Edvana Carvalho, a Inácia de ‘Renascer’, fala sobre potência feminina, autoestima e fotos que viralizaram na web


A atriz baiana exalta sua história, sua carreira que completa 40 anos e celebra quem vem antes abrindo caminhos como Chica Xavier, que fez a mesma personagem na primeira versão da obra de Benedito Ruy Barbosa. Edvana nos inspira neste 8 de março que se aproxima e também acha graça da imprensa ter repercutido fotos suas recentemente, nas quais aparece como uma mulher livre com o próprio corpo na maturidade. “Tenho 55 anos e sou um ser humano com desejos, vejo isso também na minha mãe que tem 82. Então, abaixo o etarismo! Somos pessoas, mulheres, estamos bem em qualquer fase das nossas vidas. O que precisa estar bom é a cabeça, a espiritualidade. Gosto de malhar, fazer dança e acho que isso é o que me mantém ativa. Já experimentei alguns procedimentos de beleza, mas não gosto. Tudo o que me tira o natural, me deixa um pouco complicada (risos). Faço, mas não gosto. Tenho muita cautela”

*Por Brunna Condini

Em ‘Renascer’ como Inácia, Edvana Carvalho pode parecer à primeira vista um rosto novo na dramaturgia, mas está longe disso. A atriz baiana que dá vida à fiel escudeira de José Inocêncio (Marcos Palmeira) na trama das 21h da Globo, tem 40 anos de carreira e uma vasta trajetória artística. Edvana é das mulheres que nos inspiram quando pensamos na representatividade deste 8 de março, Dia Internacional da Mulher, pela potência, determinação na abertura de caminhos e resistência. Em conversa com o site, a atriz de 55 anos, que faz uma Inácia quase 20 anos mais velha no folhetim, achou graça de a imprensa ter repercutido, recentemente, fotos suas nas quais aparece completamente diferente da composição da personagem, e reflete porque causou ‘choque’ vê-la como uma mulher livre com o próprio corpo na maturidade. “Tenho 55 anos e sou um ser humano com desejos, vejo isso também na minha mãe que tem 82. Então, abaixo o etarismo! Somos pessoas, mulheres, estamos bem em qualquer fase das nossas vidas. O que precisa estar bom? A cabeça, a espiritualidade. Gosto de malhar, fazer dança e acho que isso é o que me mantém ativa. Já experimentei alguns procedimentos de beleza, mas não gosto. Tudo o que me tira o natural, me deixa um pouco complicada (risos). Faço, mas não gosto. Tenho muita cautela”.

E continua: “Criei um espetáculo que se chama ‘Aos 50, quem me aguenta?’, para celebrar meus anos de vida e de carreira, porque faço teatro desde os meus 16 anos, sabe? Neste trabalho retrato situações vividas no meu âmbito pessoal, minha experiência de mulher negra vivenciando minhas dores e delícias da maturidade. Falo de machismo, misoginia, preconceito, aspectos sociais, sentimentais e de empoderamento feminino”, diz Edvana, que escreveu o solo e pretende trazê-lo para o Rio de Janeiro em breve.

Me ver como mulher preta produzindo intelectualidade, acho que é um grande salto do meu momento, da minha maturidade. São minhas ‘escrivivências’ que transformei em dramaturgia – Edvana Carvalho

 Edvana Carvalho, a Inácia de 'Renascer', fala sobre potência feminina, etarismo e ocupação de espaços (Foto: Globo/Lucas Teixeira)

Edvana Carvalho, a Inácia de ‘Renascer’, fala sobre potência feminina, etarismo e ocupação de espaços (Foto: Globo/Lucas Teixeira)

Sobre a experiência como escritora que vem fortalecendo o seu fazer artístico e expressão, a atriz elabora: “Tive contato com a professora Conceição Evaristo em 2017, descobri sua obra e isso me incentivou a me assumir como dramaturga. Sabemos que para nós, mulheres negras, têm certos lugares na sociedade, como o da escrita, por exemplo, que ficamos achando que não é para a gente, porque nos foi passado isso, quase que celularmente, ao longo dos anos. E temos dificuldade de nos vermos neste espaço”.

Ainda falando de mulheres que foram vozes femininas importantes, símbolos de gerações de atrizes e atores negros, de representatividade, Edvana exalta Chica Xavier (1932-2020) , que fez a Inácia na primeira versão do remake de Benedito Ruy Barbosa. “Os que vieram antes de mim me inspiram e, com certeza, abriram caminhos para eu estar aqui hoje fazendo a Inácia, nesse horário nobre da TV Globo. Então, minha máxima gratidão a quem veio antes, quem me inspirou, quem veio primeiro. Na Bahia, tem o Bando de Teatro Olodum, de onde vim. Antes disso, o TEN, Teatro Experimental do Negro, lá atrás, do Abdias do Nascimento (1914-2011), surgiu como uma inspiração e formou muitas atrizes que a gente viu. E acho que Dona Chica vem dessa geração de atrizes que nos inspiraram e abriram caminhos. Me sinto muito honrada de fazer um papel que ela fez antes de mim”, declara.

"Os que vieram antes de mim me inspiram e, com certeza, abriram caminhos para eu estar aqui hoje fazendo a Inácia" (Foto: divulgação/Globo)

“Os que vieram antes de mim me inspiram e, com certeza, abriram caminhos para eu estar aqui hoje fazendo a Inácia” (Foto: divulgação/Globo)

Transformando sonhos em realidade

A menina que nasceu e cresceu nos bairros da Liberdade e do Curuzu, em Salvador, locais de onde vem o Ilê Aiyê, o primeiro bloco afro do Brasil e uma das mais significativas expressões culturais do Carnaval baiano, sonhava ser atriz desde menina. “Saber de onde vim é entender todo esse meu empoderamento feminino preto, desde o meu nascimento. Comecei a fazer teatro na escola pública, depois experimentei teatro amador, até que fiz uma oficina de verão que acabou dando na formação do Bando de Teatro Olodum, uma junção do Bloco Afro Olodum com o Grupo Avelãz y Avestruz, do Marcio Meirelles. Sou da primeira formação, que é uma linguagem totalmente da periferia, do povo”, conta a atriz, que antes de ‘Renascer’, esteve em ‘Malhação‘, entre 2011 e 2015, e ‘Pega pega‘ (2017).

Abaixo o etarismo! Somos pessoas, mulheres, estamos bem em qualquer fase das nossas vidas – Edvana Carvalho

Edvana Carvalho fala sobre etarismo e sobre sentir-se bem na sua pele aos 55 anos (Reprodução/Instagram)

Edvana Carvalho fala sobre sentir-se bem sempre (Reprodução/Instagram)

Edvana também é professora de Artes Cênicas formada pela Universidade Federal da Bahia – “Como já era atriz, fiz licenciatura, para educação e teatro, pensando também em poder ganhar um dinheiro para me sustentar, fazendo o que amava” –  e relembra sua jornada até aqui. “Minha história familiar é aquela quase normal de meninas pretas no Brasil. Fui criada só pela minha mãe, porque meu pai tinha outras mulheres, outras famílias. Então, minha mãe trabalhava muito e eu tinha que me virar sozinha, carregava água para encher o tanque, para ela ter água para lavar roupa, pratos, já cuidava da casa. Só que minha mãe sempre me cobrou muito estudar, porque sabia que é o maior legado. Dizia que não tinha nada para me deixar além disso. Me emociona falar sobre esse assunto… sou filha de mãe solo e ela, com o pouco estudo que teve, conseguiu mudar minha vida entendendo que era através do estudo que eu teria alguma chance. É por isso que passei tanto tempo dentro da escola pública, tentando mostrar para meus alunos essa visão de mundo”.

Marcos Palmeira e Edvana Carvalho em cena de 'Renascer' (Foto: Divulgação/Globo)

Marcos Palmeira e Edvana Carvalho em cena de ‘Renascer’ (Foto: Divulgação/Globo)

Inácia

A personagem é sensitiva e tem premonições que irão salvar a vida de Zé Inocêncio muitas vezes. Inácia também é uma espécie de ‘mãe de todos’, um ponto de união da família do patrão e amigo. Foi divulgado que ela vai começar a manifestar sinais de demência nos próximos capítulos de ‘Renascer’. Como vai ser isso? “Isso a gente vai ficar sabendo mais tarde se são sinais de demência e senil mesmo ou se são algo da espiritualidade dela que não vem cuidando”, faz suspense Edvana.

“Ela usa dos conhecimentos com as religiões de matrizes africanas, herança da sua mãe, mas não aceita, é criada no sincretismo. Então será que o que acontece não é a espiritualidade trabalhando para ela, cobrando uma posição? Porque os sinais que vai tendo de demência, vão fazer com que ela transite no passado, presente e futuro, misturando tudo, mas não estarão deixando de dar algum recado importante”. E completa ao falar da própria espiritualidade:

Me vejo muito em Inácia, porque embora eu tenha muita coisa com o candomblé, não cheguei a fazer um santo, a entrar de cabeça, então me sinto como ela assim: “Meu Deus, eu vou ou não vou? Será que é ou não é? “. Acho que é mais por aí. Vamos aguardar os próximos capítulos para saber de Inácia – Edvana Carvalho

Edvana Carvalho como a sensitiva Inácia de 'Renascer' (Reprodução/Globo)

Edvana Carvalho como a sensitiva Inácia de ‘Renascer’ (Reprodução/Globo)