Dênis Derkian: endividado após doença, galã dos anos 80 sonha com volta aos sets. ‘Se me convidarem, eu caio dentro’


Presente em momentos importantes da televisão, Dênis Derkian não faz novelas desde 2011. Protagonista do recém-lançado filme “O Braço Direito”, – disponível nas plataformas digitais – e com uma participação na série “El Presidente”, no Uruguai, ele enfrentou uma batalha pela vida no início da pandemia: descobriu um câncer e uma bactéria no pulmão que fizeram-no internar num hospital particular. Junto à cura, uma dívida que ultrapassa os R$ 100.000,00, que ainda não foram pagos e uma depressão. Aos 65 anos, o ator sobrevive às custas de um pequeno restaurante que abriu na cidade onde mora, Mairiporã, região metropolitana da capital paulista. “Somos seres humanos ficamos sempre com a esperança de que as coisas tomem um rumo planejado, mas a gente é surpreendido. O meu caminhar agora se direciona ao cinema. Televisão também, embora não crie muita expectativa”, pontua

*Por Vítor Antunes

Um ano de contínuos recomeços. Dênis Derkian, 65 anos, com uma longa trajetória no cinema e TV – na Globo, por exemplo, atuou em Duas Caras, Insensato Coração e Malhação –, ainda tenta recuperar-se de um 2020 traumático e que o abateu profundamente por questões de saúde e financeiras. “O meu caminhar agora se direciona ao cinema. Se me convidarem, eu caio dentro. Televisão também, embora não crie muita expectativa”, diz. Embora tenha integrado o elenco do recém-lançado filme “O Braço Direito“, – disponível nas plataformas digitais -, após haver estado três anos longe das telas, e gravado uma participação na série “El Presidente“, no Uruguai, o ator viveu um ano de batalhas e aprendizados. Tudo começou quando descobriu que uma pinta de nascença era, na verdade, um melanoma, e precisou passar por uma cirurgia, em maio de 2020, para retirada não apenas dele, mas de linfonodos na virilha.

No pós-cirúrgico, o ator sentiu-se mal e descobriu uma infecção pulmonar provocada por uma bactéria. Embora tenha sido levado para uma Unidade de Pronto Socorro, acabou por ser transferido para um hospital particular. O problema agravou-se e ele precisou ficar nove dias na UTI e mais seis internado. Ao fim, além da cura, descobriu uma dívida astronômica: R$ 100.000,00. Sem estar trabalhando efetivamente como ator, senão por trabalhos pontuais, e com o restaurante na cidade de Mairiporã, onde mora, do qual tirava seus proventos fechado devido à pandemia, tudo tornou-se muito difícil: “Eu batalhei para abrir o restaurante. Quando abri, veio a pandemia e eu tive de fechar. Aí ferrou tudo, já que todo o dinheiro que eu tinha – e que era de mesmo valor da dívida – foi aplicado no empreendimento. A conta que foi contraída com o hospital, ela continua. Ela não foi paga. Estamos tentando fazer um acerto, que de alguma forma ainda não nos é favorável, porque é preciso ter uma movimentação financeira muito grande para dar conta (desse acordo), e nós não temos só esta conta a pagar, são várias outras. É complicado. A gente tem a esperança de que as coisas melhorem”, desabafa.

Vendo a difícil situação em que Derkian se encontrava, um amigo se dispôs a fazer uma vaquinha para ajudar a pagar os custos da internação. Embora de grande valia, a ajuda foi insuficiente para cobrir os gastos. O restaurante ainda permanecia fechado e a renda familiar era restrita àquela conseguida pela esposa do ator, que é enfermeira. As dificuldades tamanhas acabaram por resultar numa depressão: “Somos seres humanos ficamos sempre com a esperança de que as coisas tomem um rumo planejado, mas a gente é surpreendido”. Segundo ele, a depressão é algo superado. Diz não sentir-se mais depressivo. “O negócio é se agigantar e seguir, ir pra cima. Momentos depressivos todos temos”, contemporiza.

Campanha de colaboração com os custos médicos de Dênis Derkian. Dívida de R$100.000,00 (Foto: Reprodução/Instagram)

O restaurante e os trabalhos artísticos

O investimento na culinária se deu, naturalmente. Ele nos conta que gosta de inovar e sugere aos amigos pratos que são realizados pela sua esposa que, segundo ele, têm “mãos de fada e aprimora o que eu tento fazer”. O restaurante chama “Matin”, redução da palavra “matinho”, pois que um ex-funcionário do ator, ao reencontrá-lo, perguntou se ele ainda morava naquele “matinho”. A casa, então, tem esse nome em homenagem a ele, que chamava-se João. Dênis conta-nos que  o restaurante tem um perfil mais “intimista que comercial”. E espera que com o crescimento da cidade de Atibaia, em São Paulo, bem como o da própria Mairiporã, possam ajudar a deslanchar o empreendimento, famoso pelas feijoadas aos fins de semana.

Mesmo com o “Matin” caminhando, Derkian não tira os olhos da sua profissão de origem: “O meu caminhar agora se direciona ao cinema. Se me convidarem, eu caio dentro. Televisão também, embora não crie muita expectativa”, diz, enquanto aguarda o lançamento de um projeto de tele-evangelização que será exibido pela Rede Século 21, uma TV regional que atende majoritariamente o interior de São Paulo. O último filme que gravara, ainda em 2020, foi “O Braço Direito”, no qual Derkian vive o protagonista que, coincidentemente, era portador de câncer. O filme, dirigido por Rodrigo Reinhardt, entrou no circuito independente e não lançou mão de verbas públicas, segundo os produtores.

Genésio de Barros e Dênis Derkian em cena, no filme “O Braço Direito” (Foto: Divulgação/O2 Play)

Dênis tem uma sólida carreira construída no cinema, especialmente entre os anos 1970 e 1980. Ele foi um dos galãs mais cobiçados na época das comédias eróticas, também chamadas de pornochanchadas. Uma delas foi “Erótica, a Fêmea Sensual”, onde fazia par com Matilde Mastrangi. As pornochanchadas não eram bem vistas pelos intelectuais da época, e alguns atores inclusive tentam apagar esses trabalhos de sua cinematografia. Dênis contemporiza: “Era algo do momento. A gente era muito jovem, queríamos fazer carreira… Nunca vi um problema nisso. Muita gente famosa na época também compôs o elenco destes filmes, como o Antônio Fagundes e o Nuno Leal Maia”. Ainda sobre as pornochanchadas, o ator alega não haver sofrido sanções ou censuras pela ditadura militar por trabalhar nos ousados filmes do período: “Nada que tenha sido aviltante ou agressivo”, alega.

Dênis esteve no elenco de um dos primeiros filmes com temática lésbica a ser exibido, tendo duas mulheres como protagonistas. “Ariella“, de 1980, foi protagonizado por Christiane Torloni e Nicolle Puzzi, e consta de um pioneirismo por trazer cenas de beijo e sexo entre duas mulheres, o que causou polêmica na época: “O filme era mais avançado do que o praticado na época, pois ele evidenciava uma demonstração maior da sexualidade feminina. Isso gerou críticas. Na première, uma das atrizes, inclusive, achou ruim por haverem inserido uma cena que ela não fizera e sugeria haver carícias mais íntimas entre sua personagem e outra. Mas “Ariella” mostrou um avanço nesse sentido. Foi bom fazer”.

Elenco de “Ariella”, polêmico filme dirigido por John Herbert (1929-2011) e um dos primeiros a abordar a questão do lesbianismo em plena ditadura (Foto: Reprodução/Twitter)

Pioneiro na teledramaturgia no SBT e processo contra emissoras

Quando Dênis Derkian chegou à televisão, veio através da TV Tupi. Geraldo Vietri (1927-1996) o convidara após vê-lo na peça “Lição de Anatomia”, clássico argentino de Carlos Mathus (1939-2017). Vietri era o autor de “João Brasileiro, o Bom Baiano”, novela que estrearia na casa em 1978. Ainda na TV Pioneira, o ator faria “Aritana” e “Dinheiro Vivo”. Após a falência da Tupi, fez “As Três Marias”, na Globo. Segundo ele, esta época foi a mais vitoriosa em sua carreira na televisão. Diz ter feito “bailes de debutante até mesmo às segundas-feiras”. Eram vários por semana.

Depois desta novela, trabalhara em “Ciranda de Pedra”, de Teixeira Filho (1922-1984), também na Globo. Ao fim desta última, que fora protagonizada por Lucélia Santos, Derkian foi convidado a inaugurar o setor de teledramaturgia do SBT – então TVS – com a novela “Destino”. Uma adaptação do texto mexicano de Marissa Garrido (1926-2021), escrita por Crayton Sarzy (1949-2014) e Raimundo Lopes (1913-1999). Dênis relata que o salário era o triplo do que ganhava na Globo, e gravar no SBT traria a ele a comodidade de trabalhar na cidade onde morava, São Paulo. Mas, em suas palavras, o amadorismo do SBT era gritante: “Em ‘Destino’ tudo era muito precário. A impressão que nos dava era de que as pessoas envolvidas no processo (de realização da novela) não eram muito a fim de fazer. A casa não tinha muita expectativa, não investia muito na ideia. A gente levava roupa de casa”, relata. Embora “Destino” tenha feito relativo sucesso, os bailes de debutante se escassearam.

Dênis Derkian sobre “Destino”, primeiro investimento do SBT em teledramaturgia: “Tudo era muito precário. (…) Era tudo muito ruim. O figurino era ruim. A gente levava roupa de casa” (Foto: Reprodução/SBT)

Depois deste trabalho, o primeiro sucesso no canal de Sílvio Santos: Uma novela supostamente inédita, igualmente escrita por Crayton Sarzy, porém com a coautoria de Henrique Lobo e de Ismael Fernandes (1945-1997). “Meus Filhos Minha Vida” foi o primeiro papel protagonista de Dênis Derkian. Neste folhetim, ele, Carlo Briani, Raymundo de Souza e Miriam Pires (1927-2004) tinham importância fundamental na narrativa. Tanto que foram os únicos a permanecerem nas três fases às quais se propôs a trama. Desde sua primeira exibição, em 1984, de acordo com Dênis, a novela é reapresentada em diversos veículos. Ele conta que buscou na Justiça os direitos conexos relativos à sua participação na novela, mas, no entanto, não logrou sucesso. À Justiça, a TV alegou, segundo Dênis nos relata, de que também fora vítima de pirataria. Depois de “Meus Filhos Minha Vida”, Denis ainda atuou no SBT nas obras “Amor e Ódio”, “O Direito de Nascer” e “Pequena Travessa”.

Em 2014, o ator, segundo relata que faria parte do elenco de “O Caçador”, da Globo. Minissérie na qual Cauã Reymond foi o protagonista. Derkian detalha a situação: “Uma produtora me ligou e me falou da tal série, dizendo que havia um papel de antagonista, um vilão ligado à máfia da Bósnia. Me mandaram o texto, pediram que eu me preparasse, mas o processo seletivo passou a ficar desencontrado. A tal produtora pedia que eu aguardasse e esse aguardo contínuo durou 4 meses. Acabei dispensando um trabalho em decorrência desta série. Até que na véspera do que seria o início das gravações a produtora me ligou dizendo que a minha contratação demoraria mais uma semana devido ao fato de a série ter trocado de diretor. Quando entrou o novo diretor, eu já me imaginei fora do projeto por que imaginei que tudo mudaria. À entrada do novo diretor recaiu na minha saída do projeto sob a alegação de que eu não me encaixava mais no perfil do personagem. Foi prometido a mim um novo papel para o qual não fui realocado. Achei melhor acioná-los (na Justiça)”. A emissora ganhou a ação argumentando que não havia contrato formal firmado entre as partes.

Sobre haver levantado esta questão e, por conta disso, não trabalhar nas emissoras o ator justifica: “Quando você questiona muito é posto na geladeira, por exemplo. Você acaba virando persona non grata”, diz, acrescentando: “Eu deito no meu travesseiro e durmo por que sei que não defendo apenas a mim. Há quem diga que eu possa ter sido um trouxa por ter feito isso, que deveria ter ficado quieto, mas não admito”.

Sobre política e a diáspora armênia

Em ao menos duas ocasiões, o ator lançou-se na seara política. Foi candidato a vereador pelo PV, em 2012, por Mairiporã, e não fora eleito. Antes disto, arriscou-se no pleito público em 2006, pelo PSB. No qual também não fora eleito. Sobre essa sua passagem pela política, apresenta que “foi algo que, quando dá conta de si já está envolvido. Eu me vi meio que como um inocente útil no passado. Às vezes, você entra achando que vai mudar o mundo e não vai fazer nada. É preciso ter um conhecimento. Caso contrário, você será apenas uma pedrinha no jogo, e vai ser derrubado por ele”, analisa.

Em sua cidade, Derkian é um dos poucos descendentes de armênios. Na cidade vizinha, Osasco, tanto o prefeito como o diretor presidente do principal veículo de comunicação do município são, tal como eles, descendentes de armênios. A comunidade armênia no Brasil é bem diminuta. Além de Derkian – cujo sobrenome é, na verdade, Derquiaskian – há, na classe artística ao menos três expoentes deste grupo étnico: a atriz Aracy Balabanian e os atores Stepan Nercessian e Fiuk, com os quais teve pouco ou nenhum contato. Ele diz que os “velhos armênios tinham uma forte união, que foi se diluindo. A gente não vê mais aquele laço comunitário. Há 40 anos talvez este vínculo existisse com mais fervor. A história armênia deve ser contada e poucos falam do genocídio armênio provocado pelos turcos-otomanos”, pondera. A terra armênia, assim como o seu povo, é composta por gente que não desiste, mesmo após toda adversidade. Derkian remete a seu povo quando arregaça as mangas disposto a lutar.

Denis Derkian (Foto: Divulgação/O2 Filmes)