* Por Carlos Lima Costa
Um ano e dois meses após o início da pandemia, a atriz Dira Paes vivencia toda e qualquer experiência relacionada aos últimos acontecimentos. “Fui impactada com a necessidade de entender um novo mundo que se apresentava à nossa frente. Um pouco de terror diante da potência desse vírus e a necessidade de nós estarmos presentes na construção de um país e de um mundo melhor, de um planeta sustentável. A pandemia trouxe uma reflexão profunda de qual é o nosso papel nessa existência. Esse ensinamento me dá forças para enfrentar a pandemia, o isolamento, a maneira de entreter os meus filhos e que consciência também eu quero dar a eles”, avalia. Mãe de Inácio, de 13 anos, e de Martim, 5, nesse período, ela estreou como diretora com o filme Pasárgada, aguarda para junho a estreia do longa-metragem Veneza, direção de Miguel Falabella, em que contracena com a estrela espanhola Carmen Maura, e, no segundo semestre, deve começar a gravar o remake de Pantanal.
Para Dira, as crianças potencializam a força para que o emocional não permaneça entre altos e baixos durante esse difícil acontecimento. “Quando você tem filhos, principalmente no meu caso, que ainda tenho um de 13 e outro de cinco anos, isso realmente é um combustível para a vida, porque a criança nos ensina muito nesses momentos de crise. Os dois veem o mundo de uma maneira mais objetiva. Então, tento manter esse astral para que eles não sejam contaminados pela tristeza”, analisa.
Dira prossegue realçando a importância da juventude nesse momento. “Os jovens são fundamentais para as transformações sociais, políticas, econômicas e humanísticas. Eles são a nossa liderança. A gente sabe que quando entendem um objetivo comum para um bem comum eles atuam de maneira brava e com a potência da vida. Nós precisamos muito dos jovens nesse momento pandêmico”, ressalta.
Lembrando que muito foi falado sobre empatia e solidariedade no início dessa crise humanitária. Elas se tornaram realidade ou as pessoas estão mais egoístas? “Eu acho que a empatia e a solidariedade começaram a ter um conceito muito mais amplo nesse momento, mas é preciso entender que não cabe mais o negacionismo. Eu acho que um ano depois ficaram claras as consequências quando a gente nega a possibilidade de fazer um bem pelo outro e entender que aquele bem é para si mesmo. Nesse momento, quem não está a favor dos bons sentimentos pelo próximo é uma pessoa que naufragou na pandemia”, pontua.
Dira sentiu a agonia de ter familiares com a doença, mas no final tudo deu certo. “Em Belém, do Pará, grande parte da minha família teve uma contaminação, mas minha mãe não foi contaminada e, por isso, o fato de ela ter sido vacinada com a primeira e com a segunda doses é um alívio profundo. E a sorte dos meus irmãos e parentes que contraíram não terem tido maiores desdobramentos. É uma doença que não escolhe sobrenome. Eu tenho muita precaução, porque não quero ser contaminada. Estou esperando ansiosamente pela minha vacina”, frisa.
A doença trouxe muitas mudanças como o homeschooling. Assiduamente, os dois filhos continuam estudando no formato online. “O Inácio me surpreendeu bastante. Ele é muito organizado, muito responsável pelas atividades escolares. Meu suporte é muito mais de tirar dúvidas do que tentar ficar incentivando ele. A primeira frase que me disse no início da pandemia foi: ‘Vida online não é vida’. Isso me marcou. Então, tento compensar com muita brincadeira lúdica, com muita inventividade, o estar fora da tela (celular, computador). O Martim, agora, um ano depois, tem tido mais regularidade de ficar espontaneamente para assistir a aula. Mas estou gostando muito também do desenvolvimento que ele está tendo com a vida mesmo aqui dentro de casa”, frisa. E acrescenta: “O que eu tento frisar sempre é dizer que a temperatura do que é bom para gente é a temperatura daquilo que nos faz feliz, que nos instrui, nos ensina, nos complementa. Eles têm que saber ter discernimento do que é ou não é bom para eles. E no mais é muito amor e saúde na vida”, ressalta.
No meio disso tudo, Dira trabalha e aguarda a estreia de projetos já realizados. Com roteiro e direção de Miguel Falabella, o longa Veneza, rodado em 2018, durante 28 dias, em Montevidéu, no Uruguai, e em Veneza, na Itália, estreia em junho, depois de ter o lançamento adiado por conta do isolamento social. Nele, Dira contracena com a estrela espanhola Carmen Maura, musa do cineasta Pedro Almodóvar, que a dirigiu em filmes como Mulheres À Beira de um Ataque de Nervos (1988) e Volver (2006). “Carmen Maura é uma diva do cinema mundial, mas sobretudo é uma atriz. E como atriz nós tivemos uma identidade imediata. Ela é aquela pessoa que sai de 0 a 300 km por hora num piscar de olhos. É uma potência, além de ser uma grande mulher nas opiniões muito firmes, muita decidida e com uma interpretação. Uma colega de cena daquelas que você fica apaixonada”, observa. Na história, Rita, personagem de Dira, é o braço direito de Gringa, vivida por Carmen. “Rita é eternamente grata a mulher que lhe deu a mão quando ela mais precisou na vida, então, se vê na obrigação de realizar os sonhos da Gringa que está nos seus últimos momentos da vida”, conta. Dona de um bordel no interior do Brasil, Gringa, cega e muito doente, tem um último desejo: Quer ir a Veneza para pedir perdão ao único homem que amou.
O longa-metragem que conta ainda no elenco com nomes como Carol Castro, Eduardo Moscovis, Danielle Winits, Roney Villela, Maria Eduarda de Carvalho, Alessandra Werney, André Mattos, a argentina Georgina Barbarossa, a uruguaia Camila Vives e a colombiana Carolina Virgüez, entre outros, vai estrear com extensa lista de prêmios em festivais. No Los Angeles Brazilian Film Festival, venceu como Melhor Direção de Fotografia (Gustavo Hadba), Ator (Eduardo Moscovis), além de Ator e Atriz Coadjuvante (André Mattos e Carol Castro). Por sua vez, Miguel Falabella conquistou o de Melhor Roteiro no Brazilian Film Festival of Miami. E no Festival de Gramado, a produção ganhou como Melhor Direção de Arte (Tulé Peake) e Atriz Coadjuvante (Carol Castro).
O filme é baseado na premiada peça teatral Venecia, do autor argentino Jorge Accame, adaptada e dirigida por Miguel, em 2003, no teatro, com Laura Cardoso no papel defendido por Carmen Maura no filme. “Eu lembro da peça e eu tenho tanto orgulho de fazer o papel que cabia a Arlete Salles, a quem admiro profundamente, uma atriz que é referência para mim. Então, o Miguel me presenteou duas vezes quando me convidou para fazer o filme, porque é um diretor de muitas atrizes que são apaixonadas por ele, e por ter sido escolhida para fazer a Rita no cinema, pra mim é uma honra”, destaca ela. Um sentimento recíproco. “Sempre fui espectador da Dira e nunca havíamos feito algo juntos. Mas quando escrevi este roteiro, tive certeza de que ela era a Rita”, confessou Miguel, durante live com a equipe do filme, realizada em setembro do ano passado.
O longa-metragem propõe reflexões sobre o significado de família. “Hoje em dia, a gente vê que a família existe em várias estruturas, entre elas uma estrutura de pessoas que se uniram pela dificuldade. Isso também é uma família. Você se agregar com aqueles que precisam das mesmas coisas que você e ali na casa da Gringa realmente era uma família”, recorda.
Nessa fase de pandemia, repleta de reprises de novelas, Dira pôde se ver em antigos trabalhos como Fina Estampa e, atualmente, em TiTiTi. “Eu revejo de uma forma leve, com um certo distanciamento e de uma maneira também matando a saudade, relembrando os colegas com quem a gente contracenou, aquela cena que você não lembrava que existia, então, me deixo surpreender pela possibilidade de rever esses trabalhos”, explica.
Nesta época tão conturbada, Dira abriu espaço para se experimentar e estreou como diretora do filme Pasárgada, no qual também realizou a produção e atuou como atriz no papel de uma bióloga. “Pasárgada foi um fruto da pandemia e de um desejo também de realizar um projeto ao lado do meu marido, Pablo Baião (diretor de fotografia), e de criar, que eu estava com muita saudade de exercitar a criação. E surgiu naturalmente. Acho que Pasárgada foi uma maneira que eu tive de exercitar os meus conhecimentos à frente e atrás das câmeras. O filme fala sobre o desejo de conquistar o lugar ideal ou o estado de espírito ideal como um lugar utópico onde você é feliz”, diz sobre a produção, que, no momento, está em processo inicial de montagem. “Espero que esteja pronto daqui um ano mais ou menos e aí vamos pensar nessa outra etapa que é o lançamento”, conta.
Se tudo correr como previsto, no segundo semestre desse ano, ela vai começar a gravar o remake da novela Pantanal, exibida em 1990, na extinta TV Manchete. A atriz vai dar vida a Filó, interpretada por Jussara Freire na versão original. “Estou muito empolgada com esse projeto, onde a gente vai poder reviver aquele bioma deslumbrante e contribuir muito para sua reconstrução e sua preservação. Sem dúvida nenhuma vai ajudar imensamente para que a gente valorize o Pantanal e as suas particularidades e também entender como é sobreviver nessa região”, pondera.
Em um país que valoriza muito a juventude, Dira Paes, que completa 52 anos em 30 de junho, vem remando contra a maré, no sentido de que, além de sua atuação como atriz, recebe muitos elogios também por sua forma física. O segredo? “Eu tento manter um equilíbrio comigo mesma. A minha busca é pelo bem estar e quando a gente está de bem com a vida, a gente tem um sorriso bonito, um olhar bonito e é nisso que eu tento me basear. Essa é a minha referência de beleza independente da idade da pessoa que está sorrindo ou me olhando”, explica ela, que finaliza dando sua visão sobre o que se fala muito a respeito da falta de papéis mais interessantes para os artistas maduros. “Sem dúvida nenhuma, a questão do etarismo está sendo amplamente discutida. É uma fatia da sociedade significativa que consome cultura e eu acho que devemos incentivar esse setor com ótimos papéis como podem ser representados”, aponta.
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