O cinema de arte ganha as telas em uma mistura de amor, história e inspiração em contos da literatura sob o comando de Felipe Bragança, com a estreia “Não Devore Meu Coração”. Com Cauã Reymond no elenco, o longa resgata a dor da Guerra do Paraguai na fronteira dos dois países com uma história de amor como fio condutor. No elenco, além de Cauã, Felipe Bragança aposta em não-atores que traduzem a emoção e a energia da região e em um grande artista que, no longa, está fora de seus palcos de costume. “Não Devore Meu Coração” também tem Ney Matogrosso no elenco é um frescor inteligente para o cinema.
Inspirado em dois contos de Joca Terron, o filme narra a paixão de dois jovens separados por uma fronteira. Em paralelo, uma gangue de motociclistas, liderada pelo personagem de Cauã Reymond, estabelece outra emoção em meio ao enredo. “Eu estava com vontade de fazer um filme que falasse da identidade brasileira a partir de um olhar juvenil e me indicaram esse livro do Joca Terron, que é do Mato Grosso do Sul. A obra reúne contos muito curtos sobre as lembranças dele em sua vida na fronteira e dois deles me encantaram”, lembrou Felipe que decidiu unir essas duas histórias. “Quando eu li esses dois contos eu me apaixonei, cruzei as ideias e quis contar sobre as duas histórias em um mesmo filme. Conversei com meus parceiros e produtores, mas, para ter certeza de que a história seria possível, eu disse que precisava conhecer esse lugar. Foi então que eu fiquei quatro anos indo e voltando para essa região”, lembrou.
Neste tempo, Felipe Bragança teve a certeza de seu enredo por causa dos personagens reais desta história. Mais do que as belezas e peculiaridades físicas da região, foi o comportamento humano que encantou e motivou o diretor a correr atrás de seu longa. E, cinco anos depois, “Não Devore Meu Coração” está pronto para estrear. “O mais importante em um filme que será produzido fora de um cenário urbano e de estúdio é a paisagem humana. Mais do que as curvas geográficas, as pessoas que fazem parte são o destaque. Elas têm traços naturais muito fortes, falam português, espanhol e guarani tudo misturado, possuem outra forma de ver o mundo e têm o sofrimento da Guerra do Paraguai ainda muito forte”, detalhou Felipe que decidiu investir neste público.
Durante a produção do filme, o autor até tentou trazer atores profissionais para integrar seu time de “Não Devore Meu Coração”. Mas, apesar da experiência dos profissionais paraguaios, Felipe contou que, neste caso, a emoção local era mais importante que os cursos e habilidades técnicas. Foi então que ele optou por escalar um elenco de não-atores. “Eram muitos personagens daquela região e eu queria pessoas que realmente falassem guarani, tivessem a vivência do lugar e fossem pessoas de verdade. Eu cheguei a fazer um teste com atores paraguaios, que eram muito bons. Só que tinham uma personalidade muito urbana, e não era isso o que eu buscava”, explicou o diretor que, por isso, apostou nas pessoas locais. “Eu achei que seria mais bonito para o filme ter esse tempo de ensaio com não-atores que possuíssem uma energia local do que importar atores de outros lugares e fazer com que fossem dali. O personagem do Cauã é outro caso porque ele não se sente parte daquela região e daquele grupo. Ele tem a vontade de sair daquela cidade”, destacou.
Por falar nele, Cauã foi uma descoberta certeira de Felipe Bragança. Ainda sem se conhecerem, o diretor escolheu o ator por uma interpretação pouco conhecida. “Eu assisti ao filme “Falsa Loura”, que pouquíssimas pessoas viram, e o Cauã fazia uma participação e era um personagem de cantor famoso. No longa, ele jogava muito bem com essa dupla camada de ser conhecido, mas, ao mesmo tempo, anônimo, sem querer só o glamour. Foi então que eu me interessei pelo trabalho dele porque acreditei que ele aceitaria o jogo que foi ele estar em um ambiente meio novo e desconhecido”, lembrou Felipe que comemorou o resultado da dupla. “O que aconteceu de muito bonito nesse filme foi a troca com o Cauã. É um trabalho quase todo feito por não-atores e eu tive essa intuição de que ele teria a sensibilidade, talento e generosidade de mergulhar em um filme, ir para a fronteira, atuar com muita gente nova e me ajudar nesse processo”, contou.
Com elenco escalado, inspiração consolidada e roteiro desenhado, “Não Devore Meu Coração” estreia nos cinemas nacionais após algumas viagens por festivais pelo mundo. Uma das paradas foi no de Sundance, em Berlim. Com esta bagagem, Felipe Bragança volta para casa com a expectativa de emocionar ainda mais. Para ele, apesar da carga dramática do filme que já foi sentida pelo mundo, a história deve criar uma empatia maior com o público brasileiro. “Aqui nós estamos falando com um público que conhece mais essa história e, por isso, tem uma identificação maior com o enredo. Isso acaba que cria camadas de interpretação que é diferente dos estrangeiros”, avaliou.
Com a sensação de missão cumprida, Felipe Bragança vira a página de sua carreira para novos projetos. Recentemente, o diretor firmou nova parceria com Cauã Reymond. A dupla volta a se encontrar em “Azuis”, filme que tem o ator como parceiro do diretor na produção do roteiro. Além do longa, Felipe também acabou de rodar “O Animal Amarelo”, outro filme que deverá estrear no final do ano que vem. Sobre este trabalho, o diretor contou que repete a proposta de não-atores no elenco. “É um filme de muitos personagens e participações porque não tem uma pessoa central que comanda a história. Mais uma vez, eu misturo atores e não-atores e, desta vez, filmei no Brasil, Portugal e Moçambique”, adiantou.
No entanto, engana-se quem pensa que esta seja uma novidade na carreira de Felipe Bragança no cenário audiovisual. Como ele nos contou, em seus anos de trabalho o conceito de não-atores já se repetiu algumas vezes, inclusive antes de “Não Devore Meu Coração”. “Desde os primeiros curtas, eu trabalho muito com não-atores, já filmei na baixada fluminense e com refugiados. Eu tenho alguma experiência com isso. O meu desafio neste último filme foi justamente a mistura dessas pessoas que nunca trabalharam com atores mega experientes”, apontou o diretor que acredita que novos fôlegos sejam uma função do cinema independente no mercado audiovisual. “O cinema de arte e independente está aí para oxigenar tudo. Tanto os espectadores, que cruzam com ideias novas, quanto o próprio mercado. Os diretores que geralmente fazem cinema autoral estão migrando para longas mais industriais e depois acabam voltando. Então, para mim, a arte e a experimentação mexem com o mercado de cinema e com o público por consequência”, concluiu Felipe Bragança.
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