* Por Carlos Lima Costa
O ator Edwin Luisi adora Portugal. Sempre que possível, deseja retornar ao país europeu para realizar algum trabalho. Era lá, inclusive, que estava às vésperas da quarentena da Covid-19 iniciar no Brasil. Ele havia gravado a novela Na Corda Bamba, na TVI – que marcou seu reencontro em cena com Lucélia Santos, 44 anos após estrearem na TV em Escrava Isaura -, e depois passou dois meses viajando por terras portuguesas. Mas, ao contrário de muitos brasileiros que se mudam para lá, ele não cogita a possibilidade. “Com essa loucura que está o nosso país até que dá vontade. Se fosse mais jovem, até na faixa dos 50 quem sabe, mas agora, aos 73 anos, já estou com vida sedimentada por aqui. Tenho pessoas que eu amo, os amigos, meu filho de adoção e minha netinha. Então, não dá mais”, revela, referindo-se ao ator Claudio Andrade, de 36 anos, e sua filha, Maria Clara.
E conta mais detalhes da história dessa família do coração, afinal não houve uma adoção oficial. “Nos tratamos como pai e filho. Nosso tipo de amizade é o de pai para filho. Eu tomo conta dele, ele de mim e, por conta da Covid-19, briga comigo quando eu saio à rua. Todos na minha família o conhecem e o adoram. Quis tanto uma época ter filho, que eu acho que veio tardiamente e ficou. Eu sinto amor por ele como se fosse um filho que eu tivesse tido”, completa. E acrescenta: “Quando retornei ao Brasil, Maria Clara ainda não falava nada. Aí começou a falar e um dia, aqui em casa, saiu com um ‘vovô’, fiquei todo babão. Ela só me chama de vovô. É um amor”, se desmancha.
Edwin conheceu Claudio e sua família quando ele ainda era um garoto, que estudava, ia ser padre. Fez seminário, onde montavam peças. Mas percebeu que não queria seguir aquele caminho. Algum tempo depois, a família se mudou. O pai foi para o Espírito Santo, a mãe está em Sergipe. “O Claudio estava por volta de seus 18 anos e ficou meio perdido, aí ofereci para ele morar aqui em casa. Eu o levava nos lugares, nas festas, ele começou a se interessar por teatro. E sozinho foi batalhando, fez pequenos papéis na Globo, um segundo galã no SBT. Até que surgiu a possibilidade dele ser stand-in em uma peça que eu estava fazendo, e a nossa aproximação foi ficando cada vez maior”, conta.
Como a história era longa, toda vez que lhe perguntavam quem era o rapaz, Edwin dizia que era seu filho. E Claudio falava que Edwin era seu pai. “A gente meio que brincava e acabou virando uma coisa de verdade. Hoje, nosso carinho, nosso afeto, nosso amor é imenso”, explica.
Enquanto Edwin esteve em Portugal, Claudio ficou em seu apartamento com a família e, por lá, todos permaneceram ainda durante quatro meses, após o retorno de Edwin ao Brasil. “A gente passou o Natal junto, realmente viramos pai e filho, não tem mais jeito”, assegura.
Com muita ternura também, Edwin relembra o reencontro artístico com Lucélia Santos. “Nessa profissão, sobretudo quem faz muito teatro como eu, você vai perdendo amigos pelo fato de que a gente fica muito amigo do elenco que a gente está no momento. Mas eu e a Lucélia nunca perdemos a amizade apesar dos mais de 40 anos que ficamos sem trabalhar juntos. Temos muito carinho e respeito um pelo outro. Quando atuamos na novela Escrava Isaura, estávamos estreando na TV, houve uma cumplicidade muito bacana”, recorda. E acrescenta que na novela portuguesa viveram um casal completamente diferente. “Os dois se davam mal, mas foram se reencontrando enquanto tentavam achar a neta sequestrada”, lembra.
Antes deste trabalho, Edwin já havia filmado em terras portuguesas o longa-metragem O Judeu, produção luso-brasileira, de Jom Tob Azulay, e se apresentado com as peças Tango Bolero e Cha Cha Cha e Esse Espermatozóide é Meu. Sempre teve uma excelente recepção dos portugueses. “Eles gostam muito da cultura brasileira. São sempre carinhosos, afetivos, educados. Por outro lado, nós aqui não temos noção do que se passa lá, é estranhíssimo”, comenta. E prossegue: “Não tem nada que não me encante lá, a começar por estar na Europa, Velho Continente, berço da nossa cultura. Agora, o que me chama atenção como brasileiro é a tranquilidade de sair nas ruas. Aqui, ficamos muito presos, reféns do medo e da violência. Chego em casa, às 19h, na hora que entro fico olhando para os lados para ver se não tem ninguém que possa me assaltar. É horrível. Lá você anda às 2h em uma rua escura sem medo nenhum. Isso dá uma inveja no bom sentido”.
Aos 73 anos, Edwin conta que não anda pensando em amor. “Eu tive um talento enorme para ficar sozinho, a vida inteira. Tenho um instinto de liberdade e independência, sou muito aquariano. Isso permeou a minha vida. Nunca fui dado a compromissos, laços. Acho que casamento não foi feito para mim. Namorei muito, foi ótimo. Não estou fechado, mas hoje em dia não vejo mais a possibilidade. Acho difícil na idade em que estou começar um namoro, um relacionamento. Tenho um talento enorme para ficar quieto em casa, um temperamento de solidão. É o que chamam de lobo solitário. Já amei, claro, mas nunca foi algo fácil pra mim”, observa.
Edwin explica que não é uma pessoa de difícil convivência. “Pelo contrário, pelo fato de querer ser muito só, quando estou com alguém, eu me dedico tanto que acabo perdendo a minha liberdade pelo excesso de cuidados. Sou uma pessoa muito legal para namorar, mas isso não faz muito bem a mim. Não temos talento para tudo nessa vida. Não preciso ser igual a todo mundo para ser feliz”, revela.
Também não reclama por estar sem companhia durante a pandemia. “Estou sozinho há um tempão, fechado, não tenho vida social nenhuma, não vejo amigos, e em nenhum momento isso me é dolorido, difícil. Agora, tenho família que eu cuido mesmo, cuido do Claudio, da filha e da mulher dele. Quando pressinto que precisam de algo, eu já resolvo o problema. Acho que essa parte do amor foi para eles, então, agora, estou bem sereno. É o que a gente brinca, eu sosseguei o facho”, diverte-se.
Conviver bem com a solidão influenciou fato de não ter um filho de sangue. “Acho que sim. Nunca me perguntei muito sobre as coisas. Podia ter tido filhos nos arroubos da juventude. Mas não calhou. Agora, se eu tivesse um filho de sangue mais pra trás, teria sido complicado, porque me dediquei tanto a minha profissão, a arte de interpretar. Tudo que eu fazia era em função disso”, reflete.
Nos últimos meses, o que mais o incomodou foi ficar sem ver os amigos. “Fiquei quase um ano em Portugal. Antes, já não os via há um certo tempo, porque estava em São Paulo fazendo peça, aí rodei um filme no Espírito Santo. Quer dizer, já tem quase dois anos que não vejo as pessoas que eu quero bem, que pertencem a minha vida mesmo, de troca de ideias, confidências. Isso é penoso. Mas não adianta ficar me martirizando, não posso deixar a tristeza tomar conta. Falo para todo mundo: ‘Dias melhores virão’”, frisa.
Para Edwin a forma como tudo tem se conduzido não é vida normal. “Tudo isso é muito chato, sobretudo para uma pessoa da minha idade. É um tempo que está se perdendo de vida e trabalho. Vou fazer 74 anos, tenho pressa. Todos os meus projetos estão parados. Mas quando vejo sobretudo em Instagram, dou graças a Deus em estar vivo. Só no Brasil, já são mais 200 mil pessoas que morreram. Isso não é normal”, avalia.
E prossegue: “Fiz bastante tarefas e, em casa, dei uma de Vanusa (1947 – 2020), fui ‘limpar as minhas gavetas’”, conta, se referindo à canção Mudanças, um dos clássicos na voz da cantora. “Trouxe muita roupa de Portugal, porque fiquei lá muito tempo. Aí eu fiz uma doação grande, tirei muita coisa supérflua. E tem sido um bom tempo para refletir sobre meu papel na vida. Aproveitei para pôr em dia a minha vida comigo mesmo. Acho que tive grande sorte. Fiz boas peças, ganhei prêmios, trabalhei com grandes diretores e autores, sou reconhecido como um ator importante sobretudo no meio teatral. As pessoas têm um respeito por mim, sabe?”, pontua.
Edwin tem ido à rua, basicamente para consultas médicas. “Estou naquela idade em que preciso fazer check-up, tive que ir a dentista, oculista. No início de dezembro, fiz uma pequena cirurgia por conta de uma hérnia que eu já tinha quando fui para Portugal. Agora, quando saio, não encosto em nada e tudo que eu pego, já passo álcool, fico distante das pessoas… Aqui em casa, tenho de tudo, até agulha e linha, mas não tenho termômetro, porque nunca fiquei de cama ou tive febre, nunca fiquei gripado na vida. Mesmo assim, este ano, tomei a vacina da gripe pela primeira vez pensando que podia me dar uma fortalecida”, reflete.
Durante a entrevista, Edwin ressalta a idade diversas vezes. “Percebo que de uns dois anos para cá, muita coisa mudou. Estou vendo e ouvindo um pouco menos. Tive essa íngua, a pele está ficando diferente. Essas coisas me incomodam no sentido de que vou morrer, de que tenho menos tempo de vida, sabe, quero fazer muita coisa ainda. Mas aceito, é assim para todo mundo. Não tenho como lutar contra. Mas deixar de existir é uma ideia muito estranha”, pondera.
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