De volta à TV, Letícia Spiller fala que temeu estereótipos, aborda a questão da nudez e celebrar 50 anos


A atriz estreou em ‘Quatro por Quatro’, em 1994, como a inesquecível Babalu, que entrou na grade Globoplay essa semana. Está também na reprise de “O Rei do Gado” e gravou série para Star Plus. Nesta entrevista exclusiva, Letícia divide recordações, avalia a carreira que ano que vem completa 35 anos. Alçada ao posto de estrela e tendo sua imagem ligada à de uma mulher sexy por conta do phisique da personagem de “Quatro por Quatro: “Tinha medo de ficar neste estereótipo da mulher sensual. Aparecia muito só de calcinha e sutiã, e pedia sempre para o diretor me preservar. Não curto essa exploração do corpo feminino gratuita”

*Por Brunna Condini

Após quase 30 anos da exibição original na TV Globo, a estreia de ‘Quatro por Quatro’ no catálogo da Globoplay nesta segunda-feira (7), traz uma Letícia Spiller em seu primeiro papel na TV, como a manicure Babalu. Além disso, ela está também em “Rei do Gado” e em duas séries para o streaming. A atriz de 49 anos, falou com exclusividade ao site sobre o trabalho, tudo o que veio com ele, e fez um balanço da trajetória de 35 anos até aqui. “Lembro que estava com muita garra para fazer dar certo e amparada por pessoas que me ajudaram na composição. Isso tudo me ajudou a não ficar só no estereótipo, já que era uma figura muito forte. E teve o meu encontro com o Marcelo (Novaes), que é um cara extremamente parceiro, trocamos muito, tanto que casamos e nasceu um filho, né gente? (risos). E é até hoje uma relação de amizade, de um amor profundo. Somos uma família, ela só se transformou”.

A união de quatro mulheres em busca de vingança é o mote da novela de Carlos Lombardi, e foi na base da sororidade que Letícia brilhou ao lado das atrizes Betty Lago (1955 – 2015), Elizabeth Savala e Cristiana Oliveira. “A Babalu respeita sua verdade. É uma mulher forte, humana e que não passava pano para as mancadas do cara que gostava”. Alçada ao posto de estrela e tendo sua imagem ligada à de uma mulher sexy por conta do phisique da personagem, ela recorda: “Tinha medo de ficar neste estereótipo da mulher sensual. Ficava super atenta às cenas. Aparecia muito só de calcinha e sutiã, e pedia sempre para o diretor me preservar. Não curto essa exploração do corpo feminino gratuita. Se a mulher quer mostrar, ok. Agora explorar o corpo para ter mais audiência ou seja lá o que for, não acho legal. Mas ali foi diferente, consegui provar que estava para além de um corpo sensual”, diz.

Letícia Spiller fala do retorno de personagem icônica e faz um balanço da trajetória (Foto: Guilherme Lima)

“Acho que muito por causa disso não aceitei as propostas para posar nua que vieram depois. Não queria ficar rotulada. Meu objetivo sempre foi a minha vocação, sou atriz. Estar ativa na profissão que escolhi, amo, considero nobre. Porque acredito mesmo que a arte salva a gente em qualquer aspecto da vida. Já até fiquei nua no teatro, mas sempre dentro de um contexto artístico. Mas uma nudez mais banal, não sei se estou a fim”. E reflete ainda sobre o tema: “As mulheres estão atentas à essa questão de objetificação dos corpos. Existe uma voz de liberdade, de direitos e precisamos estar juntas nisso. As mulheres devem ter a liberdade de mostrar seus corpos quando e como quiserem. Quem quis, posou, tem todo o meu respeito. O que sempre me incomodou foi essa questão do machismo envolvido. A sensação que eu tinha é que essas revistas só reforçavam isso. Afinal é país machista que tem muito a evoluir ainda”.
Letícia Spiller como a manicure Babalu em 'Quatro por Quatro' (Divulgação/ Globo)

Letícia Spiller como a manicure Babalu em ‘Quatro por Quatro’ (Divulgação/ Globo)

Letícia Spiller fala do retorno de personagem icônica (Reprodução/ Instagram)

Letícia Spiller fala do retorno de personagem icônica (Reprodução/ Instagram)

Na sequência, Letícia fez ‘O Rei do Gado’ (1996), que também pode ser vista na reprise do Vale a Pena ver de Novo, na Globo. “Estava grávida do Pedro de 3 meses. Foi incrível, mexeu comigo. Foram meses de trabalho para uma participação de sete capítulos. De um trabalho para o outro deixei de ser menina-mulher, para virar mulher-mãe em um curto espaço de tempo. O trabalho seguinte já foi amamentando o meu filho, que foi a novela ‘Zazá’ (1997). Pouca gente sabe, mas eu fazia tudo ao mesmo tempo. De 21 a 26 anos fiz três filmes, quatro novelas. Tanto que mais adiante, senti uma necessidade de parar. Fui produzir, dirigir e protagonizar minha primeira peça. O teatro sempre em alimentou artisticamente, inclusive para outros trabalhos”, recorda.

Perto de completar 50 anos, ela revela o que diria para a atriz de 21 que interpretou a icônica Babalu: “Diria para ser menos impulsiva, ansiosa. Ir fazer uma yoga. Tanto que ela foi logo depois, aos 26. Foi encontrar um meio de centrar o espírito, respirar(risos). Diria também para continuar buscando os ideais, insistir no que acredita. Tudo é energia e carregamos muito dos nossos antepassados no presente, então diria para a Letícia de 21 buscar desde cedo quebrar padrões, que é o que buscamos quando fazemos terapia, para seguir melhor”.

"Meu objetivo sempre foi a minha vocação, sou atriz. Estar ativa na profissão que escolhi, amo, considero nobre" (Foto: Guilherme Lima)

“Meu objetivo sempre foi a minha vocação, sou atriz. Estar ativa na profissão que escolhi, amo, considero nobre” (Foto: Guilherme Lima)

Motivos para celebrar

“Completo 50 anos em junho do ano que vem e também faço 35 de carreira. Serão muitas comemorações. Talvez eu já comece o ano em um retiro na Índia. Também quero aprimorar o meu trabalho de atriz e pretendo ir para a Espanha estudar com o coach Juan Carlos Corazza. Fora outros trabalhos que desejo concretizar, como alguns projetos com a ACNUR, que é a Agência da ONU para Refugiados, do qual sou apoiadora. Aliás, pretendo fazer uma ‘festa’ virtual para celebrar meu aniversário, em que os meus presentes serão a ajuda à essa entidade, que trata de uma causa importante, global, já que muitos fatores fazem alguém buscar refúgio. Também que trabalhar muito. Têm séries por vir, filme e talvez um projeto de teatro”, lista a geminiana: “Se deixar, vou falando, são muitos planos (risos)”.

“Completo 50 anos em junho do ano que vem e também faço 35 de carreira. Serão muitas comemorações” (Foto: Guilherme Lima)

Após 29 anos de contrato exclusivo com a Globo, Letícia integrou o elenco da segunda temporada da série da Netflix ‘Cidade Invisível‘, e já adianta que está em outra série, mas desta vez, na Star Plus. “E esta fala sobre um grupo de mulheres, com todas as suas questões, complexidades, humanidade. Amo trabalhar e fiz isso muito a vida toda, mas dos 40 para cá, mais ainda. Fiz teatro, cinema e TV juntos. Com a maturidade e a experiência a gente vê que dá para fazer. Sou uma atriz inquieta, estou sempre na busca. Acredito que o mais importante é manter a essência, estar sempre em contato com essa voz que vem do coração, e ter a tranquilidade da sua busca, do seu desejo, que está tudo certo, como tem que estar”.

A atriz é apoiadora da ACNUR, a Agência da ONU para Refugiados (Reprodução/ Instagram)

A atriz é apoiadora da ACNUR, a Agência da ONU para Refugiados (Reprodução/ Instagram)

Casada há seis anos com o músico uruguaio Pablo Vares, ela fala da parceria do casal. “Começou no teatro, na música, e desejamos que continue assim. Compomos juntos também. Ele vai lançar seu primeiro disco ano que vem. Tem uma faixa em que toca com a Orquestra de Tatuí, uma canção que é uma parceria nossa, se chama ‘Quimera’, em que já coloquei o vocal para um clipe e vou cantar também nesta nova gravação”, conta.

Pablo Vares e Letícia Spiller estão juntos há seis anos (Reprodução/ Instagram)

Pablo Vares e Letícia Spiller estão juntos há seis anos (Reprodução/ Instagram)

Sobre o episódio recente em que Pablo expôs um comentário de um hater que criticava sua aparência, Letícia comenta: “Nunca dei bola para esse tipo de coisa. Não dá para agradar todo mundo. Mas acho que existem pessoas que por estarem escondidas atrás da tela de um computador se sentem à vontade para falar o que quiserem. O Pablo tem percebido isso, já que tem feito um trabalho de desconstrução de alguns desses comentários sem noção, o que tem sido maravilhoso. Ele tem feito as pessoas refletirem de algum modo. Muita gente fala as coisas e depois percebe que foi preconceituoso e até pede desculpas. É o que digo: só há salvação através da educação. E nosso país precisa ser reconstruído neste lugar com urgência. Isso abre a visão, a cabeça. Além do mais, cada um sabe como vai ser feliz, o que precisamos é de amor e leveza”.