De olho na ascensão dos evangélicos no Brasil, filme com Marcelo Adnet busca tirar o estigma sobre religiosos


Nas Ondas da Fé”, filme de Felipe Joffily roteirizado por Lusa Silvestre, conta a história de Hickson, vivido por Marcelo Adnet, um homem que sonha em ser radialista e que consegue realizar seu desejo quando conhece um apóstolo que lhe permite estrear numa rádio evangélica. Adnet é um dos produtores do filme, além de ser seu protagonista, e traz como proposta um olhar não estereotipado para retratar os evangélicos e sua forma de lidar com a fé. “No filme não fazemos uma crítica à instituição, mas aos homens”, diz. Pegando carona da ascensão protestante, o filme é mais um produto a investir no segmento gospel, assim como a próxima novela das 19h, da Globo, “Vai na Fé”, que tem uma protagonista cristã. A emissora também está realizando um concurso de cantores de músicas segmentadas a este estilo no programa de Serginho Groisman. Pesquisas, como a do Datafolha, apontam que ao menos 31% dos brasileiros professa esta fé, além de serem o segundo grupo mais numeroso do país, atrás apenas dos católicos, que representariam 50% da população. Ainda segundo a mesma pesquisa, projeta-se que em 2032, os evangélicos serão maioria no país. Novelas – e filmes – proselitistas têm obtido bons resultados na TV Record, que legou à Igreja Universal a função de cuidar de seus folhetins. A explosão evangélica também pode ser notada na política, com a ascensão de partidos e sacerdotes eleitos no último pleito eleitoral

*Por Vítor Antunes

Costumeiramente, os evangélicos foram alvos nos programas de humor. O Tim Tones vivido por Chico Anysio (1931-2012), por exemplo, fazia graça usando o polêmico pastor Jim Jones (1931-1978). No “Comédia MTV”, Marcelo Adnet fazia graça com os pastores dos telecultos de TV. Com “Nas Ondas da Fé”, o humor, a contrário, não será sobre os evangélicos, mas a partir da ótica deles. O filme de Felipe Jofilly aproveita da ascensão meteórica dos adeptos desta manifestação religiosa e confere a eles uma observação respeitosa, menos sisuda. É o que fala o intérprete de Hickson, Marcelo Adnet: “O filme tenta ir em um lugar pouco visto e falado, além de prestar um pequeno serviço quando narra um ambiente tão rico como esse. O longa objetiva trazer, também, os comediantes para o universo da dramaturgia”. Eu não vejo nos evangélicos pessoas austeras, sérias demais, engessadas. Vejo-os com naturalidade. Há aqueles que saem, tomam um chopinho, namoram, têm dates, se revoltam, têm raiva… A nossa ideia é de narrar algo que está muito próximo da gente e sobre o qual ninguém contou”. O filme entrará em cartaz praticamente na mesma semana que “Vai na Fé”, novela de Rosane Svartman que irá substituir “Cara e Coragem” no horário das 19h.

Em “Nas Ondas da Fé”, Marcelo Adnet e Letícia Lima são um casal que ascende socialmente quando se popularizam no rádio (Foto: Leo Franco/AG News)

Geralmente retratada de maneira caricata pelo audiovisual secular, a religião evangélica não costumou encontrar formas felizes no cinema ou na TV. O núcleo cristão de “Duas Caras” (2007), por exemplo, foi duramente criticado pelos protestantes, ainda que tivesse o pioneirismo em trazer uma cantora gospel em sua trilha sonora, Aline Barros. Outro problema recorrente encontra-se na representação estereotipada junto aos programas de humor. Razão pela qual o ator protagonista e produtor de “Nas Ondas da Fé”, Marcelo Adnet, salienta o cuidado que a produção tomou para não ratificar a folclorização para com este segmento religioso: “É um tema tabu falar de evangélicos e de religião e ainda mais sob um olhar de comédia, o que exige um maior cuidado. Mas estamos muito seguros de que quem vai ver o filme não vai sentir-se ofendido”.

A fé não sofre crítica. Quem é criticado são os homens. Eu acho que é importante para se estabelecer uma discussão digna – Marcelo Adnet

Não foi encontrada nenhuma citação na literatura que aponte quais são os filmes que abordam evangélicos em papéis protagonistas e de forma não-cômica fora do universo gospel. Joffily que diz: “Haver grande recorrência de filmes espíritas e católicos. O mais importante pra mim é ajudar a dar vida a esses personagens sem contudo marginalizá-los. Gosto de pensar que existe um filme evangélico e que eles vão gostar de assistir e de ver a si incluídos no universo da comédia”.

O possível ineditismo traz aos produtores e aos atores a sensação de que este é um trabalho pioneiro. É o que Adnet salienta: “Eu acho que este é um tema óbvio que ninguém quis encarar, ou encarou muito pouco. É um tema rico, real e que faz parte da nossa sociedade. É uma das maiores chaves para nos permitir uma melhor compreensão deste universo. Pode ser que digam que Brasil vai ser uma maioria absoluta de evangélicos, mas nós já somos. Negar isso é uma visão preconceituosa e que mostra desconhecimento”.

Marcelo Adnet é Hickson em “Nas Ondas da Fé” (Foto: Peter Wrede/Divulgação)

O filme representa um comportamento do mercado que é o de voltar-se ao público evangélico, desassistido de produções não segmentadas e que os aborde de forma respeitosa. Estes ocupam uma fatia considerável do estrato religioso brasileiro. Em 1980, segundo o IBGE, eram 6,6% os que se identificavam como protestantes no país. Esse número saltou para 22% em 2010. O Datafolha também ocupou-se em mostrar quantos brasileiros identificam-se com esta religião e, segundo o órgão, em 2020 eram 32%. O Instituto projeta que 2032 eles serão o principal grupo religioso do país, ultrapassando o de católicos.

De olho nesta fatia do mercado, a Globo vai lançar na primeira quinzena de janeiro a novela “Vai na Fé”, primeira do canal a trazer uma praticante do protestantismo num papel de destaque. Além da trama, o “Altas Horas”, programa de Serginho Groisman, também ocupa-se em lançar novos nomes da música gospel. Intimamente ligada à Igreja Universal, a Record aposta pelo menos desde 2010 em produções bíblicas e com elas obteve o seu maior sucesso recente em teledramaturgia, a novela “Os Dez Mandamentos”.

A presença religiosa não se restringe à televisão. Eles também mostram sua força na política. Nas eleições de 2022, ao menos 520 nomes nas urnas eram relacionados à igreja evangélica, entre pastores, irmãos e reverendos, segundo levantamento do Poder360. Em 10 anos, o número de candidatos com esses títulos sacerdotais cresceu. Em Minas Gerais, os dois deputados mais votados eram alinhados a esta filosofia religiosa, ainda que de lados opostos na ideologia política. São eles, Nikolas Ferreira (PL-MG), integrante da Comunidade Evangélica Graça e Paz, e o deputado André Janones (Avante-MG), da Igreja Batista da Lagoinha. Desde 2002, a bancada evangélica eleita no Congresso aumentou mais de 60% – 92 parlamentares do bloco conseguiram cadeiras em 2018, segundo levantamento do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap).

NÃO AO LUGAR COMUM

No “Comédia MTV”, Adnet interpretava pastores com recorrência. Um deles era o do quadro “Fala Sonhando que Eu Te Escuto” que satirizava o “Fala Que Eu Te Escuto”, programa exibido desde 1998 pela RecordTV. Há algum comparativo entre esses dois universos? “A comparação vai ter por que era eu atuando. Eu trazia a minha carga crítica para isso, mas são contextos diferentes. Na MTV, eu fazia um esquete de alguns minutos e, agora, é um filme de cerca de 1h20. Na televisão, o esquete tinha um compromisso com a comédia, apenas. Em “Nas Ondas da Fé”, dramaturgia e comédia estão juntas. É uma construção complexa e cuidadosa”.

No longa, que estreia dia 12 de janeiro, Hickson (Marcelo Adnet) é um técnico de informática que trabalha com telemensagens, mas que tem como sonho tornar-se comunicador de um programa de rádio. Torna-se um, porém de uma rádio evangélica. Seu talento o faz conquitar o cargo de âncora carismático e querido pelos fiéis e é aí que residirá os conflitos tanto de seu personagem como o da sua esposa, Jéssica (Letícia Lima).  Lusa Silvestre, o roteirista, aponta que a jornada do personagem de Adnet é o que mais o agrada. “Hickson, de um homem comum é transformado em alguém importante”. Ainda sob o olhar do guionista, o barato do personagem reside no fato de ele se encontrar profissionalmente aos 33 anos. “Não temos obrigação de, aos 20 anos, saber qual a nossa profissão. É possível descobrir o seu talento depois, lá pra frente. A vida profissional não se encerra numa faculdade ou naquilo em que se está trabalhando atualmente”.

Marcelo Adnet fala sobre o desafio de não fazer um pastiche da fé em longa de Felipe Joffily (Foto: Peter Wrede/Divulgação)

Nas Ondas da Fé” foi majoritariamente gravado no bairro de Maria da Graça, no Rio de Janeiro, e algumas outras cenas foram rodadas no Méier. O longa retrata também o fato de que a família da personagem principal, ao enriquecer à custa da religião, abandona o subúrbio e migra para a Barra da Tijuca, território pra o qual costumam ir os “novos ricos”. Tal como objetiva não folclorizar a fé, o ator fala que houve entre o staff a ideia de não trazer um subúrbio clichê. “Tanto os protestantes como os suburbanos encaixam-se num universo múltiplo, pouco homogêneo e com características bastante diferentes. Entre os religiosos há um segmento mais simpático a outro, assim como há críticas entre um segmento e outro. Daí a importância do debate desse universo. Há uma grande ignorância das pessoas ao olhar tanto o subúrbio quando à religião protestante, quando estas são retratadas como algo inferior ou ultrapassado. O filme acaba mostrando para gente, indiretamente, que no subúrbio é absolutamente comum que se tenha a igreja como um fenômeno regional de bairro, e que apoia aquela comunidade, e dá a ela um espaço de convivência, de aceitação”. No filme não fazemos uma crítica à instituição, mas aos homens. O produtor, Augusto Casé, reitera esta opinião quando diz que seu objetivo e o da equipe é de “não marginalizar esse universo” ou seja, não caricaturar a religião.

Marcelo Adnet vive um locutor de rádio. Ator chegou tentar ser um mas foi reprovado no teste (Foto: Divulgação)

Enquanto falava sobre o filme, Adnet confidenciou-nos que, tal como seu personagem, ele também é apaixonado pelo rádio. Tanto que fez teste para ser locutor da Rádio Globo do Rio, para o qual não fora aprovado. “O rádio é muito importante e poderoso no Brasil mais interiorano e profundo. Revela grandes comunicadores, extremamente populares que começam ali e atingem um público imenso. Há quem ainda o considere como decadente, mas ele funciona. É uma máquina. A televisão não matou o rádio, o rádio não matou o jornal. Está todo mundo coexistindo”, finaliza.