Daphne Bozaski, de ‘As Five’, volta a viver personagem com espectro autista e fala da naturalização das diferenças


Na segunda temporada da série da Globoplay – que já tem garantida a terceira -, a atriz defende a derrubada de preconceitos sobre o que é diverso de nós e do padrão. Daphne também fala do cuidado à saúde mental no mar de inseguranças da profissão, da maternidade e observa: “Hoje, eu acho que, muitas vezes, a vontade de ser ator ou atriz se mistura com essa coisa de desejar ser famoso. Você pode até querer por isso, gostar do ofício e descobrir que o faz bem. Tem gente que não é ator de formação, mas se descobre bom, vai estudar. Não podemos julgar uma pessoa por ela querer uma nova profissão”

*Por Brunna Condini

Daphne Bozaski, a Benê de ‘As Five’, série que ganhou sua segunda temporada recentemente no Globoplay – e já tem engatilhada a terceira –, revela que cada vez mais vem entendendo melhor a questão do espectro autista a partir da vivência de sua personagem. Com isso, a atriz e o público vêm ampliando horizontes. “Com a Benê, descobri pessoas próximas que eram autistas e eu nem sabia, porque teoricamente, na superfície, todo mundo acha que o autista é aquela pessoa que não consegue falar direito, que se movimenta repetitivamente e que não socializa. A personagem vem para derrubar preconceitos e percebermos que cada um é de um jeito. É preciso respeitar as diferenças. Depois que comecei a interpretar a Benê venho quebrando preconceitos em relação ao outro, do tipo: se essa pessoa é diferente de mim, porque estou esperando que aja de uma determinada maneira? Recebo muitas mensagens de gente que fala que ver a Benê é entender que é possível conviver em sociedade com sua diversidade, sem medo de interagir ou de julgamentos”, diz.

Daphne Bozaski volta a interpretar personagem com espectro autista na segunda temporada de 'As Five' e fala sobre a importância da naturalização das diferenças (Foto: Carmem Campos)

Daphne Bozaski volta a interpretar personagem com espectro autista e fala sobre a importância da naturalização das diferenças (Foto: Carmem Campos)

Em ‘As Five’, spin-off de Malhação: Viva a Diferença, criada pelo cineasta Cao Hamburguer – que também esteve à frente da novela que deu origem a tudo e arrematou o Emmy Kids Internacional, o grupo de amigas segue agora descobrindo os desafios da vida adulta. “Essa temporada traz temas muito universais, tanto que pessoas que não estão no espectro autista vão se identificar com a Benê, porque todo mundo já passou ou vai passar por uma situação de morar com alguém e se relacionar com essa pessoa amorosamente. Sabemos que as diferenças começam a ficar mais gritantes, a partir do momento que a convivência é maior. Mas, agora, ela também entende melhor seus limites, compreende que mais do que nunca, mesmo vivendo junto, precisa do seu espaço. A Benê mostra que é possível que alguém que esteja em um espectro autista nível 1, que é o de alto funcionamento (o espectro se divide em vários níveis), consiga trabalhar e viver como qualquer uma das meninas da série, aprendendo e amadurecendo. Ali cada uma está passando por uma situação com dificuldades extremas. A personagem também está indo à terapia, coisa que é muito importante para quem está no espectro autista”.

Daphne Bozaski com o elenco de 'As Five', série que ganhou a segunda temporada na Globoplay (Reprodução/ Instagram)

Daphne Bozaski com o elenco de ‘As Five’, série que ganhou a segunda temporada na Globoplay (Reprodução/ Instagram)

Buscando equilíbrio

Tal qual a personagem da série, a atriz de 30 anos, também é atenta às questões de saúde mental. Tanto que compartilha a própria experiência com a terapia. “Comecei a fazer logo que vim para São Paulo. Nasci aqui e fui criada em Curitiba. No entanto, eu retornei à capital paulistana aos 17 anos por conta da carreira. Foi muito difícil lidar sozinha com a vida. São Paulo é uma cidade onde muita coisa acontece e para me jogar nesse mercado de trabalho, precisei buscar um lugar onde eu pudesse me entender, saber o que eu queria com mais calma. Por ser muito nova, foi muito importante esse processo da terapia. Faço até hoje. Tem sido importante para eu entender como funciono sozinha, porque vim de uma criação de mãe solo, éramos só nós duas em Curitiba. Nossas personalidades eram muito misturadas, tipo, quem sou eu e quem é a minha mãe? Quando eu saí desse ‘ninho’, precisei descobrir quem eu era mesmo, do que gosto e o que não gosto, depois disso veio o meu relacionamento com o Gus (o chef de cozinha Gustavo Araújo) e a gente decidiu ter o Caetano, que está com 4 anos. Hoje, vivo esse momento em que não sou mais a filha, a namorada, agora sou a mãe de alguém e preciso organizar todas essas funções e os desafios. Fazer terapia faz você enxergar melhor. Vai encaixando e separando as coisas nos seus devidos lugares. Ajuda a saber separar o que é meu e o que é demanda do outro. É autoconhecimento”.

"Sempre quis ter uma família minha, pelo fato de ter sido criada só pela minha mãe. Tinha o desejo de construir algo que me completasse e que me desafiasse" (Foto: Carmem Campos)

“Sempre quis ter uma família minha pelo fato de ter sido criada só pela minha mãe” (Foto: Carmem Campos)

A atriz começou a carreira no teatro em 2004 e aponta a importância de buscar um equilíbrio emocional, principalmente em uma profissão tão incerta quanto a artística. “A correria e a cobrança da vida moderna vai gerando muita ansiedade. A terapia ajuda a desacelerar um pouquinho e a olhar para as coisas mais individuais, senão vamos enlouquecendo. E essa profissão ainda tem muita insegurança do que está por vir. Precisa se desdobrar, criar projetos muitas vezes para trabalhar. A gente tem que ir atrás, estudar e acreditar muito. Estar trabalhando na Globo, me deixa um pouco mais segura hoje. E tem essa série com um caminho pela frente, mas quando você está no mercado audiovisual, não sabe muito o que vai acontecer”.

Vejo muitos artistas maravilhosos, premiados, que ficam desempregados. Sua trajetória não garante que no mês seguinte vai ter dinheiro para pagar as contas. É uma profissão um pouco ingrata neste sentido. Nem todo mundo que está ralando para caramba, consegue viver do que ama. Tenho muitos amigos que acabam tendo que trabalhar com outras atividades para conseguir sobreviver, é muito difícil – Daphne Bozaski

Ser ou não ser

“Hoje acho que muitas vezes a vontade de ser ator ou atriz se mistura com essa coisa de desejar ser famoso. Mas você pode até querer por isso, gostar do ofício e descobrir que o faz bem. Tem gente que não é ator de formação, mas se descobre bom. A Grazi (Massafera) mesmo, além de ter talento, foi atrás, estudou e se tornou uma ótima atriz. Não podemos julgar uma pessoa por ela querer uma nova profissão. A partir do momento que aparece uma oportunidade e se a pessoa quer aproveitar, acho que precisa buscar conhecer mais, estudar. Eu não fiz uma faculdade de teatro, mas sempre estudei muito, fiz cursos e aprendi no exercício. Vim para São Paulo e trabalhei com Antunes Filho, fiz workshops, trabalhei no SESI, fiz várias escolas técnicas, e isso me deu uma bagagem muito grande, para estar onde eu estou. Acho que todo mundo pode ser ator, tem que buscar aprender a ser, a exercer o ofício”, opina Daphne.

"As vezes a vontade de ser ator ou atriz se mistura com essa coisa de desejar ser famoso. Mas você pode até querer por isso, gostar do ofício e descobrir que faz bem aquilo" (Foto: Carmem Campos)

“Às vezes a vontade de ser ator ou atriz se mistura com essa coisa de desejar ser famoso. Mas você pode até querer por isso, gostar do ofício e descobrir que faz bem aquilo” (Foto: Carmem Campos)

Nascendo uma mãe

Mãe de Caetano, ela comenta sobre exercer a maternidade mais jovem e por escolha. “Sempre quis ter uma família minha pelo fato de ter sido criada só pela minha mãe. Tinha o desejo de construir algo que me completasse e que me desafiasse. Queria entender como seria ter uma relação assim, já que não tive essa figura paterna, sabe? No passado, tive um relacionamento conturbado e doentio, que foi difícil me desvencilhar. Quando eu conheci o Gus, nossa relação era de muita parceria desde o começo, ele sempre me apoiou, me incentivou e quando decidimos ter o Caetano, eu sabia que teria com quem contar. Consegui dar continuidade à minha profissão, graças a ele exercer seu papel de pai, o que me deu liberdade para exercer o meu papel de mãe”.

A maternidade é muito desafiadora! Quando decidi ter meu filho, eu tinha acabado de sair de ‘Malhação’, estava em plena construção da minha carreira, em um momento de ascensão no meu trabalho, então ouvi muitas pessoas dizendo: “Como você vai engravidar agora? Vai acabar com a sua profissão”. Mas fomos em frente – Daphne Bozaski

Daphne Bozaski e o filho Caetano, de 4 anos (Reprodução/ Instagram)

Daphne Bozaski e o filho Caetano, de 4 anos (Reprodução/ Instagram)

“A gravidez não foi tão planejada, mas pensamos: vamos deixar rolar. Quando eu vi, já estava grávida e começaram a aparecer outros trabalhos. Sempre acredito que as coisas acontecem quando e como têm que acontecer. Fiz teatro com Caetano na barriga. Minha gravidez em si foi tranquila, o desafio foi quando ele nasceu. As demandas da maternidade e as responsabilidades chegam, são muito complexas. Eu tive o privilégio de voltar a trabalhar quando meu filho tinha já seis meses, e o como o Gus é seu próprio chefe, tem um restaurante que fica na casa onde a gente morava e abre duas vezes na semana, tem um trabalho mais flexível e conseguiu se adaptar à minha rotina de gravação. Mas na maior parte do tempo, éramos só nós dois, nos desdobrando, porque nossos pais moram em outras cidades”.

Nascendo a voz autoral

Com a terceira temporada da série confirmada pela plataforma, Daphne planeja outros passos de olho na visibilidade da produção. “Amo estar na série, que traz tantos temas importantes para a roda. Mas em paralelo, também está chegando o momento em que preciso descobrir o que eu quero dizer artisticamente. Então, esse vai ser um ano de estudo, onde pretendo fazer uma reciclagem e buscar outras maneiras de sair um pouco do personagem que já está no imaginário das pessoas. Quero buscar novos espaços para outras ideias surgirem. Com o trabalho não deu para focar em mim, por isso esse ano estou me voltando para dentro. Falei na terapia que esse será um ano de criação. Quero muito voltar para o teatro”, anuncia.