*Com Bell Magalhães
Morando há 10 anos na Inglaterra, onde conquistou seu espaço nas artes cinematográficas – ele atuou em Game of Thrones -, depois de lavar muito prato e trabalhar como pedreiro, o ator Diogo Sales voltou ao Brasil para viver o personagem Kaires, na última fase da novela ‘Gênesis’, da Record, intitulada ‘José do Egito’. Nela, o artista interpretará um pobre camponês que tem uma vida dura e solitária. O convite foi feito a Diogo pela direção de elenco da emissora durante uma visita que fez à família no final do ano passado, que teve que ser estendida devido às barreiras sanitárias da Inglaterra. Para ele, o convite foi uma oportunidade bem-vinda: “A minha intenção era ficar no Brasil só durante as festas de fim de ano, mas as fronteiras internacionais fecharam para quem estava aqui no Brasil”. Antes de vir ao Brasil, Diogo esteve na linha de frente do combate ao coronavírus, colaborando como voluntário até na faxina, no hospital King’s College Hospital, em Londres.
A trama, contudo, ainda não tem data para começar a ser produzida devido ao avanço da do coronavírus. O ator conta que vive um clima de incertezas, mas torce para o melhor. “Estamos fazendo a preparação, prova de figurino e caracterização, mas, por conta da pandemia, tudo está um pouco atrasado. Às vezes, bate ansiedade pela falta de informação somada às expectativas de um novo projeto, aquele ‘frio na barriga’. Como ator, estou acostumado com incertezas, porque nunca sabemos quando vai ser o próximo trabalho, então é algo que consigo controlar”.
Sobre a ansiedade, Diogo fala sobre ter se tornado adepto do mindfulness, uma espécie de meditação que tem como foco se concentrar no momento presente, mantendo uma constante consciência sobre que está acontecendo no ‘agora’, e diz que pretende levar a prática adiante: “Sempre fui um cara do esporte, mas algo que tem me feito bem ultimamente e me entreguei foi a meditação. Trabalha a paciência e resistência, que são ótimas para colocar em prática no meu dia a dia. Ainda estou me adaptando, mas quero levar esse hábito para frente e criar uma rotina”, afirma, no que acrescenta: “A meditação nos faz desligar um pouco do mundo e nos conectar com nós mesmos e com o outro. Com as facilidades do mundo moderno, com as inteligências artificiais, smartphones, esquecemos do contato com o próximo. Acredito que é uma mudança que foi boa em certos aspectos, mas perdemos muito no processo”, conta.
Foi durante esse processo, somado à experiência do isolamento social, que Diogo começou a pensar mais em si mesmo e no que e em quem gostaria de manter na própria vida. “Acho que, com o isolamento, começamos a pensar sobre nós mesmos e o que é valoroso para a gente. Ficamos nesse estágio de mudança que nos forçou a olhar para aspectos que não estávamos dando atenção. As pessoas que estão ao meu redor, a minha base, me influenciam muito. Me rodeio de pessoas que são fiéis aos próprios propósitos, que buscam boas ações e isso me faz querer conquistar a melhor versão de mim mesmo”.
A procura por si mesmo e pela própria identidade é algo que o ator nutre desde a infância, e conta que nunca se sentiu parte de nenhuma realidade que viveu à época. “Fui criado entre a Zona Sul e em uma comunidade da Tijuca, na casa da minha avó, então sempre me senti não pertencente a nenhum dos outros lugares. Sofri até bullying por isso, de não parecer com os meus colegas brancos da Zona Sul e não me sentir plenamente confortável enquanto estava na minha avó por não compartilhar da mesma vivência da maioria”. A falta de pertencimento foi um fato decisivo para sair do país em busca de oportunidades. Participando da ONG Nós do Morro desde 2003, três anos após sua entrada foi para Londres com o grupo de teatro e os integrantes foram convidados pela Royal Shakespeare Company para a integrar o ‘Complete Works Shakespeare Festival’, no The Courtyard Theatre, em Stratford. “Nunca me senti 100% aceito aqui no meu país, não só por essa carga da infância, mas na minha vida profissional também. Na minha primeira vez na Inglaterra, senti uma receptividade muito grande, mesmo que à época eu não falasse inglês perfeitamente. Sobre o meu trabalho, só me senti verdadeiramente valorizado quando ganhei o mundo. Depois que tive a aceitação na Europa é que a indústria brasileira começou a olhar para mim”.
Na Europa, encenou “Os Dois Cavalheiros de Verona”, de Shakespeare, no Barbican Centre e no The Complete Works Royal Shakespeare Company Festival , festival realizado pela Royal Shakespeare Company, e foi protagonista nos espetáculos “Amazônia” no Teatro Young Vic e na adaptação de “O Beijo no Asfalto” em inglês pela companhia StoneCrabs, no New Diorama Theatre, em Londres. O trabalho mais conhecido para os brasileiros, contudo, foi durante a sexta temporada da série Game of Thrones, onde interpretava um soldado dothraki. Para Diogo, o fato de não ter tido o seu trabalho reconhecido da mesma forma em seu país natal é de extrema tristeza e analisa como a indústria percebe os próprios profissionais: “É uma pena. Gostaria de representar o Brasil em outros países, pois temos uma cultura muito rica e com muitos talentos, mas ao invés de potencializarmos o que temos de bom, tentamos seguir padrões dos produtos internacionais, com uma realidade que não é nossa, ao invés de valorizar o que é nacional. Ainda somos vítimas da ideia de acreditar que o que vem ‘de fora’ é melhor do que o que está aqui. Nos esforçamos para não mostrar qual é a realidade do nosso próprio país, algo que é um resquício do colonialismo. Um artista negro ou indígena ainda não têm tantos papéis de protagonismo como artistas brancos, por exemplo”, analisa.
No ano passado, o ator trabalhou no King’s College Hospital, também em Londres, na linha de frente do combate ao coronavírus, colaborando como voluntário no setor de limpeza do hospital onde recebeu ajuda de custo. Diogo diz que esses trabalhos foram e continuam sendo grande parte da renda que consegue para se manter no país: “Quando estou na Inglaterra, não trabalho só como ator, mas vou para diversas áreas para poder sobreviver e pagar as minhas contas. Não tenho vergonha de dizer que já fui pedreiro, faxineiro, lavei louça e outras coisas do tipo”. Para ele, as experiências que teve foram um aprendizado. “Consegui me conectar com pessoas de classes e com visões de mundo diferentes. Me identifico muito com quem trabalha e está na luta para ganhar o pão de cada dia porque venho de uma família humilde. A minha mãe, por exemplo, trabalhou a vida inteira e já está aposentada, mas foi só agora, com mais idade, que ela teve tempo e oportunidade de fazer uma faculdade e pós-graduação. Tenho uma família de lutadores. Luto muito para conseguir meus objetivos e sempre almejei coisas grandes, como trabalhar internacionalmente, e acho que é uma qualidade que passou para mim também”.
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