Drica Moraes fala como enfrentou uma cobra nas filmagens do longa ‘As verdades’ e revela bastidores de nova novela


A atriz tem uma personagem importante no filme “As Verdades”, seu primeiro projeto com José Eduardo Belmonte. Drica comenta sobre as precárias condições sociais que encontrou nas casas de tantos brasileiros no interior da Bahia e antecipa próximo projeto: a adaptação cinematográfica de “Pérola” baseada na peça de Mauro Rasi

*Por Vitor Antunes

“As Verdades” trata-se do primeiro projeto de José Eduardo Belmonte a contar com Drica Moraes no elenco. Gravado em 2019, só agora o filme conseguiu chegar às telas. No longa, Moraes interpreta Amara, uma mulher ressentida na relação com os homens e um tanto superprotetora da filha, Francisca, vivida por Bianca Bin. E este não será o único trabalho da atriz a ser apresentado neste ano. Fizera as duas temporadas de Sob Pressão, série aclamada da Globo, aguarda o lançamento de “Pérola”, primeiro filme de Murilo Benício como diretor, e já iniciou as preparações para a nova novela das 21h, “Travessia”, de igual maneira uma estreia para a artista, pois que se trata do primeiro folhetim de Glória Perez em sua carreira.

No longa de Belmonte, Drica apresenta a sua personagem como sendo “uma mulher que foi abandonada por Deus e por todos a sua volta. Trata-se de uma sobrevivente. De uma mulher dura, embrutecida, que criou a filha sozinha. De modo que o desfecho destinado a ela no filme é um susto pro espectador, que se surpreende com as ações da mulher”. Moraes prossegue dizendo que Amara representa “Essas milhares de mulheres, tão brasileiras, que vivem à sombra de seus homens, são massacradas, subjugadas, abusadas e oprimidas por eles. Isso, infelizmente, é muito comum no nosso País, mas não apenas aqui. O machismo é estrutural, o patriarcado é estrutural. As mulheres têm se rebelado contra isso, mas há muito o que se caminhar”.

Outro tema que permeia o longa-metragem é a dicotomia entre mentira e uma verdade conveniente. Num ano de eleições, onde as informações passam por vários atravessamentos, a intérprete de Amara salienta que “O filme apresenta esse jogo de situações que a gente vive, sobre a manipulação da verdade de acordo com os interesses próprios. É curiosa a forma como isso é colocado ali, de forma quase didática. Como se dissesse ‘é assim a vida’”.

O processo criativo era muito semelhante àquele experienciado no teatro, segundo relata-nos Drica: “A gente trabalhou muito em sala de ensaio, onde ficamos por três semanas, mexendo nos diálogos, elaborando um passado aos personagens, num exercício que, embora não esteja presente no filme, está nas entrelinhas dos personagens, no subtexto”.

A intensidade vivida na sala de ensaios – no Teatro Poeira, do Rio de Janeiro – foi totalmente ressignificada quando o atores chegaram às locações, na Bahia. O longa foi filmado nas cidades de Itacaré e Maraú, ambas no interior baiano – distantes em 422km da capital: “Chegávamos muito cedo nas locações para pegar a luz do sol nascendo e aproveitar o máximo da diária e passávamos o dia naqueles casebres desprovidos de tudo, de encanamento, de infraestrutura… Tinha cobra, aranha… A casinha que serviu de cenário para a Amara era situada no meio do mato, numa locação difícil de chegar.  Numa das ocasiões vi uma cobra dentro da casa e, investida de Amara, tive um pensamento muito rápido e  tirei-a dali. Foi uma experiência muito rica. Eram pessoas muito calorosas, muito carinhosas, educadas, mas num grau de pobreza extremo”, relata.

Drica Moraes e Lázaro Ramos em cena de “As Verdades” (Foto: Marcelo Corpanni)

“Pérola”, o próximo filme, marca a estreia de Murilo Benício atrás das câmeras

“Pérola” marca a estreia de Murilo Benício como diretor, e traz Drica Moraes como protagonista. O filme trata-se de uma adaptação da peça homônima de Mauro Rasi (1949-2003), que fez um fragoroso sucesso nos Anos 1990. O título da peça, e agora do filme, é uma referência à mãe do autor, e nos teatros foi vivida por Vera Holtz. Sobre o projeto, Drica mostra-se igualmente entusiasmada: “Foi uma glória, eu fiquei muito feliz .Inicialmente tomei um choque. Porém, depois procurei pela Vera Holtz e pedi a sua bênção para fazer esta personagem que ficou muito ligada a ela. Ficou em meu inconsciente o sotaque, o jeito dela, de maneira que, a meu ver era quase uma homenagem à Holtz. Por mim, o filme poderia se chamar ‘Vera, de Mauro Rasi’, diz, reverente. Drica prossegue dizendo que “Foi uma viagem muito louca fazer este filme, já que “Pérola” me marcou muito como espectadora. Trata-se de uma personagem muito bonita, muito cheia de amor, plena em contradições, muito explosiva, engraçada… Ter um personagem assim é um presente pro ator”.

Com lançamento inicialmente previsto para este ano, o longa ainda não tem uma nova data definida para chegar às telonas, e muito se deve à pandemia. Porém, segundo a intérprete da protagonista, o filme “já está terminado e finalizado. Estou com uma expectativa enorme de ver. Murilo, tal como Belmonte, estão trabalhando junto com o montador, de modo que a cada corte o filme fica melhor.

Drica Moraes já esteve em outra montagem teatral escrita por Mauro Rasi. Tratava-se de “O Crime do Doutor Alvarenga”, nesta o dramaturgo referenciava o seu pai, que foi vivido por Paulo Autran (1922-2007).

Drica Moraes e Marianna Armellini em “Pérola”, primeiro filme de Murilo Benício como diretor (Foto: Divulgação)

“Travessia”, Jade Picon e Glória Perez

A chegada à nova novela das 21h se deu após dois trabalhos importantes, aos quais a atriz “Agradece a Deus” por havê-los feito. Um deles é a série “Sob Pressão”, onde gravou duas temporadas. Além desta, esteve na série “Os Outros”, do diretor Lucas Paraizo. Baseada na peça “O Deus da Carnificina”, de Yasmina Reza, a série é situada na Barra da Tijuca, Zona Oeste do Rio, e retrata realidades bem específicas daquele lugar. A personagem de Drica, por exemplo, é uma síndica que deve colocar ordem numa briga iniciada entre dois condôminos, embora seja, ela própria, envolvida com atividades ilícitas. Menos de um mês após o fim das gravações desta série, a atriz pôs-se a mergulhar nos dilemas de Núbia, sua personagem em “Travessia”: “Ela é uma mãe ardorosa, uma mulher pobre, do povo, que trabalha numa venda e batalha para dar o sustento do filho. Vai haver ali todos os desdobramentos decorrentes disso, já que o futuro que o personagem de Chay escolhe é diferente daquele que sua mãe imaginara. É uma personagem forte, não exatamente uma vilã, mas uma antagonista de alguma maneira. E quanto ao personagem de Suede ele tem contradições humanas mas não chega a ser um vilão”, analisa. Núbia fará parte do núcleo maranhense do folhetim. A atriz deve viajar em breve para o estado natal da cantora Alcione e disse estar preparando-se com aulas de prosódia e estudando as perucas que poderão compor seu visagismo. Diz que é “Muito divertido brincar com essas várias caras. É bom brincar de ser outra pessoa”.

Perguntamos se esta personagem, de alguma forma, dialoga com Nieta – papel que interpretara em “Guerra dos Sexos” (2012), e a atriz disse que sim, embora reconheça que “No fundo as novelas todas tem a ver umas com as outras. São esses arquétipos do folhetim. (Tanto Núbia como Nieta) têm um pouco desse arquétipo da mãe super-protetora dedicada ao filho, que vive um pouco a vida dele, que têm esse desejo de ascendência social, adoração pela riqueza… Eu fiz algumas personagens desse tipo, assim como outras atrizes”.

Drica Moraes  e Bianca Bin em “Guerra dos Sexos” (2012). As atrizes foram mãe e filha nesta novela assim como em “As Verdades”. Drica enxerga semelhanças entre Nieta e Núbia, sua nova personagem na TV (Foto: Divulgação TV Globo/João Cotta)

Ainda sobre a nova novela das 21h, Drica foi só elogios à autora: “A Gloria escreve de uma maneira muito legal. Ela escreve personagens e não a trama. Ele os coloca em situações tais que, num determinado momento um personagem antagoniza ao outro em alguns momentos e as pessoas estão se gostando, se alinhando… Ela escreve muito bem, ela tem essa cancha, especialmente na habilidade de unir universos muito distintos, ao juntar o bairro de Vila Isabel com Lisboa (Portugal), e ao estado do Maranhão, estando tudo regido pela inteligência artificial”, comenta. Em “Travessia” a autora torna a abrigar um núcleo no bairro da Zona Norte carioca. Em “América”, de 2005, parte dos personagens também morava na região.

A pré-produção de “Travessia” tem gerado grande celeuma em razão de a digital-influencer e ex-BBB Jade Picon haver sido escalada. Sobre esta questão, Drica é cautelosa: “Eu sinto muito pelas maravilhosas atrizes que estão pelos teatros e pelos cinemas precisando de espaço pra trabalhar e não encontraram. Lamento, mas não tenho preconceito (com Jade) não. Acho que o celular é uma ferramenta muito poderosa, tanto que ela se fez sozinha, tem uma grande capacidade de comunicação, fez um teste maravilhoso, nas salas de ensaio ela improvisa muito. Pra mim, é algo como querer implicar com o Grande Otelo (1915-1993) com o fato de ele não ter feito faculdade. Mas acho que o tempo dirá quem veio pra ficar e quem veio pra passar. Uma coisa é ter talento, outra é ter vocação. Ela é uma jovem mulher talentosa, mas a vocação, a partir da repetição e do esforço, dirão sobre esta carreira. Eu torço para que ela seja feliz”.

Walter Avancini e a precariedade de uma TV à beira da falência

Atualmente em cartaz com “O Cravo e a Rosa”, grande sucesso do horário da tarde, Drica Moraes retomou uma parceria tanto com o falecido diretor como com o autor da obra, Walcyr Carrasco. O trio já havia trabalhado junto na extinta TV Manchete, na novela “Xica da Silva”. Sobre o veículo extinto, Drica conta-nos que a estrutura da TV era muito ruim: “Era tudo muito precário. A gente tinha apenas uma luz para fazer noturna, que era azule uma para fazer diurna, que era laranja. E só! Vendo hoje, é possível perceber que a novela é muito artesanal, precária. Até mesmo os deslocamentos para as gravações eram ruins. Tínhamos de estar às 5h da manhã na sede da Manchete, no bairro da Glória (Zona Sul do Rio) e íamos de  Kombi gravar em Maricá (Cerca de 65km de um ponto ao outro). As gravações eram encerradas e nós voltávamos às 10 da noite à sede da emissora. Em Maricá, na cidade cenográfica, não havia nem mesmo um sofá para o elenco. As gravações eram barra pesada  e aconteciam de segunda a sábado. Outro ponto de gravação era nos estúdios da Estrada da Água Grande (entre os bairros de Irajá e Vista Alegre, no subúrbio do Rio)”.

Segundo Drica, as cenas de Xica eram bem radicais e contavam com a mão de ferro de Walter Avancini (1935-2001) e sua afamada indelicadeza. A atriz relata que numa gravação de noturna o diretor passou por ela disse “‘Hoje a Senhora vai se divertir’. Pois bem. Era uma cena em que as mulheres da cidade jogavam lavagem na Violante, minha personagem. Todavia, não foi usada uma lavagem cenográfica. Ao cair sobre mim o rejeito cerca de 20 porcos vieram em minha direção e puseram-se a lamber tanto a mim como a outras atrizes. Isso às 2 horas da manhã! Noutra ocasião eu estava menstruada e pedi que não fosse gravar naquele dia, especialmente, por que a Violante usaria roupas mais finas e que poderiam me deixar exposta. E ele foi bem machão, bem machista, dizendo “O velho truque das mulheres. O velho truque do ‘estou menstruada’”. Diante da minha insistência em não gravar ele foi aos alto falantes de toda a cidade cenográfica e anunciou ‘A Dona Drica Moraes pediu para cancelarmos a gravação por que ela está menstruada’. A gente passou por muita coisa na Manchete! Vivemos histórias do arco da velha”.

Sobre o diretor, ela prossegue: “Avancini era um diretor do tipo ‘ame-o ou odeie-o’. Muito rígido, muito tirano, muitas vezes falava coisa duras às pessoas. ‘Xica’ já era um trabalho denso, histórico, com peso histórico muito grande, discutindo questões como o racismo, a submissão da mulher… Era uma novela pesada”, observa. Ao prosseguir diz que “Ao cairmos na Globo, numa estrutura melhor, novamente com Avancini e Carrasco, foi um prazer. “O Cravo e a Rosa” é uma comédia de costumes deliciosa. Nesta época o diretor estava mais velho, adoentado, mais frágil, com a arrogância mais humanizada, pedia desculpas aos atores… (Embora difícil) ele era um grande diretor. Ele mudou minha vida, me ensinou muito, já que eu sabia muito pouco sobre audiovisual. Mas, sem dúvida, era um homem muito duro”.   A composição de Violante valeu à atriz o Prêmio APCA, em 1997. “Xica da Silva” foi o canto do cisne da emissora dos Bloch. A novela seguinte, “Mandacaru”, não dispôs de muita audiência. Ao passo que a que entrou em seu lugar, “Brida”, teve ainda menos sorte e foi encerrada ainda sem exibir o seu final. A Manchete seria extinta em 1999.

Drica Moraes: “A gente passou por muita coisa na Manchete. Vivemos histórias do arco da velha” (Foto: Divulgação/TV Manchete)

Da doce menina que sequestrou Lauro Corona à maldosa mulher que ficou no caritó: Uma trajetória 

O primeiro trabalho de Drica Moraes na TV foi num “Tele Tema”, espécie de Caso Especial, exibido em 1986. No programa, ela vivia Darília, uma menina autista que era fã de Lauro Corona (1957-1989) e que por sê-lo, acabou motivando a irmã a sequestrar o ator na porta da TV Globo, como forma de fazer a menina ter alguma felicidade diante da doença. Quase vinte anos depois da aclamação por esta personagem, Drica, já uma atriz madura e com carreira estabelecida, adoeceu e precisou sair de uma novela de sucesso. Um golpe duro ter de deixar a virgem e maldosa Cora: “Saí à revelia da minha vontade. O excesso do trabalho foi me adoecendo, personagem estava super no ar decoladíssimo, na boca do povo… Foi um grande sofrimento para mim ter que sair, foi uma tristeza enorme. Mas a novela continuou indo bem (após a minha saída), eu fiquei bem também, e foi a melhor decisão para ambos os lados. Hoje eu vejo assim”.

O primeiro trabalho em televisão de Drica Moraes na TV foi num Teletema, em 1986, onde viveu uma Darília, uma menina autista que era apaixonada pelo ator Lauro Corona (Foto: CEDOC/TV Globo)

Olhando para a carreira, desde Darília, passando por Violante, Amara e Núbia, Drica se diz grata à carreira que construiu: “Eu tenho muita gratidão por haver sobrevivido e poder viver da minha profissão. Ter podido criar meu filho a partir da minha arte. Isso é muito raro. É um privilégio poder viver do ofício que amo. Eu ainda me sinto como uma iniciante. A gente se sente uma criança fazendo as coisas , com um sentimento puro com relação a profissão”.

Embora tenhamos iniciado esta matéria falando que o filme “As Verdades” trata sobre variadas versões para uma mesma cena, o mesmo filme tem diálogos e tentativas de fazer os personagens mais sisudos sorrirem. Um deles é do de Drica, Amara. Perguntamos a ela qual a última lembrança da qual ela se recorda de haver aberto o seu melhor sorriso e a atriz deu-nos uma resposta surpreendente: “Não sei. Sorrio todo dia. Abro a janela e sorrio em gratidão pela paisagem. Todo dia eu entro na gargalhada com meu filho, com meus amigos… Minha vida só não é uma festa por que o mundo está muito ruim. Você olha em volta e quer chorar, o Rio está triste. Mas eu invento uma felicidade a meu jeito. Eu busco o prazer pela vida insanamente. Minha vida é uma diversão”. Ao falarmos sobre “Xica da Silva” e “O sequestro de Lauro Corona”, trabalhos que somam mais de 25 anos, Moraes comemorou por havermos lembrado deles: “Que legal que as coisas permanecem”. Drica Moraes é a certeza de um sorriso permanente. É “a arte de sorrir em cada vez que o mundo diz ‘não’”.