* Por Carlos Lima Costa
Ser indicado Melhor Ator no Prêmio Emmy Internacional por dois anos consecutivos e pelo mesmo personagem. Esta é a proeza de Raphael Logam, intérprete do traficante de drogas e armas Evandro do Dendê, da série Impuros, da Fox Premium. Ele está em êxtase desde o último dia 24 quando os concorrentes foram anunciados. “Por mais que tenha sido uma segunda vez, a sensação é maravilhosa, única. Eu não esperava. Isso mostra que as pessoas estão recebendo muito bem o meu trabalho feito com amor, prazer e dedicação”, vibra o artista, o professor Felipe, de Amor de Mãe, novela das 21h da Globo, cujas gravações foram interrompidas, em março, por conta da pandemia do Covid-19.
Quem lhe contou a novidade foi a atriz Karla Bonfá, com quem namora. Ele havia ido deitar quase ao amanhecer e estava dormindo somente há duas horas, quando ela o acordou. “Ainda estava meio zonzo quando soube. Pouco depois, comecei a receber uma chuva de mensagens. Confesso que a ficha ainda não caiu. É algo inédito para gente preta. É um ganho ter um preto indicado. É um prêmio expressivo”, acrescenta o ator, aos 21 anos de carreira.
Por conta do coronavírus, a cerimônia de premiação, em 23 de novembro, será online. Ano passado, a festa aconteceu no dia 25 do mesmo mês, data do aniversário da mãe do ator, Maria Eva, que há 40 anos trabalha como empregada doméstica em uma mesma casa. Raphael esperava dedicar a ela a vitória no Emmy concedido pela Academia Internacional das Artes & Ciências Televisivas. “Era quase uma obrigação”, lembra com humor. Estava com o discurso pronto quando participou da noite de premiação. Mas o vencedor foi o turco Haluk Bilginer, que concorreu pelo seriado Sahsiyet. “Na realidade, o grande barato é ser indicado. Você fica dois meses nesta onda da expectativa, fiquei nervoso. Era a primeira vez que tinha sido indicado a um prêmio de projeção internacional, fiquei conhecido mundialmente. Não ganhei, mas me senti abraçado pela comunidade preta, pela comunidade artística. Esta pré energia do antes é muito gostosa”, explica Raphael.
E continua: “Fico muito feliz do meu trabalho ser reconhecido. O mais difícil não é ganhar, mas a peneira que fazem para chegar lá. Ser indicado já é uma vitória. Sou capricorniano, quero ganhar, mas estar representando o Brasil já é demais. Mas claro que seria lindo levantar o troféu”, sonha ele. “Dessa vez, acho que vem, vou estar com meu pai e minha diz ele, que repete feito de Júlio Andrade. Em 2017 e 2018, ele foi indicado Melhor Ator por seu trabalho na série 1 Contra Todos, mas não venceu em nenhuma das duas ocasiões.
Raphael gravou Impuros entre 2017 e janeiro deste ano, quando finalizou a 3ª temporada da série, uma produção da Barry Company e Caravela Filmes com a Fox. A estreia deve acontecer em novembro ou dezembro. Por enquanto, não tem nenhuma informação sobre a série ter uma continuidade. “Vemos nos jornais muitas matérias sobre bandidos como o Evandro. E comecei a estudar a personalidade de alguns deles na vida real, como Fernandinho Beira Mar, Marcinho VP. Não queria interpretar aquele bandido espalhafatoso que fala sempre segurando a arma. Escolhi fazer o Evandro inteligente. Ele tem cabeça de empresário e não mexe com o tráfico no Rio de Janeiro, mas tem a rota da Colômbia e do Paraguai”, explica, sobre a composição que fez de seu personagem na produção ambientada nos anos 90.
Em relação a Amor de Mãe, seu personagem, o professor Felipe, não continuou na retomada das gravações. “Era um papel que tinha um norte, um contexto, ia desenvolver legal. Tinha curva dramática. Entrou para causar ciúme no casal formado pelo Chay Suede e pela Jéssica Ellen. E tinha acabado de assumir que era gay, quando veio a pandemia e as gravações pararam. Agora, nesta nota etapa, o núcleo da escola saiu da trama”, conta ele, que no cinema já atuou em filmes como Irma Vap – O Retorno e M8 – Quando a Morte Socorre a Vida.
Ao longo da carreira, o ator recusou vários papéis pequenos que tinham visão estereotipada do negro como bandido ou favelado. Raphael frisa que não é toda hora que surgem grandes personagens como Zé Pequeno, do filme Cidade de Deus, de Fernando Meirelles, ou como o Evandro, de Impuros. “Sou de família humilde, ser ator não é um hobby, não brinco. Tenho contas a pagar. Mas as pessoas me diziam ‘você está em um nível em que precisa fazer personagens que te façam estudar’. Assim, voltei a fazer mais teatro”, explica Raphael, que pôde se dar a este luxo por conta de outra profissão que lhe completa a renda. Ele, que começou a praticar capoeira com dois anos de idade, transformou a diversão em trabalho aos 13 anos quando começou a dar aula. Desde 2014, no verão europeu, ensina esta expressão cultural em países como França, Holanda e Dinamarca.
Em sua carreira, Raphael tem como referências veteranos como Milton Gonçalves, Ruth de Souza (1921 – 2019) e Grande Otelo (1915 – 1993). Mas cita também artistas mais jovens como Silvio Guindane e Lázaro Ramos. Guindane, por exemplo, interpretou o Saci em A Turma do Pererê, da TV Brasil, papel que Raphael também defendeu. “Ele pra mim é uma grande referência de luta, veio de baixo como eu”, ressalta. Por sua vez, Lázaro o dirigiu em O Método Gronholm. Ensaiaram um mês e a peça estava em cartaz há duas semanas, quando a quarentena interrompeu. “Temos ideias de projetos e pensamos em voltar com este espetáculo quando for possível”, conta.
Em relação a questão do preconceito, Raphael conhece de fato, pois já foi vítima dele. O ator mora no bairro carioca da Gávea, em uma vila simples de funcionários públicos (o pai seguiu a carreira do avô de Raphael). “Sempre tive que me policiar, estudar muito. Meus pais nunca me deixaram para baixo. Não tinha, por exemplo, a melhor bicicleta, mas com o dinheiro de empregada doméstica minha mãe me presenteava. Não faço parte do mundo do baixo Gávea, mas nasci e fui criado aqui, mas me sentia mais à vontade quando subia a favela, andava descalço, soltava pipa, não era julgado”, frisa. E prossegue: “Comecei a entender que precisava ter postura. E lembro de uma história triste. Com 13, 14 anos, eu amava surfar. Muitas vezes, levantávamos bem cedo e íamos para a praia. Andava descalço, criança também não leva carteira. Acabei esquecendo algo e voltei correndo. Entre o Leblon e a Gávea, enquanto eu corria, sozinho, comecei a escutar gritos de ‘pega’, mas não me dei conta que era comigo”, recorda. Acabou parado pela polícia, mas prefere nem finalizar essa lembrança triste.
Raphael não acha que hoje em dia o preconceito racial tenha diminuído. “Como disse o nosso grande Will Smith, não está melhorando nem piorando. Mas agora é fotografável. Podemos filmar, processar e agir. O caminho ainda será longo para se conseguir algo”, ressalta.
Por outro lado, respira aliviado por sua filha, Sophia, de 12 anos, nunca ter vivenciado isso. A ex de Raphael, mãe da menina é branca. “Perto da mãe, minha filha é pretinha, e de mim, é branquinha. Sophia fala que tem família preta e branca, mas se reconhece como preta, mas nunca presenciou uma atrocidade dessa”, conta sobre a jovem que mora em Juiz de Fora. Ele e a mãe dela se separaram quando a menina tinha cinco anos. Três anos mais tarde, as duas foram para à cidade mineira. Mas Raphael não perde contato, está sempre indo ver a jovem, que nesta quarentena chegou a ficar dois meses e meio com o pai, no Rio. Em Minas, a menina estuda na escola onde a mãe leciona. “Lá tem uma parte forte de cultura. Então, ela toca violino, piano, faz circo e teatro, já interpretou Julieta. Mas gosta mesmo é de escrever e dirigir”, conta ele, cuja sobrinha Lavínia Ávila, de 11 anos, é atriz.
Raphael sonha em dar vida mais estável aos pais. “Minha mãe, por exemplo, não tem medo de trabalho. Obviamente, como filho falo para ela parar, quero bancar minha mãe, já dei casa para ela dentro da nossa realidade, na Rocinha. Agora ela não vai querer parar nunca”, analisa. Desde o início da pandemia, em março, Raphael mora com a namorada, que é de São Paulo. Como a peça em que estava em cartaz foi interrompida, ela tem permanecido no Rio. “Karla é um anjo e vai ser a minha esposa, se Deus quiser”, finaliza ele.
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