* Por Carlos Lima Costa
Um dos destaques da novela Além da Ilusão, Arlete Salles, interpreta Santa, viúva que se envolve com homens mais novos, nos anos de 1940, quando a cobrança sobre as mulheres eram fortes, e elas eram “mal vistas” e perdiam a possibilidade de fazer um bom casamento caso perdessem a virgindade antes do casório, como aconteceu com a protagonista da história, Dorinha (Larissa Manoela). Por coincidência, Arlete viveu sua tenra idade na mesma década em que se passa a trama, sendo educada com os preceitos machistas. Batalhadora, foi uma mulher à frente do seu tempo: conquistou uma belo lugar no Olimpo das artes e lembra que casou grávida, namorou homens mais jovens e mais velhos também. “Agora, meus filhos podem ficar tranquilos, não terão mais esses sustos, pendurei as chuteiras (risos)”, diz ela que, está sempre a mil com convites de trabalho: sobe ao palco em setembro e, depois, engata outra peça no teatro.
“Foi algo natural, tinha os meus sonhos que considerava serem melhores do que aqueles que as pessoas ditavam pra mim. Eu nunca escutei, fazia o que tinha vontade, mesmo que escondida, que precisasse fugir, inventar uma história. Tinha 16 para 17 anos e era impulsiva. Quebrava a cara, às vezes, mas estava na busca do que eu queria ser, que ainda era algo meio nebuloso. Mas seguia em frente, como se uma força sobrenatural me empurrasse na direção desse meu ofício. Meu comportamento e umas decisões na vida, me colocavam à frente sim. Existia toda uma moral, realmente mais severa e hipócrita. Eu não segui muito, porque já casei grávida, mas aí já é outra história”, enfatiza ela, que planeja estrear, em setembro, com o espetáculo Ninguém Dirá Que é Tarde Demais, em São Paulo. Na peça, escrita por seu neto, Pedro Medina, e encenada, no Rio, em outubro do ano passado, ela atua com o primogênito, Alexandre Barbalho.
Ao traçar um paralelo, Arlete sabe que nos dias atuais a mulher tem mais espaço na sociedade. “Tivemos grandes conquistas, saímos desse lugarzinho religioso, onde tudo era pecado, Deus castiga, embora, paralelo a isso, o feminicídio, a violência contra a mulher seja maior. Parece que cresce na medida em que se desenvolvem outras áreas da vida da mulher”, lamenta.
Quando surgiu na trama das 18h, dona Santa namorava Enrico (Marcos Veras), homem muito mais jovem. Ela o chamava de “mamãozinho” e ele a tratava como “manga rosa”. Semelhante à personagem, Arlete também se relacionou com homens mais novos e sentiu o preconceito. “Isso existe até hoje. O caso dela com Enrico foi um péssimo exemplo, porque ele só queria se aproveitar, tirar vantagem por ela ser uma mulher rica. Eu me relacionei com pessoas mais novas, da minha idade, um pouquinho mais velhas, bem mais velhos. Me casei duas vezes – o ator Lúcio Mauro (1927-2019) e o maestro Ivan Paulo (1937-2018) -, mas o que eu chamo de meu grande amor tinha exatamente a minha idade. E tive pequenos casos com pessoas mais jovens. Mas se você está namorando um homem mais jovem, mesmo que não exponha para mídia, em casa a opressão é grande, a censura, a crítica, o desgosto. Isso eu já vivi”, revela.
Não é porque em um sábado à noite o telefone não toca me chamando para uma festa ou para um encontro que eu fico a pessoa mais triste do mundo – Arlete Salles
Mas tudo isso faz parte do passado, conforme ela relata. “Agora, meus filhos podem ficar tranquilos, não terão mais esses sustos, pendurei as chuteiras. Gosto muito de ficar em casa no clima daquela música (Paciência) do Lenine que diz ‘o corpo pede um pouco mais de calma’. Amor não tem idade, mas não tenho mais a inquietação romântica. Não é porque em um sábado à noite o telefone não toca me chamando para uma festa ou para um encontro que eu fico a pessoa mais triste do mundo. Imagina! Eu invento histórias para ficar em casa”, pontua.
Isso também se refere à questão profissional. “O trabalho diante do público ou das câmeras me dá muito prazer ainda. Mas as coisas inerentes da espera, ir lá, gravar durante horas, isso já me cansa um pouco. Gosto muito de ficar realmente na minha casa, um espaço gostoso, onde leio livros, assisto seriados e é muito gostoso”, frisa.
Arlete finalizou recentemente suas gravações, em Além da Ilusão. “Me despedi com a sensação de missão cumprida. Fiz novos amigos. Isso sempre acontece. Reencontrei colegas. O saldo positivo é sempre maior do que o negativo. E foi uma história gostosa, não teve grandes mergulhos no profundo nem nas dores. De modo geral, o meu núcleo era responsável pela leveza do espetáculo e da vida em torno das histórias dramáticas. Sempre fico nesses núcleos e não me queixo. Tenho grande alegria interna de ser reconhecida como uma comediante.”
Não tenho dificuldade com o drama, mas me identifico com a comédia. Já temos tantos motivos para chorar, que, ao fazer as pessoas rirem, estamos prestando um serviço social importante” – Arlete Salles
ARTISTAS JOVENS SE ESPELHAM NOS VETERANOS
E prossegue enaltecendo os encontros que teve na novela escrita por Alessandra Poggi. “Eu reencontrei com Paulo Betti, um colega querido. Pela primeira vez, trabalhei com a Alexandra Richter. Que pessoa adorável. Ela fica nas minhas boas lembranças desse trabalho. E a menina que faz a minha neta, Caroline Dallarosa, uma pessoa bonitinha demais. Fui muito feliz nesse núcleo, bem recebida, bem tratada pelo elenco todo, foram bons momentos de convívio, de ter alegria de chegar no trabalho para encontrá-los. Foi um percurso bacana, gostei muito desse projeto e do personagem”, ressalta.
Os mais jovens como Caroline costumam se espelhar nos artistas veteranos. Arlete, explica, como foi essa troca entre as gerações. “Eu não aconselho ninguém, ao menos que me peçam uma opinião ou se eu perceber uma jovem fazendo uma leitura muito errada da personagem. Aí posso até chegar e falar que se fosse por tal caminho talvez facilitasse, mas para isso tem os diretores e, em geral, os jovens ficam atentos a como estamos atuando e fazem suas escolhas. Mas, como falei, o convívio foi muito bom e sobre admiração, ela falou inúmeras vezes. Ela é uma pessoa muito querida, doce, uma menina com muito valor, que tem a possibilidade de fazer uma bela carreira de atriz”, enaltece.
Arlete, então, relembra suas referências no início da carreira. “Comecei no Recife e minha formação profissional é nordestina. Eu admirava as atrizes que iam para lá, ficava encantada com aquele glamour, as roupas. Achava sempre que elas estavam muito acima da profissão, à vontade, com total domínio, admirava todas que chegavam, ficava num contentamento e trabalhando ali fazendo teatro, televisão junto com o Lúcio”, ressalta Arlete, que iniciou carreira no Rádio, fazendo locução, radioteatro.
Na novela das 18 horas, Santa é dona de uma emissora de Rádio, onde recentemente, na trama, aconteceu concurso para escolher a melhor cantora. “O que me ajudou a fazer aquela apresentação foi minha experiência como locutora, como apresentadora no Festival da Canção, mas tudo isso vem naturalmente, de forma inconsciente, sem retorno ao passado”, frisa Arlete, que, por enquanto ainda não está escalada para nenhuma outra produção na emissora. “Ainda sou contratada, sabe Deus até quando, a política atual é não manter atores sob contratos longos”, diz.
Na Globo, onde estreou em Sangue e Areia, de 1967, escrita por Jante Clair (1925-1983), Arlete interpretou memoráveis personagens, como a Rainha Impéria, de A Ponte dos Suspiros (1969), Laura Vilhena, em Selva de Pedra (1972), Germana Steen, de A Sucessora (1978), Carmosina, de Tieta (1989), Kika Jordão, em Lua Cheia de Amor (1990), Francisquinha, em Pedra Sobre Pedra (1992), a vilã Augusta Eugênia, de Porto dos Milagres (2001), Vilma, de Fina Estampa (2011), e Nazira, de Segundo Sol.
Agora, com o término de Além da Ilusão, Arlete pretendia descansar mais tempo, mas vai retomar o espetáculo Ninguém Dirá Que é Tarde Demais. “Nunca imaginei ir para o palco interpretar um texto escrito pelo meu neto, com direção do Amir Haddad. Foi uma experiência muito bonita. Ensaiamos dois meses, um trabalho difícil, mas ficamos somente um mês em cartaz. Estou com grandes esperanças que essa peça faça uma bela carreira por lá. Então, não posso abandonar um texto do meu neto, que ainda nem foi apresentado direito. Nem mesmo no Rio de Janeiro, porque foi em uma época adversa, na pandemia, tendo as pessoas ainda com muito medo de sair de casa, de se deslocar, então, tínhamos sempre plateias pequenas. Não podia vender a lotação toda, tinha que separar cadeiras, enfim, me lembro de (William) Shakespeare (1564-1616). Ele dizia que tragédia não é no palco. Tragédia é poltrona vazia e a gente trabalhava para cadeira vazia, por questões de saúde e protocolo”, observa.
E relembra como foi a criação de seus filhos, Alexandre e Gilberto Salles, do casamento com o humorista Lúcio Mauro. “Naquela época, eu não tinha ainda a consciência de que o machismo começa na família, na educação. Então, não trabalhei muito esse lado, embora o Alexandre, o mais velho, não tenha nenhum traço de machismo. O Gilberto já tem um pouco mais, tem que lutar contra isso. Acho que tive todas as dificuldades de uma mãe muito jovem, principalmente o Alexandre sentiu isso. É muito ruim tanto para mãe quanto para criança, a sorte é que os dois têm uma boa índole, porque eu era muito permissiva, não sabia reprimir, colocar medidas. Se chorassem e falassem ‘deixa, mamãe’, eu acabava deixando, mas são boas pessoas, tudo acabou dando certo, graças a Deus”, pondera.
É importante estar sempre em dia com seus exames, se interessar pela sua saúde e caso tenha diagnóstico de câncer, ter coragem e fé, seguir direitinho o tratamento – Arlete Salles
A atriz que tanto fez o público rir e se emocionar ao longo de sua trajetória artística, passou por momento difícil, em 2013, quando descobriu um câncer, doença que superou no ano seguinte. Atualmente, em seu Instagram, volta e meia surge uma postagem visitando o INCA – Instituto Nacional do Câncer, fazendo ressalvas importantes para os que enfrentam a doença. “Há tanta coisa pra dizer. É um mal tão grande, mas é curável. A sorte é ter o diagnóstico precoce. É importante estar sempre em dia com os seus exames, procurar sempre se interessar pela sua saúde. E caso tenha esse diagnóstico, ter coragem e fé, seguir direitinho os protocolos, o tratamento, que não é fácil, ainda é rigoroso. A quimioterapia é invasiva, mas dá para suportar, tem data para acabar e aí você se recupera, se levanta e vai em frente tocar a vida”, ressalta ela, que está com muita saudade de viajar, de ir a Nova York, por exemplo.
TRABALHO FULL TIME NA PANDEMIA
“Na pandemia, deixei de fazer tudo como todo mundo. Fiquei extremamente cuidadosa, segui todos os protocolos, tomei todas as vacinas, a minha casa é agradável, então, fiquei aqui com meus cachorros, com a minha vida e fui tocando. Essa clausura me deixou o hábito de gostar de ficar em casa. Isso aqui é o resultado não só da idade, mas uma sequela da pandemia. E não fiquei desesperada, não me deprimi, não fiquei ansiosa. Foi uma fase que eu também trabalhei”, lembra ela, que participou de Amor e Sorte, com Fernanda Montenegro e Fernanda Torres, além de Diário de Um Confinado, Sob Pressão e de variados programas de entrevistas. “Quase não parei. Foram muitos trabalhos virtuais. A Globo não podia enviar técnicos para ajudar, gravei com ajuda do meu filho. Eu não sei nada de tecnologia, é uma preguiça horrorosa”, diverte-se.
Na verdade, precisou se adaptar um pouco à tecnologia. “Agora, fui obrigada a aprender a lidar com o tablet, porque lá na Globo você não vê mais ninguém com os papéis na mão. Era só eu e Marisa Orth com os papeluchos nas mãos, com os capítulos. Todo mundo de tablet. Um dia, fui pedir um capítulo, me falaram que eles nem têm mais impressora. Foi bom, valeu a pena, comprei o tablet, aprendi a lidar. Sei usar também algumas coisas no meu celular. O computador (risos) eu nem olho na direção. E nas redes sociais, a minha nora, Bel, mulher do Alexandre, é que coloca umas coisinhas pra mim no Instagram. Ela me pergunta o que eu quero que ela escreva. Vou resolvendo assim, mas eu sei que estou fora do tempo”, reconhece ela, que já testou positivo para a Covid.
“Eu passei por todas as situações de risco, tive que me hospitalizar durante a pandemia para uma pequena cirurgia. Meu filho do meu lado me acompanhando e contaminado sem a gente saber, e eu não peguei, fui passando batida pelo coronavírus. Quando chegou agora na Ômicron, na novela, eu não escapei. Meu médico já ia mandar os meus dados para os Estados Unidos, onde estão recolhendo dados de pessoas que enfrentaram a pandemia sem se contaminar para tentar entender o que essas pessoas têm de mais ou de menos que as impede de pegar essa miséria. Mas aí peguei, tudo bem, foi de forma mais leve, estava com muitas vacinas”, relata.
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