Debora Lamm: ‘Os LGBTQIA+ ainda são pouco representados. Com 25 anos de carreira nunca vivi gay na TV’


A atriz e diretora está no elenco de filme sobre relações tóxicas e empoderamento feminino. Ela fala sobre a reinvenção do fazer teatral e do trabalho incessante na pandemia. E também, sobre a relação com a atriz e diretora Inez Viana e a falta de representatividade no audiovisual: “É urgente produzir mais conteúdo com essa representatividade LGBTQIA+. Dentro do mundo que eu vivo, que talvez seja uma ‘bolha’ – porque a liberdade que nos custa tão caro, ainda é uma coisa tolhida – , dentro dela, nós somos maioria, então precisamos naturalizar, derrubar essas fronteiras que foram colocadas”

*Por Brunna Condini

Na comédia ‘L.O.C.A. – Liga das Obsessivas Compulsivas por Amor’, que chega ao Telecine e ao  streaming da rede em 15 de agosto, Debora Lamm trata de temas que permeiam as relações humanas e que muito a interessam, como amor e sororidade, por exemplo. No longa escrito, dirigido, produzido e protagonizado por mulheres, Debora está ao lado de Mariana Ximenes e Roberta Rodrigues, contando a história de três mulheres que ficam amigas em uma reunião da tal ‘Liga’, porque vivem paixões em que não aguentam mais serem chamadas de ‘loucas’ por seus parceiros, decidindo então unir forças para dar um fim a seus relacionamentos tóxicos.

“Interpreto a Elena, que é extremamente sensível, machucada e que ainda acredita no amor. Mas, depois de se machucar novamente, precisa criar ‘cascas’ para seguir. Ela tem medo de sofrer mais”, detalha Debora, que é casada com a também atriz e diretora Inez Viana há 10 anos. “Popularizamos o termo ‘relações tóxicas’ hoje. Muitas vezes já vivemos um relacionamento assim, mas não sabíamos. Com o debate deste termo, vem a reflexão também. Acredito que quando você se junta com alguém afetivamente, tem que ser bom, porque ama. São muitas sutilezas em torno de uma relação. Mas se em algum momento estiver em dúvida se está vivendo algo ‘tóxico’ ou não, pare, observe, acho bom buscar saber”.

Roberta Rodrigues, Debora Lamm e Mariana Ximenes em 'L.O.C.A. – Liga das Obsessivas Compulsivas por Amor' que estreia 15 de agosto (Divulgação)

Roberta Rodrigues, Debora Lamm e Mariana Ximenes em ‘L.O.C.A. – Liga das Obsessivas Compulsivas por Amor’ que estreia 15 de agosto (Divulgação)

No longa, as personagens se unem para tentar superar as decepções amorosas, mas também por vingança. “Já eu não me considero uma pessoa vingativa. Na verdade, até esqueço o que me fizeram. Não tenho essa energia para gastar, preciso usar com sentimentos melhores”, garante.

E completa sobre a trama dirigida por Claudia Jouvin: “O nome do filme é ‘loca’ propositalmente, é uma crítica a este termo de histeria sempre ligando a mulher ao termo, à essa ideia. A mulher quando se posiciona com mais firmeza, energicamente, vai ser chamada de ‘louca’. O título é uma provocação. A Elena vem vingar as ‘bruxas’ que já foram queimadas em fogueiras. Aliás, a vingança da Elena no filme é ancestral, rola até uma risadinha em homenagem às bruxas (risos)”.

"A mulher quando se posiciona com mais firmeza, energicamente, vai ser chamada de 'louca'. O título é uma provocação" (Divulgação/ Globo)

“A mulher quando se posiciona com mais firmeza, energicamente, vai ser chamada de ‘louca’. O título é uma provocação” (Divulgação/ Globo)

Recentemente, Debora aproveitou para refletir sobre a sub-representação LGBTQIA+ nas produções audiovisuais brasileiras. Conhecida na TV por papéis no humorístico ‘Zorra’, na novela ‘Amor de Mãe’ e em ‘Malhação: Vidas Brasileiras’, ela lamenta até hoje não ter vivido uma personagem com a mesma orientação sexual que a dela. “Os LGBTQIA+ ainda estão muito pouco representados. Com quase 25 anos de carreira, nunca vivi um papel de mulher gay na TV. A série ‘Manhãs de Setembro’ (na Amazon Prime) com a Liniker, é um avanço, temos que comemorar para que isso se naturalize'”, avalia ela, que estará na próxima novela das 19h, ‘Quanto mais Vida melhor’.

Debora comenta ainda, sobre barreiras e preconceitos a respeito de ser mulher em uma relação homoafetiva, e também por não se deixar aprisionar pela pressão estética social, que tem na insatisfação corporal, um dos objetivos do sistema patriarcal, machista e capitalista em que vivemos. “Quando começamos a observar a nossa potência, fica muito fácil entender que a nossa identidade é a nossa força real. E precisa ser abraçada. As pessoas querem ver diversidade. Querem se sentir pertencendo, representadas. Quando entro com esses atributos que já me desviaram de alguns trabalhos, tenho certeza que estou representando mais pessoas. E minha figura tem importância nesta quebra do padrão”, reconhece.

Sobre contracenar como par com a mulher Inez Viana na TV: “Temos uma luta pela frente. Entendo que a gente ainda está longe disso. Precisamos começar a entender a naturalidade disso" (Reprodução)

Sobre contracenar como par com a mulher Inez Viana na TV: “Temos uma luta pela frente. Entendo que a gente ainda está longe disso. Precisamos começar a entender a naturalidade disso” (Reprodução)

Gostaria de contracenar com a Inez na TV, como um par, como tantos casais heterossexuais de atores conseguem? “Temos uma luta pela frente. Entendo que a gente ainda está longe disso. Precisamos começar a entender a naturalidade da questão, mas temos uma estrada pela frente ainda. Não essa utopia”, analisa. “É urgente produzir mais conteúdo com essa representatividade. Dentro do mundo que eu vivo, que talvez seja uma ‘bolha’ – porque a liberdade que nos custa tão caro, ainda é uma coisa tolhida – , dentro dela, nós somos maioria, então precisamos naturalizar, derrubar essas fronteiras que foram colocadas”.

Inquietude criativa

Gravando ‘Quanto mais Vida Melhor’, a artista vive a empoderada advogada Somine na nova trama de Mauro Wilson, para o horário das sete na Globo. A novela que segue em produção, já foi adiada várias vezes diante da impossibilidade de seguir com as gravações por conta da pandemia do coronavírus. Debora conta que desde que o mundo ‘parou’ por conta do vírus, ela esteve sempre produzindo de alguma forma e isso tem sido combustível na travessia do período. “O trabalho sempre ajuda. A novela deve ir ao ar já quase toda gravada. Essa pandemia foi um momento de se reinventar, foi a alternativa. Teve também a coisa do teatro virtual, que a própria classe tentou entender se era ou não teatro. E depois entendeu que não era hora de questionar, mas de fazer. Essa linguagem do teatro virtual chegou para ficar. Já vi coisas ótimas, já fiz coisas incríveis. Fiz peça dentro da nossa casa, dirigi, fui dirigida”, lembra. “Não parei de trabalhar porque invento muita coisa pra fazer. Não fico em casa esperando convites. Estou contratada, é um privilegio, mas sou uma artista que se movimenta”.

"Não parei de trabalhar porque invento muita coisa pra fazer. Não fico em casa esperando convites. Estou contratada, é um privilegio, mas sou uma artista que se movimenta” (Reprodução Instagram)

“Não parei de trabalhar porque invento muita coisa pra fazer. Não fico em casa esperando convites. Estou contratada, é um privilegio, mas sou uma artista que se movimenta” (Reprodução Instagram)

Além da TV e do cinema, a atriz planeja continuar os trabalhos com sua companhia de teatro, a Cia Omondé criada em 2010. “Vamos fazer ‘A Partida’, que dirijo, com a Inez (Viana) e a Denise Stutz, agora presencialmente, no Espaço Sergio Porto, no Rio de Janeiro, em setembro. O espetáculo é inspirado em uma carta real escrita por uma mulher, rompendo o relacionamento com o seu amante. A Denise e a Inez vivem artistas que vão criar uma peça, inspiradas pela carta”. E acrescenta, analisando a trajetória de mais de duas décadas na arte: “Profissionalmente sempre vai faltar alguma coisa. E esse é o exercício de ser artista mesmo, nos comunicar com o que nos move criativamente, com o tempo, é uma delícia. Na vida, só acredito que falta mesmo a representatividade, ainda”.