*por Luísa Giraldo
A atriz Duda Pimenta deu vida à personagem Kessya Soares durante as duas temporadas da novela “As Aventuras de Poliana”. O sucesso levou a moça de 17 anos a assumir mais uma vez o papel no longa “As Aventuras de Poliana — O Filme”. Ao longo dos anos, o público acompanhou o crescimento da menina e suas militâncias a favor da valorização das vidas negras e do sentimento de merecimento da população preta por estar em ambientes majoritariamente ocupados por pessoas brancas. Ao interpretar a jovem dançarina, Duda aproveita a oportunidade para refletir sobre a potência de Kessya como ícone de empoderamento para a população preta e os desafios e estereótipos relacionados às narrativas negras no audiovisual brasileiro. Duda Pimenta não esconde a empolgação ao revelar que o principal foco da carreira a partir do ano que vem é o lançamento de suas músicas autorais. A artista sempre desejou cantar.
Ao longo dos três produtos audiovisuais, a melhor amiga da protagonista Poliana, interpretada por Sophia Valverde, foi retratada nas versões da infância, adolescência e, atualmente, com o filme, em sua fase adulta. As meninas se aproximaram no início dos estudos de Kessya na fictícia Escola Ruth Goulart, onde conquistou uma bolsa de estudos. Aos poucos, a personagem desenvolveu uma amizade com Poliana e Luigi, feito por Enzo Krieger, e superou situações de preconceito em sala de aula.
Duda não esconde a admiração que tem por Kessya. “Ela foi a personagem que mudou a minha vida. Fiquei muito feliz com a trajetória dela desde o início da novela. Kessya era uma menina que veio de uma comunidade, que sofreu muito racismo na escola, mas nunca abaixou a cabeça ou desistiu de alcançar seus objetivos por conta disso. Com muito apoio dos familiares, ela cresceu e os ajudou a sair da comunidade e ir para uma faculdade de dança, que era o sonho dela. Acredito muito na história e na potência da Kessya porque ela é uma mulher muito determinada e ainda tem muito o que alcançar”.
Apesar de fazer parte do trabalho, a intérprete admite não ter sido fácil reproduzir cenas que envolvem o preconceito no set. “Elas são bem difíceis. Não gosto de gravar cenas em que estou xingando ou brigando com alguém porque me sinto mal. Assim que acabo, costumo me desculpar e explicar que é apenas a personagem. É um desafio não levá-las a sério. Vivi muito disso com a Débora [a professora de dança interpretada por Lisandra Cortez]. A gente sabia que era tudo atuação, mas conversava e se abraçava bastante para que eu me sentisse mais confortável para gravar. Ainda assim, era difícil porque eram comentários que eu já havia escutado antes e que me fizeram pensar em desistir. As cenas me faziam lembrar de situações que aconteceram comigo durante a infância na escola, onde sofri preconceito”, desabafa.
A atriz e dançarina confessa ter aprendido muito sobre a autoconfiança com a personagem. Até o papel, ela disse ser uma pessoa “muito insegura”, o que fez com que ela se inspirasse na determinação e confiança de Kessya para se tornar uma jovem mais forte.
“Não gosto de dizer que Kessya é uma menina briguenta, mas gosta de peitar as pessoas que mexem com ela. Um exemplo disso é a briga que ela teve com a Filipa, uma menina padrão e rica [interpretada pela atriz Bela Fernandes]. A personagem sofreu muito durante a infância, mas sempre teve o grupo de amigos do lado dela. Quando sofri preconceito, pensava que eu não prestava e que o meu lugar não era em um espaço como aquele, mas a Kessya me deu uma visão completamente diferente. Ela me ensinou a não desistir e a enfrentar. Se a minha personagem faz isso, por que eu não posso também?”.
Ao expressar gratidão pelo papel, Duda detalha que se tornou uma mulher “muito mais confiante por conta dela”. Apesar de ter dado vida à Kessya, a atriz finaliza o tópico afirmando que ganhou mais da personagem do que o contrário.
Kessya me ensinou a não desistir e a enfrentar. Se a minha personagem faz isso, por que eu não posso também? — Duda Pimenta
Geração Z
Produzida pelo Sistema Brasileiro de Televisão (SBT), “As Aventuras de Poliana” teve as duas fases direcionadas ao público infanto-juvenil. Com uma temática profundamente social, a novela traz luz a temas relacionados às desigualdades sociais, aos migrantes nordestinos e aos preconceitos estruturais. Portanto, a pequena Kessya Soares se tornou um ícone na luta antirracista para crianças e adolescentes.
Ao refletir acerca dos debates propostos pela novela, Duda pontua que a Geração Z já não se contenta com representações equivocadas ou estereotipadas da população negra no Brasil. O discurso potente dela permite que outros tipos de narrativas sejam exploradas no audiovisual, a partir de bastante estudo e sensibilidade.
“Essa nova geração veio literalmente para quebrar o estereótipo da mulher preta empregada. É claro que não tem nenhum problema com esse emprego, mas podemos ser muito mais do que isso. Podemos sim trabalhar em outras áreas. Em “Aventuras de Poliana’, por exemplo, a coordenadora do colégio era uma mulher preta. Quando pequena, eu mesma não acreditava nisso. Era tão estranho ver uma coordenadora preta que me perguntava se podia isso. Hoje, sei que pode sim e ainda é pouco. Posso ser médica, professora ou advogada se eu quiser”, atesta.
Para a artista, a mensagem transmitida pelas novelas e pelo filme é a mesma: que todos podem ser o que quiserem. Emocionada, Duda relembrou da árdua trajetória de Kessya no espaço da colégio, em que enfrentou e superou situações de racismo vindas até mesmo dos professores. A atriz considera sua personagem como um reflexo militante da atual Geração Z.
Uma personagem artista
Na novela, um dos principais atributos de Kessya é a conexão com a dança. A menina se coloca como uma excelente dançarina, além de acreditar profundamente no próprio potencial. Inconscientemente, a personagem passa uma mensagem de autoestima e merecimento do sucesso para os artistas.
“Recebo muitas mensagens de crianças e mães me agradecendo pela personagem. Elas me dizem que a Kessya é uma inspiração para as crianças e os filhos, sobretudo na questão de expressão artística com a dança. Além disso, recebi feedbacks sobre ser uma inspiração até mesmo na questão do cabelo”, agradece a estrela, que pratica dança desde os três anos de idade.
Duda cultiva uma relação de amor com a dança e a expressão artística desde pequena. Por influência da tia, Fabiana Pimenta, a menina optou por seguir a carreira como atriz. Ela descreve Fabiana como uma “forte artista preta, gorda, periférica e queer”, pertencente à comunidade LGBTQIA+, e que serviu de exemplo ao “nunca abaixar a cabeça para ninguém”. .
Consciência do Impacto
Assim que assumiu o papel, Duda Pimenta soube que o trabalho teria impacto no imaginário das crianças brasileiras. Não à toa, a família da atriz explicou a ela todos os problemas envolvidos na inclusão de pessoas pretas no Brasil e do racismo estrutural.
“A nossa história é igual. Sempre tive ajuda da minha mãe, que conversou comigo desde nova para que eu tivesse noção do racismo. Ela me disse que o papel da Kessya era importante por representar inúmeras famílias brasileiras e porque mostrar a realidade de pessoas pretas que vão para escolas particulares e são olhadas torto. Entendi que a Kessya era um espelho de uma história presente na maior parte da trajetória de meninas e meninos periféricos.
Capa da Capricho
Aos 17 anos, a artista realizou o sonho de posar como capa para a revista teen Capricho, na qual acompanhava há anos. O feito emocionou a atriz por significar uma caminhada mais inclusiva do mundo cultural e do desmonte de barreiras contra artistas pretos no audiovisual brasileiro.
“Nem eu acreditei que estava na capa da Capricho. Me senti muito especial ao posar e chegar para as pessoas como uma artista preta que está conseguindo alcançar os meus objetivos e sonhos. É essa a mensagem que eu quero passar. Quero ser inspiração para muitas meninas pretas e desejo que elas saibam que podem ser o que quiserem. Apesar de ser difícil e, muitas vezes, desejarmos desistir, devemos chegar com tudo. A população racista não quer ver os pretos chegando no topo, mas estamos fazendo isso. Estou conquistando cada vez mais e mais; foi isso que pensei quando me vi na capa da revista”.
Após frisar a importância do relato, Duda detalhou que o primeiro trabalho que participou no audiovisual foi no Discovery Kids, aos 7 anos: “O Zoo da Zu”. Em seguida, relembrou dos projetos que está participando atualmente, como um da Disney que tem um elenco inteiramente preto e trata da temática da dança. A atriz prometeu soltar mais informações sobre o programa em breve.
Quero ser inspiração para muitas meninas pretas e desejo que elas saibam que podem ser o que quiserem. Apesar de ser difícil e, muitas vezes, desejarmos desistir, devemos chegar com tudo. A população racista não quer ver os pretos chegando no topo, mas estamos fazendo isso — Duda Pimenta.
A moça reflete sobre as possibilidades e oportunidades a partir da personagem. “Entendo que o lugar da Kessya abriu portas para outras histórias que mostram a realidade da maioria das famílias brasileiras, ou de outras visões dela. Recentemente, interpretei uma menina milionária em uma série da Netflix. Confesso que aquilo me chocou bastante, fiquei surpresa. Comecei a participar de projetos com uma visão completamente diferente das pessoas pretas”.
Música
“Já tenho algumas músicas com clipes lançadas no YouTube, mas sempre foi meu sonho ser uma artista completa: atriz, dançarina e cantora. Junto com a minha equipe, estou trabalhando em uma letra mais romântica e pop ao mesmo tempo”, disse.
Segundo a cantora, a primeira música que lançou foi relacionada ao cuidado de cabelos crespos e auto aceitação. A falta de representatividade a motivou a compor e compartilhar uma canção que valorizasse todos os tipos de cabelo. Criada quando a menina tinha apenas 12 anos, a música bombou e tem, atualmente, 22 milhões de visualizações. Ela ainda se surpreende com a popularidade da letra.
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