Na direção do filme “Trago Comigo”, Tata Amaral conversou com o HT sobre a importância de abordar a ditadura mais uma vez nas telonas. Segundo ela, apesar de ser um tema recorrente, nunca é demais levantar debates sobre uma época em que se perseguia, torturava e matava pessoas que eram contra o governo militar. “As pessoas falavam que esse papo era velho e que, por isso, não se precisava falar sobre ele. Mas eu acho que temos que levantar esse assunto, porque a tortura continua acontecendo. Eu acho que a importância dele é trazer para todo mundo a discussão sobre militância, sociedade justa e a militarização da vida que vivemos hoje. Esse filme vem sendo feito desde 2009, e eu jamais poderia imaginar a atualidade dele no lançamento. O longa ganhou uma nova dimensão. Aconteceu”, disse a diretora.
O filme “Trago Comigo” conta a história do diretor de teatro Telmo (Carlos Alberto Riccelli), que sofreu torturas nos anos de ditadura, mas que não se lembra desses momentos. Por conta desse buraco na memória, ele decide montar uma peça e que, a partir da improvisação dos jovens atores em cena, ele vai recuperando parte das lembranças. “A peça e a atuação dos atores funcionam como um gatilho para a memória dele. O que vemos ao fim, é o espetáculo montado. Ou seja, não vemos o passado, e sim o futuro”, afirmou Tata.
E a escolha por contar a história desse jeito foi a solução encontrada pela diretora para falar de um passado problemático. “Eu queria trabalhar com a ideia de representação, porque é um tema muito difícil de lidar. A nossa sociedade quer virar a cara e colocar para o outro lado essa parte da história. O flash-back, para mim, parecia uma solução sem sentido, porque não sabíamos o que foram aqueles anos. Eu quis expressar que o nosso passado não está concreto, a gente esconde. E, à medida que ele vai sendo revelado, ele se torna real. Ao fim, quando desvendamos esse passado é quando há a apresentação da peça”, explicou sobre a expressão dramatúrgica escolhida.
Para a imersão no universo pesado dos anos de ditadura no Brasil, Tata Amaral conversou com pessoas que foram vítimas da tortura. Ao longo do filme, a diretora, inclusive, incorpora alguns desses relatos. Entre os entrevistados de Tata, estavam dois brasileiros que sofreram nas mãos de Carlos Alberto Brilhante Ustra, o único torturador reconhecido pelo Superior Tribunal Federal. Recentemente, o nome de Ustra voltou aos noticiários após o deputado Jair Bolsonaro (Partido Social Cristão – PSC/RJ) “homenageá-lo” durante a votação de impeachment da presidente afastada Dilma Rousseff. Sobre o ocorrido, a cineasta lamentou. “Essa homenagem só demonstra uma absoluta ignorância de parte da sociedade que não sabe quem foi esse homem”, completou.
Além da dificuldade em abordar o tema, Tata Amaral destacou o financiamento como um outro desafio encontrado ao longo dos sete anos de produção. Sobre a atual situação da cultura e das mudanças no Ministério que atende à classe artística brasileira, a diretora afirmou que é preciso voltar a “espalhar arte pelo país” como era feito nos governos Lula e Dilma. “A orientação dos governos do PT tem que ser mantida. Não dá para voltar atrás nisso, é importante. O MinC teve um papel essencial na descentralização da cultura entendendo que ela é um direito de todos. E, não só receber cultura, mas produzir também. E é por isso que houve essa reação enorme de todo o Brasil contra a extinção do Ministério da Cultura, que, diga-se de passagem, foi um dos primeiros atos da democracia pós-ditadura. Durante o período militar, a pasta fazia parte do Ministério da Educação. E, quando você separa, não é um ato simbólico. Eu acho que é um reconhecimento de que a cultura é estratégica e que ela precisa de uma atuação para que se encaminhe de uma ou outra maneira”, declarou Tata Amaral.
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