Duda Santos, atriz de ‘Travessia’, fala sobre caso de vício na internet na sua família da vida real e faz um alerta


A atriz revela que, tal como Theo (Ricardo Silva), seu irmão na trama, Juan, irmão na vida real também viveu um problema relacionado a nobofobia – medo de estar desconectado ou ausente de tecnologia: “A discussão entre ele e minha mãe cresceu de modo que ela quebrou o computador dele” “Travessia” é a primeira novela de Duda Santos e ela comemora o fato de mesmo num núcleo afro-centrado, o assunto racismo e/ou preconceito não estar norteando a narrativa. Destaca ainda o fato de os personagens relacionados a ela serem de classe média, o que também é um tanto incomum na historiografia da TV

*por Vitor Antunes

Atriz de uma novela que destaca com contundência a tecnologia e seus reveses, Duda Santos compõe o núcleo da família Monteiro na  trama de Glória Perez. Neste, um dos componentes é adicto de internet, o personagem Theo (Ricardo Silva). Inicialmente retratada como uma família cômica, Duda diz que os atores elaboraram em conjunto uma forma de fazer com que o tom dos personagens mudasse, quando Theo se revelasse um dependente de tecnologia. A atriz também comenta sobre a experiência familiar que se assemelha àquela vivida pelo personagem de Ricardo Silva na novela. Na vida real, seu irmão desenvolveu uma dependência do computador tamanha que gerou um entrevero familiar. Ainda que não tenha havido necessidade de intervenção terapêutica, o irmão da atriz hoje não se atém aos dispositivos eletrônicos, porém, a atriz acredita que não trata-se apenas de uma fase: “Com a novela, eu vi que trata-se de algo mais. Meu irmão mudou os objetivos dele após ter o notebook quebrado, mas esta não é a forma correta de agir. É uma questão de saúde pública”.

Na trama das 21h, a família Monteiro é composta por negros de classe média. Algo que não é, ou não era, tão comum na teledramaturgia. Ao fato de haver uma construção familiar remediada na TV, Duda atribui a ser um reflexo da sociedade contemporânea, na qual os negros estão acessando, com mais recorrência, espaços e ascensão social. A isso, ela louva o sistema de cotas. “Graças às cotas há muito mais de nós em profissões estabelecidas. Antes, de fato, era mais difícil que isso acontecesse. Éramos carentes desse lugar. Evoluímos em muitos sentidos e contaremos outras histórias. O audiovisual é muito potente e pode levar para dentro das casas as nossas histórias”.

Duda Santos fala sobre a importância do sistema de cotas e da discussão sobre o uso – e abuso – da tecnologia (Foto: Lukas Alencar)

A VAZANTE DA INFO-MARÉ 

Em 1997, Gilberto Gil escreveu “Pela Internet“, na qual perguntava “com quantos gigabytes se faz uma jangada, um barco que veleje nesse informar?”. Duda Santos, a Isa de “Travessia“, viria a nascer quatro anos depois do lançamento da canção. E cresce no momento em  que “pela Internet”, tudo está acontecendo. A tecnologia é um dos temas principais de “Travessia”, novela das 21h. E especialmente o núcleo da família Monteiro, aquele do qual a personagem Isa faz parte é o que discute a nomofobia – o medo de estar desconectado e a carência de estar sem dispositivos eletrônicos. A temática é abordada através do personagem Theo (Ricardo Silva). Tal como na novela, o irmão de Dida também viveu algo parecido. “A nomofobia foi um tema que me assustou, porque eu vivi isso na minha casa com meu irmão. Achei que eu dominaria o assunto, já que na época acreditava que era uma coisa temporária, uma fase”.

Ela, então, relata o que experienciou dentro de casa, diante da dificuldade de – sem trocadilho -desconectar seu irmão das redes sociais e da tecnologia “Ele queria furar a parede para passar um fio e se alterou de tal modo que a minha mãe começou a chorar. A discussão cresceu de modo que a minha mãe quebrou o notebook. Ele ficou tão cego que não viu a vizinha entrando em nossa casa dizendo que chamaria a polícia. Como meu irmão não pôde comprar um novo notebook, ele acabou mudando interesses, até que tivesse outro aparelho. A novela me revelou que podia ser algo diferente e que bom que tudo se resolveu da melhor maneira, mas podia ter dado muito errado”. Ao programa Encontro com Patrícia Poeta, da TV Globo, Juan, irmão de Duda, declarou que “não tinha noção do que eu fazia. Ia dormir às 6h e acordava às 11h, porque tinha compromisso no jogo e era algo muito ruim, porque eu não dormia nem comia e passava dois, três dias acordado e gerava briga dentro de casa direto”.

Agimos de forma leviana pela desinformação – Duda Santos

Segundo a atriz, a família “não tinha informação necessária para saber o que estava acontecendo. Entendíamos apenas como uma coisa de adolescente e só quando começamos a ler o roteiro da novela passamos a entender aquilo como um vício, como outro qualquer, como uma questão de saúde pública, de que as famílias precisam de ajuda. É uma questão urgente, que tem que chegar na casa das pessoas e elas precisam entender e acreditar nisso”.

Ailton Graça, Indira Nascimento e Duda Santos compõem a família Monteiro (Foto: Divulgação/TV Globo)

Como mudar o tom daquele núcleo da novela a fim de credibilizar o discurso sobre a consciência dos riscos da Internet? “Discutimos muito sobre como fazer a virada dessa família. Fomos encontrando caminhos para falar sobre. É algo que esta assombrando muitas famílias, que precisa ser falado e acreditar como um vicio. As pessoas precisam acreditar no que estamos falando e entender que é um caso de saúde publica, algo urgente. Novela é contar uma historia com amor e dedicação. Em razão de estar fazendo, eu estou me adaptando a essa nova fase das redes sociais. Não sou a mais ativa do mundo e o nosso trabalho pede isso, que estejamos mais presentes nas redes e hoje eu estou mais online”.

A internet é terra de ninguém. Parecem acreditar que não vão ferir ninguém. Sentem-se com um escudo na frente e falam tudo o que pensam e que não vão saber quem está falando. Têm a impressão de que ofendem pessoas com um coração, com sentimentos com ego. As pessoas gostam de ver que é mais bonito ser mostrado. O que não for desse padrão não é legal. Por isso, não sei se sou fã ou hater das redes sociais – Duda Santos

Recentemente, fotos de Duda na praia renderam comentários na Internet. A atriz alega que, por elas recebeu “muitos comentários bons, por mais que tenha chegado em meu inbox uma gente sem noção. A internet é muito doida!”. Flagra-se pela primeira vez diante desta grande projeção que estar no elenco de uma novela das 21h possibilita. E especialmente “Travessia“, que foi cercada de polêmicas em face da pouca audiência em seus primeiro meses e uma grande indisposição da crítica e da imprensa. “Os comentários eram cruéis demais – ainda que não fossem a mim. Foi aí que vi que o mundo e a internet era mais cruel do que eu pensava. Vi o que era possível me blindar, tive as minhas próprias conclusões e me agarrei na minha opinião, no meu trabalho e fui estudando cada vez em defender a minha personagem acima de qualquer coisa, em não esmorecer, não desmotivar, não deixar cair”. Em sua reta final, os índices de audiência da novela têm subido. Na terça-feira, 4 de abril, por exemplo, a novela assinalou 27 pontos e foi o programa mais visto da Globo.

É muito desmotivador você estar trabalhando dando o seu melhor e as pessoas julgando, não a mim, mas ao projeto. A novela é um todo, são as pessoas se unindo para dar certo. Acreditei no meu trabalho, na minha novela, no meu esforço, na escritora. Mas foi complicado no começo da trama – Duda Santos

Duda Santos em “Travessia”. Tramadas 21h passou por turbulências (Foto: Fábio Rocha/TV Globo)

PRETITUDES

Nascida em 2001, Duda Santos pertence a uma geração que discute com mais profundidade o letramento racial. Hoje em dia é muito mais comum haver famílias negras de classe média. “Cresci carente desse lugar, de famílias negras com profissões estabelecidas na TV falando de outras coisas que não fosse racismo. Fomos estereotipados por muito tempo e não tivemos voz, igualmente por muito tempo. É muito gratificante, me dá esperança, ver a mim nesse espaço, numa novela, falando de histórias que poderiam estar acontecendo em qualquer família. Recentemente uma menina me agradeceu dizendo que sua irmã se inspirava em mim. Representatividade é isso. É ver que aquele é um lugar possível”, afirma.

Para a atriz, finalmente é chegado o momento do protagonismo afro na TV, especialmente em razão de não estarem falando sobre preconceito racial. “Sempre colocavam-nos no estereótipo, conosco tendo de explicar a razão de sermos pretos ou nosso dia a dia. Hoje, graças às cotas há muito mais negros formados e com profissões estabelecidas. Antigamente, de fato, era mais difícil que isso acontecesse. Éramos carentes desse lugar. Evoluímos em muitos sentidos. O audiovisual é muito potente e pode  levar para dentro das casas as nossas histórias. Temos talento e só precisamos de oportunidade. Estamos, inclusive, com mais tempo de tela. É muito gratificante. Trabalhar com a Indira Nascimento e o Aílton Graça, assim como com o Ricardinho [Silva], que são enormes, é algo muito gratificante. Eu quero abrir porta para muita gente tal como abriram para mim”.

Duda Santos. Atriz afirma que o atual momento é de transformação para os atores pretos (Foto: Lukas Alencar)

Ainda que este não seja um dos temas tratados na novela, Santos acredita que falar sobre questões afirmativas é necessário. “Sempre acontece alguma situação para que falemos  sobre isso. É um assunto que precisamos falar e que bom que temos liberdade e coragem. A informação está chegando agora e eu como preta não era tão bem informada sobre [letramento racial]. Tento correr atrás do caminho para que possamos passar para frente, evoluirmos, mas tem muito caminho pela frente. Há ainda muita coisa a ser dita”.

Não faz muito tempo, a atriz compôs o elenco de uma obra na qual era a única negra do elenco. Da mesma forma também não é muito distante cronologicamente, que uma mulher não-branca foi protagonista de uma novela das 21h. Antes mesmo de “Travessia”, onde Lucy Alves é o principal nome. “Tem um caminho acontecendo. Há luz no fim do túnel. Precisamos  achar que é possível e que estamos levando esperança, amor e arte para as pessoas. A arte salva”, finaliza.