* Com Camila de Paula
Não são apenas os dramas da aristocrática família Grantham, nem o pano de fundo de grandes acontecimentos históricos que fazem de “Downton Abbey” uma atração que mostra a que veio, exibida no canal GNT às quintas-feiras. Aquele ar vitoriano do início do Século XX e toda aquela pompa e circunstância estampados em ternos, jóias, chás, vestidos e ambientes fazem os telespectadores cada vez se distanciarem da realidade, evocando um glamour que não volta mais. Mesma coisa acontece, hoje em dia, nos famigerados programas de auditório da tevê aberta, só que não.
Se, por um lado, os brasileiros se encantam com a atmosfera reinante no casarão da família Grantham-Crawley, sob outro ponto de vista eles se exasperam com a atual qualidade dos programas de auditório. Christina Roccha, com sua gritaria habitual no SBT, e João Kleber, com seus flagras ensaiados na rapaziada que pula a cerca, não são os únicos representantes dessa falta de brilho que assola a televisão aberta, digna de deixar Violet, a Condessa-viúva de Grantham, com as plumas do seu pomposo chapéu eletrificadas de tanto susto. Mesmo na Globo, atrações como Luciano Huck e Faustão fazem o espectador duvidar que seja possível encontrar cabeças pensantes nas tardes de sábado e domingo, já que vida inteligente só existe nas madrugadas de Serginho Groisman. É numa hora dessas que se torna unanimidade a constatação da falta que uma Hebe Camargo faz no mercado.
Fotos: Reprodução
Muito laquê por centímetro cúbico de cabeleira? Ok. Jóias nababescas com cara de bijoux de carnaval das Lojas Silmer? Ok. Selinhos na boca dos convidados e observações ácidas, mas espirituosas, capazes de fazer as donas de casa corar com tanta ousadia? Ok também. Gafes? Por que não? Lembra quando ela perguntou a cada um dos gêmeos entrevistados qual a sua idade? Bom, até ela ria com essas mancadas espirituosas. Ficamos todos órfãos desse conceito, desde quando a idolatrada anfitriã-gracinha embarcou para o Nirvana, se esquecendo de passar no balcão da companhia celestial e pedir seu bilhete round trip. Que ausência faz uma apresentadora de peso como Hebe Camargo (e seu acervo milionário) nesse cenário de contemplação do constrangimento alheio! Atualmente, vive-se – e adora-se! – o culto do riso por conta da mazela alheia e, também, do triste barraco de terceiros. Gente tarimbada como Christina Roccha e João Kleber são experts em ocupar este espaço, mas mesmo apresentadores de peso, como Faustão, também sabem transitar neste ambiente, mesmo que de forma menos descarada. Mas falta alguém que domine a arte de receber convidados em um sofá de responsa.
Que falta faz uma Hebe, mesmo popular – mas sem ser popularesca! Que ausência faz uma programação na tevê aberta que não seja sintonizada com esses novos tempos, onde o público corresponde aos anseios das novas classes C e D, alçada ao estrelato do consumo por Lula, Dilma e sua turma do barulho. Saudade da época em que as tropas de elite ainda não haviam sido substituídas pelas tropas de choque do governo, e que ainda era possível encontrar calouros sendo buzinados por apresentadores-clown, que se encarregavam de atirar bacalhau do Lidador na plateia.
Não que antes não houvesse programas de auditório de gosto duvidoso. Celeste Maria recebia os convidados em estofados de curvim emoldurados por samambaias de plástico nos xaxins. Isso em um período em que os xaxins ainda não tinham voltado à moda, nem virado decoração cult na SPFW. Havia Moacyr Franco, Jacinto Figueira Junior – o homem do sapato branco, com seu mocassim e cara de bicheiro – armando seus barracos policiais e administrando confusões como a do cara que observava os travestis pelo buraco da fechadura no banheiro comum na casa de cômodos. Tinha até Ataíde Patreze imitando a imitação da imitação da imitação de Amaury Junior e dizendo que as periguetes da época eram simplesmente um luxo. já existia até gente tipo Christina Roccha, com um “c” a menos e sem as camadas de botox que a deixam com cara da mãe da Gretchen.
Mas já teve Ziraldo e Sérgio Cabral pai recebendo convidados em uma arquibancada montada na TVE, Marisa Urban e sua sofisticação paulista setentista, um polêmico Flávio Cavalcanti e até Scarlett Moon e Ricardo Amaral se revezando nas cadeiras descoladas de um “Noites Cariocas”. Cadê esse povo ou, pelo menos, seus sucessores? Por isso mesmo, ainda não foi ocupado o espaço do glamour (ainda que embolorado) de Hebe – a mulher que entrevistava até presidente do Brasil, tinha excelência na arte de receber e batia um papinho espontâneo, indo do malicioso ao infantil e vice-versa, arrancando confissões entre um “gracinha” e outro. Mas, pelo andar da carruagem, será que vai? O brilho exagerado da apresentadora, sua marca registrada, foi fruto colhido do trabalho de toda uma vida e realizado com perfeição. Mas, agora, assim como os códigos do seriado britânico parecem não ter mais vez na vida moderna, apresentadores de espírito forte também demonstram estar escassos, sobretudo quando o apelo dos formatos toscos se encontra anos-luz à frente do conteúdo – e ao gosto do público.
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