Diogo Vilela volta ao teatro e sobre ausência das novelas pós 2011 diz: “Nunca tive um convite de nenhum autor”


O ator volta ao teatro em um clássico de Dias Gomes (1922-1999), o “O Pagador de Promessas”. Diogo já havia trabalhado na versão para TV de “O Pagador de Promessas”. Desde 2011 fora das novelas, Diogo afirma não mais haver sido convidado a fazê-la, especialmente depois de “Aquele Beijo” (2011). Também relata que tanto o “TV Pirata” como o teatro Besteirol dos anos 1980 são retratos de uma época em que pouca coisa seria aprovada hoje: “Nada do humor da época da “TV Pirata”, exceto alguns quadros, servem para hoje. A única coisa que fica de exemplo é a capacidade de rir de si mesmo, coisa inaceitável no mundo de hoje, onde o ego comanda tudo”

*por Vítor Antunes

Não é possível falar de teatro, de humor e, especialmente, de artistas sem citar Diogo Vilela. O ator está no elenco de “O Pagador de Promessas“, peça escrita no início dos anos 1960, transformada em filme anos depois, pelo qual ganhou a Palma de Ouro – único filme brasileiro a recebê-lo até hoje. A certeza de ambos talentos se encontra agora. A incontestável peça de Dias Gomes (1922-1999) encontra o, também incontestável Diogo Vilela. Teria “Pagador“, envelhecido, 60 e tantos anos após escrita? Para Diogo, não. “Talvez por conta de a história tratar de temas muito atuais, embora a peça tenha sido escrita em 1960 e encenada em 1962. A intolerância religiosa, o julgamento social, o descaso, a falta de que alguém ouça um homem que está sendo mal compreendido”, frisa.

Há de se lastimar que Diogo esteja há anos fora das novelas. Sua última foi “Aquele Beijo“, escrita por Miguel Falabella, isso depois de ele fazer, por anos, o dentista Arnaldo de “Toma Lá Dá Cá“. Diogo esteve em quase todas as novelas de Falabella, três das quatro que ele escreveu, “Salsa e Merengue“, “A Lua Me Disse“, “Aquele Beijo“. Antes de Miguel, ele esteve em muitas novelas de Sílvio de Abreu. E de 2011 para cá, em nenhuma outra. Para o ator, isso se deve exclusivamente à falta de convites: “Sempre fiz teatro e televisão juntos. Isso limitou minhas investidas em novelas, ao mesmo tempo, em que NUNCA tive um convite de nenhum autor de TV”, frisa

Diogo esteve em todos os momentos simbólicos da década de 1980. Tanto no teatro Besteirol como na TV Pirata, anárquico programa de humor da Globo onde tudo absolutamente tudo – virava piada. À ótica de Diogo

Nada do humor da época da “TV Pirata”, exceto alguns quadros, servem para hoje. A única coisa que fica de exemplo é a capacidade de rir de si mesmo, coisa inaceitável no mundo de hoje, onde o ego comanda tudo – Diogo Vilela

Ainda assim, pondera o ator, que hoje não há bocca chiusa sobre nenhum assunto. Hoje “existe muito mais empenho no que o mundo não mais aceita”, ou seja, há uma maior crítica, um maior debate sobre as questões sociais. “Tudo que debatemos hoje, serve para que preconceitos sejam derrubados. Acho o debate é importantíssimo”, analisa.

O Pagador de Promessas. Diogo Vilela e Patrícia Pinho compõem o elenco da montagem (Foto: Divulgação)

REENCONTROS 

Aos 14 anos não se é ator. Se é uma criança insuportável“. A frase de Miguel Falabella é costumeiramente repetida por ele, de forma bem humorada, ao referir-se a Diogo, que estreou na televisão em 1969, na novela “A Ponte dos Suspiros“, de… Dias Gomes! Na época, ainda sob forte censura, Dias não assinou o próprio nome na autoria da trama, mas usando o pseudônimo de Stella Caldeiron. A novela conseguiu algum sucesso durante a sua exibição, porém hoje é tida como perdida. Não há quase nada sobre ela nos registros da Globo senão fotografias.

A Ponte dos Suspiros. Estreia de Diogo Vilela, no centro da foto, nas novelas. (Foto: Arquivo/Globo)

Em 1988, estreou a versão para a TV de “O Pagador de Promessas“. O roteiro foi escrito pelo próprio autor e contou com Diogo no elenco. Ainda naquele ano estreou o “TV Pirata“. Miguel Falabella o roteirizava tal como Vicente Pereira e Mauro Rasi, ícones do Besteirol e do qual Vilela fez inúmeras peças nos anos 1980. A atual versão de “Pagador” é dirigida por Marcus Alvisi que também o dirigiu no passado. A vida do ator, uma ciranda de nostalgia e vanguarda, passa de novo por esses lugares.

Quando perguntado sobre o humor cáustico do Besteirol, Diogo diz que ele tem lá seu espaço no tempo:

Retrato de uma época, mas que formou o questionamento crítico da minha geração. Hoje tudo mudou no mundo todo, porém, as pessoas que viveram em sua época são sobreviventes de onde se cabia a autocrítica! – Diogo Vilela

Há 41 anos, Diogo estreou “Cloud Nine/Numa Nice“. Destruída por Wilson Cunha numa crítica em Manchete, a peça teve apenas uma ressalva: o próprio ator. “Diogo Vilela numa inteligente composição”. Esta foi a primeira menção de Diogo no extinto semanário da Bloch. Aliás, há de se destacar que por mais que seus contemporâneos dessem sempre muitas entrevistas àquela revista, Diogo deu uma, apenas. Em 1999, quando a revista estava em vias de acabar, e optou por repercutir o sucesso de Uálber, seu personagem em “Suave Veneno“, uma das poucas coisas que deram certo naquela trama. Na entrevista, Diogo já pedia que os brasileiros tivessem uma maior participação na política: “Temos que pegar nossas armas ideológicas e reivindicar mesmo!”

Numa fala que dialoga muito com o Besteirol, Diogo disse à Manchete, que “somos um país de médiuns”. A todo tempo em sua vida, Diogo parecerá estar, entre “um caco recém-orvalhado” – como diria Vicente Pereira – a potência da cruz de Iansã/Santa Bárbara. Essa jornada de um poema é a jornada de um ator. E isso basta.

“Aquele Beijo” foi a última novela de Diogo Vilela na Globo (Foto: Divulgação/Globo)