberta disso tudo – Eliane Giardini

Assim como outra grande vilã – a icônica Odete Roitman -, a personagem suscita uma caça ao seu assassino ou assassina de agora em diante. E espera-se que a comoção do público seja grande, tal qual foi com sua antecessora. Inclusive, na cena da morte de Ágatha, foi feita uma homenagem à personagem de Beatriz Segall (1926-2018) em ‘Vale Tudo‘ (1989): ela também foi morta usando roupas claras, com direito a saia plissada. “Para a vilã só tem dois caminhos, o da punição ou da rendição. Para que as coisas voltem ao normal, para que o mundo volte ao normal. Até para sossego das pessoas. Acho que o feminismo trouxe essas vilãs maravilhosas de uns tempos para cá”, observa Eliane.

"Para a vilã só tem dois caminhos, o da punição ou da rendição. Para que as coisas voltem ao normal" (Foto: divulgação/Globo)

“Para a vilã só tem dois caminhos, o da punição ou da rendição. Para que as coisas voltem ao normal” (Foto: divulgação/Globo)

“Se a Ágatha não fosse uma pessoa doente, não tivesse uma psicopatia, seria só uma mulher muito inteligente, sagaz, que como tantas outras mulheres, que não tiveram as oportunidades que os homens têm na vida. Tem essa potência, mas no mundo machista, do patriarcado, fica impossível. Ela vira vilã, porque aí não tem saída para essa personagem. Então, acho que tem um discurso feminista muito interessante aí por baixo das vilãs. Tirando a doença, tudo o que o folhetim faz com essas mulheres poderosas”. E destaca: “O que eu acho incrível na Ágatha, é que ela não era humanizada pela maternidade, que é um caminho natural. Não, ela abandonou os três filhos. Ela queria ser alguma coisa na vida além de exercer a maternidade. Então, são leituras muito ricas por trás dos personagens”.

Ágatha vive

Engana-se quem acha que Eliane se despede da personagem de ‘Terra e Paixão’. A atriz grava a novela até o fim ‘aparecendo’ das mais variadas formas. “Está sendo ótimo, porque não me desliguei da novela, mas diminuí o ritmo. É muito engraçado como as coisas marcam. Fui gravar um flashback no cenário e parece aquela coisa de filme, que você vai vendo tudo o que viveu em cada canto, e perto da escada, dá aquele mal estar (risos). É curioso como tem vida no trabalho da gente. É uma brincadeira? Sim, interpretar é uma brincadeira, mas carrega o sentimento, a energia, quase que de uma coisa real”.

E para a atriz, quem matou Ágatha? “Não sei mesmo. Tenho recebido muitas cenas, flashbacks e todas elas encaminham muito para a Irene (Glória Pires). E a Irene esteve ali com o Ramiro pouco antes da morte da Ágatha. Também tenho para gravar flashbacks com a Angelina (Inez Viana), dela subindo a escada totalmente envenenada, passando mal. E outros, da Ágatha agonizando, pedindo ajuda para uma pessoa que chega…o autor pode estar completando o quadro desse assassinato. Ou não, podem ser pistas falsas”, compartilha Eliane, que grava até o final da novela.

Eliane Giardini com Glória Pires, Tony Ramos e Rainer Cadete em cena de 'Terra e Paixão' (Divulgação/Globo)

Eliane Giardini com Glória Pires, Tony Ramos e Rainer Cadete em cena de ‘Terra e Paixão’ (Divulgação/Globo)

Cada bloco de cenas que chega eu corro para olhar para ver se tem alguma novidade. Existem alguns caminhos sendo apontados, e talvez o mais lógico, acredito é que tenha sido um assassinato coletivo. Acho que a Angelina envenenou, o Antônio pode ter empurrado ou algo por aí, e a Irene matou, é isso que estamos percebendo. Mas o autor é soberano neste momento – Eliane Giardini

O que vem por aí

O próximo ano será de colher os louros pela vilã e também de muito teatro. Eliane volta com o espetáculo ‘Intimidade Indecente‘, ao lado de Marcos Caruso, que já faz pelo segundo ano. “É uma peça que se comunica com todo o público. Fala de relacionamentos, de um casal que já começa se separando aos 60 anos e vai se descobrindo mais juntos do que nunca até o final da vida. Transcendem uma situação de casamento, papeis, personas, e se descobrem apaixonados. A peça tem uma equação perfeita entre comédia e drama”, diz, sobre o espetáculo que reestreia em janeiro no Teatro Riachuelo no Rio, e em março volta para São Paulo com a terceira temporada por lá. “Ainda não conseguimos fazer turnê,  o público de São Paulo não declina, o que é maravilhoso. O dia que acabar o público por lá, conseguiremos fazer uma turnê nacional. Amo viajar com teatro”.