* Com Bell Magalhães
Super conhecido pelo personagem Orelha, em ‘Malhação’ (2013), e no ar na reprise de ‘Tititi’, Davi Lucas, agora fora dos holofotes e câmeras, é psicólogo e trabalha como consultor de quem deseja empreender com um novo business no país. Em um mês, mais de 25 mentorias foram realizadas. “São consultorias individuais. Meu interesse é em entregar o melhor custo benefício possível para quem quer, de verdade, começar a construir o seu caminho de independência profissional”, diz. Davi, hoje com 26 anos, diz que se especializou em empreendedorismo depois de estudar a fundo a área. Entre uma aula e outra, ele nos diz: “Já faz três anos que eu vivencio esse mundo de burocracias, estrutura de custo, relacionamento com cliente e criação de MEI todos os dias. Comecei a colocar em prática as minhas primeiras palestras e workshops e tive contato, na vida real, no cotidiano, com todos os sabores e dissabores que um empreendedor passa em sua caminhada. E é muito bonito ver os primeiros passos de quem tem uma ideia e não conseguia colocar em prática. Eu estou muito, muito feliz com o meu trabalho”.
Com o mundo virtual, inúmeros profissionais se especializaram nesse tipo de trabalho, mas nem sempre oferecem um bom conteúdo ou cobram valores altos demais para uma pessoa no início de carreira. O ex-ator diz que os anúncios desses serviços nem sempre são confiáveis: “Temos sofrido muito com o tipo de conteúdo que é ‘arraste para cima e fique milionário’. Isso tem espalhado muita desinformação para quem deseja empreender de verdade e quer fazer um trabalho sério”, conta.
Uma das formas que encontrou para se destacar no mercado de consultoria foi oferecer serviços de qualidade a um preço acessível. “Houve uma queda de qualidade no conteúdo gratuito e um aumento de preço. Por esse motivo, coloquei o valor da minha mentoria como o menor da internet. Enquanto eu tiver horário na minha agenda, estarei atendendo as pessoas”.
Davi estreou como ator aos 7 anos na peça ‘Natal Encantado da Bela e a Fera’. Na televisão, ganhou destaque em ‘Minha Nada Mole Vida’, ‘Caras e Bocas’ e seu último trabalho foi como o detetive Jack na novela ‘Êta Mundo Bom!’ aos 21 anos. Segundo ele, a carreira de ator ficou no passado e não tem interesse em voltar a atuar tão cedo. “Estou completamente imerso no meu trabalho de consultoria. Desde pequeno sempre atuei e olhei a vida dessa perspectiva, mas agora eu escolhi vivenciar outras. Parece simples, mas não é. Foi uma decisão muito difícil”, conta.
Além de ter tempo para conquistar outros sonhos, sair das telas e viver outra vida foi um “alívio”, segundo o mentor. A correria dos sets e a falta de privacidade são questões que nunca o agradaram. “Não gosto da perspectiva de fama enquanto uma exposição de privacidade irrestrita, porque isso não tem a ver com o reconhecimento pelo mérito do meu trabalho. E parece que continua do mesmo jeito”. Segundo ele, ser prestigiado é bom, mas a exposição e o assédio que vem com a fama é algo terrível e o custo é alto: a própria infância: “Você fica sem vida. Dos 13 anos aos 19, eu fiquei sem poder entrar no shopping da minha cidade, Friburgo, Região Serrana do Rio. Eu vivia cerceado. Quando eu olho para Justin Bieber, Larissa Manoela e Maísa, eu penso: ‘se tem alguém que conhece o que essas pessoas viveram sou eu. Eu estava lá, passando por algo muito semelhante ao que eles passaram’. É muito pesado”, desabafa.
Pesquisas mostram que, até os 12 anos, crianças não têm desenvolvimento cognitivo para lidar e suportar a pressão do apelo publicitário e da mídia. Por conta dessa vivência íntima com o ritmo de vida de atores mirins, Davi é contra qualquer tipo de atividade que coloque crianças à frente de câmeras com responsabilidades e jornada de trabalho que quase iguais aos adultos: “Quando você não tem uma estrutura emocional e psicológica, somado a uma rotina de trabalho intensa, tudo pode ser muito turbulentas”, explica, acrescentando: “Eu sinto gosto por atuar, eu gosto de verdade, mas a pressão é grande demais. Se me perguntar, digo e levanto a bandeira de que não se deve entrar na indústria antes dos 18 anos”.
Hoje somos apresentados a conteúdos infantis no YouTube, Instagram, TikTok e outras redes sociais. Quase sempre, o que começa como uma brincadeira acaba virando uma forma de sustento para toda uma família. Com a necessidade de alimentar o público e gerar views, a exploração infantil acaba se tornando uma realidade. Em regra, o trabalho infantil é proibido, sendo permitido a partir dos 14 anos na condição de jovem aprendiz. O trabalho infantil, inclusive artístico, de crianças depende de autorização judicial, com observação a critérios previstos em lei.
Segundo Davi, um dos causadores dessa triste realidade é a falta de amparo educacional e econômico que acaba levando pais e mães a apostarem todas as fichas nos filhos com ‘um futuro promissor’: “ Eu, como 97% dos brasileiros, vim de um lugar sem estrutura. Vivemos em um país desestruturado em relação à educação, financeiro e gestão de sentimentos. Nasci em Friburgo, mas há 26 anos era muito rural e não se tinha muita perspectiva de mudança de vida. No momento que eu entrei no mundo da atuação, minha família se agarrou na possibilidade de eu me tornar um ator conhecido. Imagina que, do nada, seu filho estar na Globo. O que fazer com isso? É muito para administrar”, analisa.
Longe da televisão e do cinema há 5 anos, Davi não culpa as famílias de atores mirins nas escolhas de colocarem os filhos sob tanta atenção: “Se está certo ou errado, eu não posso dizer. Eu não coloco a perspectiva de culpa na família e não aponto o dedo. Até porque eu vivenciei tal realidade”. A decisão de sair da mídia, contudo, não foi uma transição suave no início: “Quando eu decidi houve, de fato, uma perturbação de ponta a ponta na minha família. Todos perguntavam: ‘como?’, Foi muito difícil e turbulento”, diz. Mas as inquietações familiares foram se acertando na medida que ele foi mostrando segurança no novo caminho que decidiu trilhar: “Hoje, estamos em outra frequência e as relações se reestruturaram de uma maneira muito harmônica, senão até melhor. Todos me apoiam e me dão forças nessa nova profissão”.
Com histórias como as de Britney Spears, Macaulay Culkin e Michael Jackson pudemos ver como a inserção precoce na mídia pode afetar a saúde mental e física de uma criança, mas as cicatrizes permanecem até a vida adulta. Davi afirma que a superexposição é ruim em todos os âmbitos, mas é muito pior para uma pessoa que ainda está em formação: “Isso traz muito mais ônus do que bônus, e falo com conhecimento de causa de alguém que vivenciou esse processo. Hoje, eu tenho 26 anos, mas tenho uma fala de alguém de 40 por conta de muita casca que criei e da maturidade que eu tive que adquirir muito cedo”. Com o conhecimento de hoje, o coach de empreendedorismo diz que o cenário pode mudar para melhor: “Hoje, com o acesso à informação, podemos trabalhar e cuidar dessas crianças de uma forma mais adequada do que no passado”, completa.
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