Drayson Menezzes fala do racismo nos algoritmos da Internet, que esconde pessoas pretas, e sobre hipersexualização


Drayson Menezzes é parte de uma família plena de artistas. Além dele, há suas irmãs Sol e Sheron, que são atrizes, e a mãe deles a escritora Veralinda. Ator nega que esta configuração familiar tenha se vertido como cobrança, mas que, ainda que tivesse anos de teatro, era visto com desconfiança, justamente por conta de ter a ascendência que tem. Em face desta entrevista, retomamos a discussão sobre o racismo presente nos algoritmos da internet, algo que em 2020 gerou discussão no Twitter quando havia o apagamento de pessoas pretas na prévia de fotografias. Ainda que esta plataforma tenha se corrigido, observamos que o uso de algumas palavras chave básicas no Google, como “homens bonitos”, Mulheres bonitas” ou “mãos bonitas” não contemplam pessoas pretas. Drayson nos conta que há um movimento dentro do ativismo negro objetivando “levantar bancos de imagens com pessoas pretas em várias situações positivas para contrabalançar isso”

*por Vítor Antunes

No meado de 2020, o algoritmo das redes sociais, especialmente o do X/Twitter, foi classificado como preconceituoso pois, em fotos postadas naquelas plataformas, reconhecia como rosto apenas o de pessoas brancas. O de pessoas pretas não era lido como tal e outros elementos ganhavam destaque nas prévias de fotografias postadas em conjunto. Num dos testes. a fotos de um senador americano branco e a do ex-presidente Barack Obama foram postadas juntas e na prévia, apenas o senador apareceu. Durante esta conversa com o ator Drayson Menezzes, constatamos que algo semelhante acontece no Google. Quando coloca-se as palavras chaves “homens bonitos” ou “mãos bonitas“, não são apontadas pessoas pretas. “Há um movimento dentro do ativismo que está pressionando o Google e a Meta – grupo controlador de WhatsApp, Faceboook e Instagram –  a levantar bancos de imagens que contenham pessoas pretas em várias situações positivas para contrabalançar isso”.

Com um segundo semestre movimentado, o ator pode ser visto na montagem de “O Rei Leão,” em cartaz no Teatro Renault, em São Paulo. No audiovisual, está na série “As Aventuras de José e Durval“, da Globoplay, em “A Magia de Aruna” a primeira série de fantasia da Disney Plus que estreará no fim do ano, e que além dele conta com um elenco estelar: Cléo, Giovanna EwbankJamilly Mariano e Caio Manhente. Outra produção que contará com Drayson no elenco é “O Lado Bom de Ser Traída“, estrelado por Giovanna Lancelotti e Leandro Lima.

Drayson Menezes está em “O Rei Leão” e em outros projetos no audiovisual (Foto: Caio Gallucci)

TELAS EM ‘BRANCO’

No passado, uma tela em branco assustava em face de representar que ela estava vazia, sem conteúdo. Assim como assusta aos que trabalham com a escrita a famigerada folha em branco. Porém, hoje as redes sociais e buscadores de informação oferecem uma outra camada de leitura possível. As telas – de celulares, tablets e afins – estão cada vez mais repletas de pessoas brancas. No meado de 2020 tornou-se público o fato de que o Twitter, quando exibia a prévia das fotografias postadas em sua plataforma, priorizava rostos brancos, mesmo quando postadas ambas as fotos na mesma imagem. Na época, usuários colocaram na mesma imagem o senador americano Mitch McConnell e o ex-presidente Barack Obama. Apenas Mitch aparecia na foto. Por conta disso, o X/Twitter apresenta fotos na íntegra, na prévia. Hoje o problema é outro. Uma busca simples no Google invisibiliza pessoas pretas. Lançando mão de três palavras chave “homens bonitos”, “mulheres bonitas” e “mãos bonitas” não há redirecionamento de resultado para pessoas pretas.

A pesquisa no Google com a palavra chave “homens bonitos” remonta a apenas um negro, o ator Regé Jean-Page (Foto: Reprodução)

Para Drayson, o comportamento das plataformas de redes sociais não está muito distante daquele praticado no audiovisual. “Há mesmo muito a ser conquistado. Estamos falando de um País com a maior quantidade de pessoas negras fora da África. Há um número crescente, e não podemos negar isso, no quantitativo de pessoas no audiovisual, mas as pessoas falam de representatividade e em muitas vezes não há muitos negros além de um. O lado positivo nas novelas é que não há mais um núcleo de pessoas pretas responsáveis por discutir todos os atravessamentos que se interpõem à causa negra e ainda serem ‘personagens’ com seus conflitos”. Quando se tem várias novelas, séries ou filmes, é possível falar sobre outras questões inerentes à causa”.

Ele prossegue dizendo que entre 2014 e 2016 houve “um levante importante na cena teatral do Rio de Janeiro. Antes disso alguns espetáculos pretos que despontavam, os próprios indivíduos achavam poder dar conta de toda a questão problemática que envolvia a negritude. Não tem como dar conta. Havendo muitos espetáculos, sim, pois pode haver uma segmentação temática, como em “Oboró – Masculinidades pretas“, ou em alguma montagem que trate sobre a solidão da mulher preta ou das mães solo desta etnia”, teoriza.

A hipersexualização do homem preto, segundo Drayson, “ela sempre existiu mas tinha uma máscara muito forte e muito ligada a valor. A nossa sociedade se organiza em cima da ideia de valor e de poder e todas as relações se estabelecem em cima disso e o preconceito não é diferente. Ser desejado, ser admirado poder encaixar neste estereótipo que é teoricamente positivado, do cara gostoso, atraente e uma máquina sexual na verdade são nossas próprias prisões. Nem todo homem atende a esse perfil do cara hipersexual e/ou bem dotado. Então, ou a gente corre atrás desse lugar que teoricamente é o cabível a nós, ou cede ao estereótipo a fim de ser inserido nesta sociedade que negligencia nossas subjetividades, sentimentos, emoções e inteligência. Nas redes sociais não são poucos os que se colocam nesse lugar do super-negão”.

Quando se posta uma foto sem camisa há um engajamento xis, mas quando se posta um conteúdo cultural há um engajamento muito menor. Eu tenho que ficar atento para não atrelar o meu valor a uma foto minha sem camisa – Drayson Menezzes

Ainda no Google, a pesquisa por “mãos bonitas” remonta apenas a pessoas brancas (Foto: Reprodução)

PALCO E PASSARELA

O segundo semestre chega de forma movimentada para Drayson. Ele está em cartaz no teatro, na Globoplay e na primeira serie de fantasia da Disney Plus. “O bom de fazer audiovisual é que nesse espaço entre o fazer e o ficar pronto, coincide de vários trabalhos estarem no ar. Agora, junto às séries, as coxias de teatro”.

Drayson Menezzes em “O Rei Leão”. pela está em cartaz em São Paulo (Foto: Caio Gallucci)

Super envolvido com a moda, Drayson diz nunca ter sentido ser alvo de preconceitos por estar no segmento do vestuário e ser homem. “Sobre fazer moda e ser homem eu estou num espaço privilegiado. O meu círculo acaba me blindando disso por conta de eu ser artista, mas por ser um homem preto no segmento, sim [sou alvo de preconceito]. Quando falo que tenho uma marca, isso acaba passando pelo racismo cotidiano, que por vezes é sutil, mas que também se coloca nessa desconfiança, quando veem o tamanho da minha marca e da boa receptividade dela”.

Quando Drayson fala das marcas, e são duas, ele faz menção à Galo Solto, uma especializada em saias masculinas, e a sua nova a “Piscies”, mais genderless. “Eu já vinha há um tempo querendo criar novas peças e esta marca nasce da minha vontade de usar coisas mais diferentes e não achar. E além de tudo eu sou um homem grande. Havia roupas do setor feminino que eu gostava e que não cabiam em mim. Por mais que hoje as questões de gênero estejam mais fluidas no vestuário, há pontos que fazem diferença, como uma cava, ou um tamanho de ombro a ombro, o que faz com que a roupa caiba melhor num corpo que no outro. A Piscies surge nesse meio de caminho. Tanto para atender um corpo masculino, mas com elementos que são do guarda roupa feminino, como brilho, cetim, transparência. A moda masculina e feminina se mistura cada vez mais e mais rapidamente. No passado, as coisas iam para uma moda gay e queer e depois para a moda masculina. Em principio seria um masculino mais ousado, mas desde que minha irmã Sol pegou algumas peças piloto eu fui trabalhando mais as vestimentas agênero. Para as minhas marcas eu crio aquilo que eu gostaria de vestir.

Perguntamos a Drayson se haverá algum momento em que pessoas pretas não precisarão falar entre si de questões afirmativas e ele disse “não sei, mas não acho que seja de todo ruim. O problema é quando se volta o olhar apenas para isso ou para uma espécie de pioneirismo ‘a primeira negra a fazer tal coisa ou o primeiro negro a fazer tal coisa’. Precisamos ser lembrados em o quanto as nossas conquistas impactam a nossa coletividade, sobre individualidades, sonhos, amor e outros temas. Mas, em contrapartida,  pessoas pretas falarem de si também é acolhimento, e não saber que estamos sozinhos. Isso também é muito importante”. Numa sociedade repleta de opressões, Drayson oferece o afeto.