*Por João Ker
A relevância do Circo Voador para o cenário musical brasileiro – e especialmente os cariocas – é inegável e incomparável. Todos os grandes nomes da música já passaram por lá e muitos deles, como Cazuza (com o Barão Vermelho) e os Paralamas do Sucesso, começaram suas carreiras por ali. Agora, no próximo dia 29, chega aos cinemas o documentário “A Farra do Circo”, com imagens inéditas capturadas no início da década de 1980 que mostram aquele clima colaborativo, meio paz-e-amor, que tanto ajudou a transformar o espaço no que ele é hoje.
O material foi colhido por Roberto Berliner, que fez parte da criação do Circo Voador e viu o espaço abandonar o Arpoador, passar pela Copa do México e se estabelecer aos pés dos Arcos da Lapa, onde permanece até agora. “Quando eu comecei a filmar esse documentário foi o início da minha carreira. Eu ia para lá durante a semana inteira e continuei filmando por um bom tempo, até quando interrompi em 1986”, afirma o co-diretor em entrevista exclusiva ao HT por telefone. “É um projeto que durou 30 anos e, desde o início, nós sabíamos que lançaríamos um filme, mas não sabíamos quando. Neste ano conseguimos arrecadar a verba por um edital e então retomamos tudo”, explica.
Apesar de ainda ser palco para artistas alternativos e até iniciantes, a dinâmica do espaço foi mudando ao longo dos anos, dando mais importância à música, como observa Pedro Bronz, que também assina a direção do documentário: “Aquele Circo Voador do início era um Circo coletivo, de muita gente. As pessoas da bilheteria e as que limpavam ou cuidavam do lugar foram as mesmas que ajudaram a construí-lo. Elas estavam no dia-a-dia do Circo e também se apresentavam por lá. Era uma coisa conjunta e as outras manifestações artísticas tinham o mesmo peso da música: videoarte, dança, teatro, artes plásticas, performance, circo. Havia esse espírito multicultural. O Circo de hoje tem o seu valor e ainda promove grandes shows de rock e música independente, mas está mais focado nesse aspecto: ser uma casa de espetáculos e ter um espírito mais empresarial.”
Entretanto, ambos os diretores vêem que essa mudança de expressão criativa na casa de shows foi algo que aconteceu naturalmente com o passar dos anos, sem forçação de barra. Uma transformação, aliás, que se apresentou necessária para a sobrevivência do Circo Voador: “Chegou uma hora em que houve a perda da força do coletivo, por mil razões. Esse momento meio utópico se esgotou. As pessoas começaram a se focar mais nos seus próprios projetos pessoais e aquilo de antigamente acabou. Paralelamente, veio uma geração mais esfomeada, mais interessada nos business”, teoriza Roberto. Pedro também manifesta o mesmo tipo de hipótese: “Eu acho que, depois de um tempo, esses movimentos perderam um pouco de espaço. Depois da geração hippie, vieram os yuppies – os anos 1980 e 1990 tiveram muito disso, uma galera mais focada em ganhar dinheiro. Agora, nestes últimos anos, voltaram a existir projetos grupais com esse perfil, mas é algo que ficou extinto por um bom tempo. Claro, há a questão da viabilidade econômica, então provavelmente o Circo precisou seguir esse caminho, até porque a música gera mais bilheteria e mais lucro por ter um apelo bem maior”.
Ainda assim, eles não desmerecem o atual momento da casa de shows e, quando lembram nostalgicamente de suas aventuras por ali, também fazem questão de frisar que até hoje frequentam o Circo Voador. Eles destacam apresentações marcantes e icônicas que assistiram por lá (como Raul Seixas, os primeiros shows da Blitz, Paralamas do Sucesso e Barão Vermelho, e por aí vai) e ressaltam o valor afetivo que o Circo exala até para as novas gerações. “Eu vi shows históricos e foi muito legal porque era onde a gente trabalhava, brincava, namorava, aprendia… Eu até comecei a namorar minha esposa na Fundição Progresso [irmã do Circo Voador], em 1989″, relembra Roberto com a voz animada, como se estivesse vivendo aqueles momentos de novo enquanto os relata.
Pedro, coincidentemente, também conheceu sua atual esposa embaixo da lona: “Era um evento de cinema e ela foi, nós acabamos ficando e nos casamos. Estamos juntos há quase 10 anos. Mas eu comecei a ir no Circo em 1988, 1989… Já era meio diferente, mas mesmo para mim era algo espetacular. Eu ia toda sexta e sábado para lá sem saber o que ia rolar. Era uma zona livre: podia beber, fumar, fazer de tudo. Sem falar que eu, como todo mundo, tenho histórias de vários grandes shows que já assisti no Circo”. Roberto Berliner completa enfaticamente – quase que contando um spoiler do que o público verá e sentirá pelo documentário e reafirmando a aura sublime do Circo Voador: “O grande lance foi ter no mesmo lugar tudo o que você queria da sua vida.”
Trailer oficial de “A Farra do Circo”
Foto: Divulgação
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