Eduardo Borelli, de ‘Desalma’: ‘Nossa profissão é sucateada e glamourizada ao mesmo tempo. Um paradoxo’


O ator, que vive Roman Skavronski na série de Ana Paula Maia e está aprendendo a falar ucraniano por conta da segunda temporada, fala das dificuldades de olhar um futuro durante a pandemia: “É angustiante, mesmo no meu caso, onde tenho um emprego. Estou em uma série na qual não sei quando será a data das próximas gravações, porque não dá para saber mesmo. As perspectivas ficaram muito pequenas”. A parada nas gravações serviu para que o ator olhasse os planos e revisitasse as prioridades: “Precisamos dar um limite e um certo espaço ao nosso trabalho, que é estudar e nos preparar muito, mas precisamos deixar ele fluir com liberdade”

Eduardo Borelli, de ‘Desalma’: ‘"Nossa profissão é sucateada e glamourizada ao mesmo tempo. Um paradoxo"

*Com Bell Magalhães

A série ‘Desalma’ revelou jovens talentos, como é o caso de Eduardo Borelli, 24 anos, que vive a versão jovem de Roman Skavronski na trama — papel dividido com Nikolas Antunes. Caminhando para a segunda temporada, a série da Globoplay se passa em Brígida, uma cidade de colonização ucraniana. Na segunda temporada, a narrativa de Roman se passa sete anos depois dos eventos da parte anterior, na Ucrânia. O ator conta que na nova fase terá cenas situadas no país e falará o idioma local. Para aprender a língua, recebeu a ajuda do professor Oskar Slushchenko. Além da dificuldade em aprender uma língua que não tem ‘nenhuma referência’, Eduardo precisou adaptar a forma de trabalhar com o novo desafio. “É difícil aprender as estruturas gramaticais de uma língua em dois meses, principalmente de uma que não estamos habituados a ouvir ou ler. Para poder contornar isso, eu fiz um intenso trabalho em cena, no qual me aproprio da sonoridade da língua de uma maneira que seja interessante para a cena porque, no fim, eu acredito que a cena é a soberana enquanto estamos falando de um produto artístico, seja no teatro, televisão ou cinema”, conta.

Eduardo Borelli vive versão jovem de Roman Skavronski em 'Desalma', da Globoplay (Reprodução Instagram)

Eduardo Borelli vive versão jovem de Roman Skavronski em ‘Desalma’, da Globoplay (Reprodução Instagram)

A nova temporada da série ainda não tem previsão certa da data de estreia. As filmagens foram interrompidas seguindo as recomendações dos órgãos de saúde dado o agravamento da pandemia. Apesar da interrupção, Borelli adiantou que a inserção da língua criou uma nova camada na série de Ana Paula Maia, além de localizar seu personagem geograficamente. “Em todas as cenas em que me relaciono com alguém são com pessoas ucranianas. Então então é natural que a língua tenha que mudar. Falando do meu personagem, mudar o idioma e a relação dele com a língua, com as pessoas que ele relaciona lá na Ucrânia traz uma nova perspectiva para esse personagem”. Ele ainda conta as expectativas sobre a nova fase do enredo: “Está sendo um desafio, apesar de ter gravado muito pouco por conta das paralisações da pandemia. Acho que as pessoas vão gostar da temporada. Ela está ficando ‘radical’ (risos)”. 

"Está sendo um desafio, apesar de ter gravado muito pouco por conta das paralisações da pandemia" (Foto: Gabriel Bertoncel)

“Está sendo um desafio, apesar de ter gravado muito pouco por conta das paralisações da pandemia” (Foto: Gabriel Bertoncel)

Sobre os encontros no set, Eduardo fala de uma pessoa que foi essencial na jornada profissional do artista. A atriz Isabel Teixeira, que interpreta Aneli e esteve recentemente em ‘Amor de Mãe’ ficou muito próxima do ator e do elenco jovem da novela. “Tivemos uma conexão muito grande e realmente ficamos amigos. A Bel está no nosso grupo de estudos ‘dos jovens’ da série, para ter uma ideia (risos)”. Ano passado, no meio da pandemia, o artista e outros colegas montaram um grupo de estudos com os atores jovens do elenco que durou cerca de quatro meses e, em um dos meses, a atriz ficou responsável por encabeçar os estudos e as pesquisas. No entanto, essa parceria foi para além da série: “Foi especial e muito importante para a minha visão sobre a arte. Ela me deu uma noção de ofício muito grande dentro da nossa profissão e me mostrou que é um trabalho como qualquer outro. A nossa profissão é sucateada e muito glamourizada ao mesmo tempo, o que é um paradoxo enorme, e ela trouxe essa perspectiva de uma mulher, de uma atriz que estudou muito, que tem os filhos, o marido e a vida dela’. 

"A nossa profissão é sucateada e muito glamourizada ao mesmo tempo, o que é um paradoxo enorme" (Reprodução Instagram)

“A nossa profissão é sucateada e muito glamourizada ao mesmo tempo, o que é um paradoxo enorme” (Reprodução Instagram)

Nascido em São Paulo e conhecido por participar de ‘Rua Augusta’ (2018), de Lucas Jovem e ‘A Vida Secreta dos Casais’ (2019), de Pedro Prado, Eduardo começou a trilhar o caminho das artes desde muito cedo. Aos 6 anos, aprendeu a tocar piano com a avó, que dava aulas para os primos. Quanto ao teatro, diz que é algo que sempre esteve em contato por influências dos pais, que sempre o levavam aos espetáculos na cidade em que morava. Aos 8 anos, pediu à mãe para o matricular nas aulas de teatro e se apaixonou pela profissão.

No decorrer da prática, precisou amadurecer e regular as expectativas quanto à atuação: “Desde que eu entrei no teatro, já estava certo que eu queria atuar. Na época, tinha uma outra ideia do que era ser ator. Acreditava que iria para os Estados Unidos estudar, fazer musicais, estar em Hollywood… Depois vamos crescendo e entendendo qual a perspectiva que se tem da carreira”, afirma e completa: “Acredito que existe uma diferença grande quando você escolhe ser ator e quando acontece de você virar ator. Escolher ser ator é um movimento político, independente do lugar que você está”.

"Escolher ser ator é um movimento político, independente do lugar que você está" (Reprodução Instagram)

“Escolher ser ator é um movimento político, independente do lugar que você está” (Reprodução Instagram)

Essa desconstrução tomou forma desde o período da faculdade. Formado em Artes Cênicas na UNESP, ele conta que o audiovisual não era um meio que pensava atuar, principalmente pela preferência assumida pelo teatro: “Eu entrei na faculdade com a ideia de que iria ficar no teatro, o ‘teatro raiz’, e que eu iria fazer única e exclusivamente aquilo. As coisas foram acontecendo naturalmente e comecei a me interessar por outras linguagens e pesquisas. É algo muito louco, porque a minha carreira foi caminhando para esse lugar que hoje me interessa bastante, tanto que pesquiso audiovisual e a linguagem do cinema”, conta.

O ator afirma que o novo boom da pandemia serviu para criarmos uma nova visão de sociedade que priorize a saúde coletiva e para que pensemos com mais ordem e clareza: “Sinto que estamos vivendo esse recuo estratégico. Precisamos preparar principalmente o nosso psicológico para lidar com o que há de vir para continuarmos a ser resistência de alguma maneira. Temos que recuar, nos fortalecer e nos juntar aos nossos para poder traçarmos qual serão os próximos passos. Reconheço que alguns têm essa possibilidade e outros não, e fico feliz por conseguir ajudar a minha família com o meu trabalho, mas é muito triste ver quem não está nessa condição. Alguns podem fazer esse recuo e alguns usam ônibus para trabalhar, infelizmente. O mundo precisa de coletividade”. 

"Precisamos preparar o nosso psicológico para lidar com o que há de vir para continuarmos a ser resistência de alguma maneira" (Reprodução Instagram)

“Precisamos preparar o nosso psicológico para lidar com o que há de vir para continuarmos a ser resistência de alguma maneira” (Reprodução Instagram)

Em um momento de incertezas, Eduardo confessa que está difícil pensar em grandes planos ‘pois não sabemos o dia de amanhã’. “É complicado criar projetos firmes, como a estreia de uma peça, porque não sabemos o que acontecerá no mundo, quem dirá no Brasil. É angustiante, mesmo no meu caso, onde tenho um emprego. Estou em uma série na qual não sei quando será a data das próximas gravações, porque não tem como saber mesmo. As perspectivas ficaram muito pequenas”. A parada nas gravações serviu para que o ator olhasse os planos e revisitasse as prioridades: “Precisamos dar um limite e um certo espaço ao nosso trabalho, que é estudar e nos preparar muito, mas precisamos deixar ele fluir com liberdade”.

Para driblar esse sentimento, o ator voltou aos estudos e diz estar em ‘um momento de espera’: “Estou em um momento de espera. Estou focando em mim e estudar a linguagem teatral durante esse tempo afastado das gravações e deixei o Roman um pouco quieto, na minha memória celular. Estou voltando um pouco pro teatro da maneira que eu posso, porque eu sinto que o teatro é o lugar onde eu consigo e posso expressar a minha melhor e pior versão”, afirma.