Dani Gondim, do ‘Bake Off’: atriz e modelo fala da polêmica volta da magreza na moda e folclorização do Nordeste nas telas


Depois de ter desfilado nas passarelas do mundo, há pelo menos dez anos, ela dedica-se à profissão de atriz e já estrelou novelas no SBT como “Carinha de Anjo”. De volta à casa, a artista é uma das celebridades do Bake Off Brasil. Nesta entrevista ao Site HT, a artista fala sobre a importância do protagonismo nordestino no audiovisual às expensas do preconceito e da caricatura. Atriz também fala sobre a adoção de um novo-velho padrão estético nas passarelas que voltou a incensar a magreza extrema das modelos nas recentes semanas de moda internacionais: “A Gisele Bündchen, ainda que seja brasileira, tem um corpo europeu, mais reto, sem ser muito torneado. A mim, as agências salientavam que meu quadril era problemático. De tal maneira que só mais madura é que fui usar um biquíni mais cavado”

*por Vítor Antunes

Dani Gondim  está de volta à telinha do SBT – onde atuou em “Carinha de Anjo” -, participando do “Bake Off Brasil – Celebridades” revelando um outro matiz seu: o de confeitaria. No reality apresentado por Nadja Haddad, a modelo e artista compete com outros famosos o título de Melhor Confeiteiro do País. Para o segundo semestre, Dani prepara o lançamento de um curta, dirigido por Marcoz Gomez chamado “Nuvens de Chantilly”, no qual terá uma música cantada e escrita por si na trilha sonora. Ela começou a carreira de modelo muito jovem, com cerca de 13 anos, e acompanhou todas as mudanças na moda. Hoje, ela atriz, ela lança um olhar crítico para a possibilidade de retorno da estética da magreza, em voga nos anos 1990/2000 e que voltou nos recentes desfiles nas semanas de moda internacionals. Para ela, trata-se de um movimento do “capitalismo da beleza”, que estimula a insatisfação do corpo das pessoas. A ex-modelo também relembra o quanto fora considerada fora de forma junto às agências de moda europeias, que desvalorizavam o seu quadril à brasileira. Inclusive, segundo ela, apontavam que seria, por conta de seu corpo, incapaz de posar para editoriais de revistas famosas como a Elle ou para grifes como a Moschino. A atriz relata que na sua época, as modelos tinham entre 88 e 90 de quadril, ao passo que ela possuía 96, além de ser muito alta. O que demandava, a pedido das agências, que fosse feito um tratamento estético para diminuir as suas formas. “Hoje em dia, usar roupas que disfarçam o meu quadril e minha bunda é algo impregnado em mim”.

Além de sua carreira como modelo, Gondim também entra no debate sobre a suavização dos sotaques nordestinos no audiovisual. Conta-nos ela que um diretor artístico tentou corrigi-la dizendo que “nordestino não fala assim”, e também relata da vez em que fora rejeitada num teste por haverem achado que ela não era nordestina o suficiente para um tal papel, apenas diante do fato de ela não ser de um arquétipo atribuído às mulheres daquela região. Ainda que reconheça avanços, a atriz salienta que ainda há um grande caminho a percorrer. Tanto que destaca os lugares comuns na representação de pessoas nordestinas no audiovisual. “Sempre há a presença do coronelismo”, exemplifica.

Dani Gondim fala sobre a volta dos corpos esquálidos nas passarelas, o nordeste caricaturado na TV e sua participação no Bake Off Brasil (Foto: Luís Moraes)

UM NORDESTE FOLCLORIZADO

“Oxente”,painho/mainha“, “da moléstia“, “da gota serena”. Ainda que estas sejam expressões usadas no Nordeste, o uso indiscriminado no audiovisual – especialmente nas novelas – fez nascer um Nordeste genérico, idealizado, dentro da folclorização. As mulheres nordestinas são compreendidas dentro de um estereótipo da morena-cabocla-Gabriela-de-Jorge-Amado e os homens, visto como matutos e irritadiços. Por ser loura e de olhos claros, Dani Gondim nem sempre é reconhecida como nativa daquela região. Chegando a ser recusada num teste por “não ser nordestina o suficiente para o papel”, a atriz já passou pela experiência de um sudestino querer ensinar a ela o seu próprio sotaque. “A minha personagem era nordestina. Quando fui falar o nome do projeto e usando do meu próprio acento, me disseram que ‘no Nordeste não se fala assim’. Isso me soou mal. Como não se fala assim?”, questionou a cearense, que destacou porém, que com alguns colegas seus, que possuem uma prosódia regional  mais acentuada, o preconceito se revelou de maneira mais intensa.

Se você não tinha um sotaque carioca ou paulista,  não tinha espaço na grande mídia – Dani Gondim

Comemorando o ato de estar havendo um pouco de mais espaço para atores nordestinos na televisão, ela pontua que, hoje, “há atores, como o Silvero Pereira, que ocupam um lugar, e não precisou mudar timbre e voz”. Não faz muito tempo uma atriz declarou ao Site HT que os atores não deveriam ter seus próprios sotaques ao comporem personagens, ainda que ela própria fosse fortemente paulista à fala. Para Dani, colocações como esta não são polidas. “A pessoa que fala isso não acessou esse conhecimento e nem entende do preconceito que nós, nordestinos, vivemos. Passamos por vários ‘nãos’ por décadas e vimos vários atores sulistas interpretando nordestinos. Algo que é, de certo modo, triste, por que nosso talento não era explorado. Mas hoje há essa tentativa, esse cuidado – mesmo que possa advir de uma pressão da própria mídia ou dos patrocinadores. Estamos galgando um espaço que já era para ser nosso há um tempo, um espaço de protagonismo, de alcançar o lugar que é nosso. E acho que assim que deveria ser”. Porém, a atriz pondera que os atores regionais podem transitar por personagens com outros perfis além do exclusivamente voltado àquela região. “Esta deve ser uma questão inclusiva e não excludente”.

Aponta ainda que tenha havido o cuidado na representação de um Nordeste cada vez mais idôneo, ele ainda é caricaturado na telinha. “São personagens com histórias muito similares. Apesar de estarmos ganhando importância em nossos papéis, sempre há a presença de um coronelismo, por exemplo. Acho que no Nordeste há mais coisas que isto. Há pessoas nos estados que compõem a região que não desempenham estas funções, que margeiam a estereotipação. Mas creio, também, que estamos evoluindo para coisas melhores na representatividade e que o caminho é de luz”

Sonho interpretar uma nordestina sem me sentir podada por isso. Algo que vá além da “moça do vestido florido” – Dani Gondim

Dani Gondim celebra a inclusão dos nordestinos na teledramaturgia, mas contesta a folclorização do Nordeste (Foto: Luís Moraes)

PASSARELAS

Dani Gondim começou a carreira como modelo. Com cerca de 12 anos chegou às passarelas, algo que surpreendeu a si e à sua família naquele momento da vida. “Fui chamada por algumas agências que gostariam de ter a mim na São Paulo Fashion Week e minha família não entendia a razão. Em uma das minha primeiras campanhas internacionais, eu viajei com eles, que tentavam me tranquilizar no caso de alguma frustração nesse sentido. Eu estava em meu período de férias escolares. Porém, acabei sendo recordista de desfiles. Quando esse cenário internacional começou a ser ventilado efetivamente, eles se assustaram e eu voltei para Fortaleza, para concluir os meus estudos”, relembrou.

Perguntada sobre haver vivido ou presenciado alguma situação de assédio, Gondim relata que não, pois sua família possuía um amparo financeiro que lhe permitia estar num apartamento próprio custeado por seus pais. Porém, havia outras “meninas que dividiam a casa com outras. Pessoas que nunca se viram. Além do fato de que algumas agências eram muito pouco cuidadosas, por mais que reconheça ser algo difícil controlar um número muito grande de jovens. É algo muito complexo”. Prossegue dizendo que quando começara na carreira era permitido que meninas com menos de 16 anos estivessem nas passarelas, mas, segundo ela, “isso foi banido. Há muitas coisas a se rever. Uma delas á a vulnerabilidade das profissionais que, por vezes, recebem mais dinheiro do que os seus pais e em muitas das situações estão morando em cidades grandes e sem o amparo de um adulto”. Conta-nos ela que o fato de estar acompanhada de seus pais a protegeu de saber de coisas como o tal book rosa, que tornou-se famoso com a novela “Verdades Secretas“. Diz que só foi “saber o que era isso com a novela, ainda que desconfiássemos de que algum dos trabalhos da moças ia para além das passarelas. Nunca ninguém me chegou falando sobre o book rosa”.

Os problemas, de acordo com o apontado por Dani, eram a extrema cobrança estética da qual as moças eram alvo. E eram das mais variadas formas. Uma delas, claro, dialogava com o físico das modelos. O fato de ter um quadril maior, por exemplo, colocava-a em maus lençóis junto às agências europeias. “A Gisele Bündchen, ainda que seja brasileira, tem um corpo europeu, mais reto, sem ser muito torneado. A mim, as agências salientavam que meu quadril era problemático. De tal maneira que só mais madura é que fui usar um biquíni mais cavado.

A indústria da moda podou meu corpo dizendo-o grande e, pejorativamente, classificava-o como um corpo gordo. E eram bem agressivos. Diziam ‘Como você fez Moschino, tendo um quadril deste tamanho?’ ou ‘como a Elle te quer com esse corpo?’. Era algo muito cruel comigo e com as outras pessoas que tinham um outro padrão corporal, além de haver modelos que eram judiadas ou maltratadas diante de sua estética – como por seu nariz, por exemplo – Dani Gondim

Dani Gondim na capa da Elle da Eslovênia. Atriz era chamada de “gorda” pelas agências européias (Foto: Reprodução)

Em razão de seu contato com a moda, e, naturalmente, por também ser atriz, um dos primeiros trabalhos de Gondim na TV foi em “Malhação: Intensa como a Vida” (2012), falando sobre anorexia/bulimia. “Havia, no passado, uma abordagem vulgarizada e uma espécie de apologia à fome, à magreza, ao corpo tido como perfeito. Falava-se sem pudor sobre a pessoa não comer nada ou beber apenas água. Ninguém tinha pudores para falar que, ‘esse brigadeiro vai direto para a sua bunda’. Era algo bem solto. Hoje há, também, um uso deliberado de coisas para emagrecer e tirar o apetite, como se fosse algo natural”, afirma.

Eu achava que o mercado da moda estava curado dessa magreza extrema, quando passei a saber de meninas que usavam remédios indicados para diabéticos como forma de inibir o apetite. Eu duvido que algum médico decente indicaria esse tipo de medicamento! O que me impressiona é que a indústria tenha tornado a pedir isto. Achei que era algo que estava no passado as modelos esquálidas, até que as vi na Semana de Moda de Paris. É a estética do palco. Se o palco está magro, as pessoas irão segui-lo – Dani Gondim

Sobre a possibilidade de voltarmos a ver mulheres magérrimas nas passarelas, Gondim atribui ao que chama de “O capitalismo da beleza. E isto é cíclico, para que as pessoas estejam  insatisfeitas com o corpo delas. Se não for algo cíclico, você atinge aquele objetivo e pronto. Mas, não, a pessoa é constantemente tentada a estar insatisfeita para que possa gerar consumo”, teoriza.

A arte de Kallil Nepomuceno com a belíssima Dani Gondim como protagonista da campanha para o DFB Festival de 2022 (Foto: Eduardo Abreu)

Um dos eventos de moda dos quais Dani participa é o DFB Festival, evento multiplataforma da sinergia entre moda, cultura, capacitação, empreendedorismo e música, que acontece em sua terra natal, o Ceará. “Sou apaixonada pela moda cearense. Tenho amigos nordestinos e gente que devia estar sendo aplaudida pelo mundo inteiro. São criativos, trazem as características primordiais e a essência do Nordeste”. Gondim destaca a mudança do público consumidor do Festival. “Hoje, a primeira fila é de influenciadoras, e com o celular há gente filmando. De modo que não há a necessidade de se esperar o dia seguinte, para ver a coleção que desfilou. Ficou inclusivo, democrático”.

Dani também fala sobre a importância de se consumir a moda com consciência. “Temos que consumir de maneira consciente, para não ficar essa profusão de fast-fashion e poluição  que estamos fazendo no mundo. É produzida mais roupa do há que corpo para vesti-las”. Esta é uma das filosofias de uma ONG que a atriz coordena, a “Povo do Mar“, que a além de discutir a preservação ambiental também oferece aulas de reforço a crianças em condição de vulnerabilidade.

Dani Gondim no DFB 2022 e a essência da moda autoral (Foto: Eduardo Abreu)

PLANETA DOCE

No dia 11 de março estreou o programa “Bake Off Celebridades“, no SBT. Dani mostra a verve confeiteira. “Comida é uma forma de felicidade. Eu sempre quis aprender coisas para agradar os meus familiares. A comida ocupa um lugar do cuidado. É um abraço em forma de ações”. Ainda que não seja uma pessoa desconectada dos fogões, a artista “cozinhava por sentimento, fazia as coisas meio que no olhômetro. Descobri com o “Bake Off” que a confeitaria é uma ciência quase exata. Não existe colocar algo a mais ou a menos influenciado pela cabeça. Tive esse aprendizado”.

Na competição apresentada por Nadja Haddad, o desafio maior, para a competidora foi “o tempo, que é muito reduzido, e eu não funciono sob pressão. Fico nervosa, sou perfeccionista. Mas deu certo, tenho mão para a confeitaria, ainda que perdesse muito tempo nos detalhes, acabamentos e decoração, por mais que tudo isso seja levado em conta do reality”.

O Bake Off é uma competição e dentro de uma habilidade que não é exatamente a minha. Isso é muito estranho. Competir com eliminação é difícil por que todo mundo se apaixonou, se uniu de forma tão solidaria e verdadeira que ajudávamos mutuamente. Jamais pensei que fosse chorar por um bolo – Dani Gondim

Dani Gondim no Bake Off Brasil (Foto: Lourival Ribeiro/Divulgação – SBT)

Dani prepara o lançamento de um curta, dirigido por Marcos Gomes chamado “Nuvens de Chantilly”, no qual terá uma música cantada e escrita por si na trilha sonora. “Eu escrevo desde muito nova e foi o meu primeiro lugar artístico. Marcos queria uma música autoral na trama e acabei escrevendo uma para a trilha do filme. Lançaremos esta e temos outras preparadas para lançar, ainda que eu não tenha a intenção de me colocar como cantora profissionalmente”. Ainda que não tenha a intenção de transformar-se em cantora. Dani Gondim tem a musicalidade da sua terra. Lugar onde Belchior (1946-2017) é chamado com circunflexo – Belchiôr. As velas do Mucuripe levaram-na para desfilar o Brasil pista afora, naquela estrela que era dela. Na letra que inventara, talvez seja possível rememorar Patativa do Assaré (1909-2002), que dizia: “Na minha pobre linguagem, a minha lira selvagem canta o que a alma sente. E em meu encerra as coisa de minha terra, e a vida de minha gente”.