* Por Carlos Lima Costa
A violência contra a mulher, assunto recorrente nas manchetes de sites e jornais, é o tema que permeia os dez episódios de Não Foi Minha Culpa, série dramática do canal de streaming Star+. Eternamente lembrado como o Said, de O Clone, Dalton Vigh, que desde 2018, na televisão tem se dedicado às novelas voltadas para o público infantil – primeiro As Aventuras de Poliana e, atualmente, Poliana Moça, no SBT -, participa de uma dessas histórias com temáticas contundentes que narram violência verbal, física e sexual. Ele faz elogios à contemporaneidade da produção jogar luz sob um tema relevante com tantos casos de feminicídios e agressões no Brasil.
“É inexplicável, eu não sei o que está acontecendo com o povo. Enfim, é uma tragédia diária pelo que se tem notícia. Então, acho extremamente importante apresentar um trabalho como esse para o público e com a forma que é feita a abordagem”, enfatiza, acrescentando: “A Star+ poderia liberar esses episódios para que todo mundo pudesse assistir, porque é importante a discussão sobre o feminicídio. Uma desvantagem do streaming talvez seja essa, que ele não é acessível para uma camada da sociedade. Tem assuntos que deviam entrar na TV aberta ou liberar para todo mundo. Tem muita coisa interessante sendo produzida, que poderia acessar mais pessoas”.
Dalton também está na minissérie “A Casa das Sete Mulheres“, que acaba de ser disponibilizada, no Globoplay. E, no mesmo streaming, integra o elenco de “A divisão“. Já no Prime Video, está no longa-metragem Corpos Celestes. No começo da pandemia, além da novela do SBT, Dalton esteve no ar em reprises como O Clone, primeiro no Viva, depois na Globo, e Fina Estampa.
Na trama Não foi Minha Culpa, gravada em meados do ano passado, Dalton participa do terceiro episódio interpretando João, casado com Estela (Sandra Corveloni), e a filha deles, Joana (Gabrielle Joie) é estuprada e assassinada por jovens de classe média alta. “Acho que a visão machista acaba engatilhando esse tipo de violência. Essa agressividade, essa compulsão pela violência é meio do ser humano, que gosta de fazer guerra. É só ver o mundo. Desde que estou vivo, nunca teve um momento no mundo que não tivesse rolando uma guerra em algum lugar do planeta. Quer dizer: o ser humano tem essa veia beligerante e é óbvio que o machismo se aproveita da ideia de que o homem é mais forte, o homem pode, o homem é isso e a mulher é aquilo. São as duas vertentes: a natureza humana e esse machismo e o único argumento é a violência. Enfim, não sei explicar, não consigo entender como isso acontece, como funciona na cabeça do cara, como ele chega à conclusão de que pode agredir, machucar e até matar. Não consigo conceber o estupro. É diabólico usar a força para ter o que quer, sem se importar com o que a outra pessoa está pensando a respeito”, enfatiza.
Pai de dois meninos gêmeos, Arthur e David, de apenas seis anos, Dalton, na medida que pode orienta os filhos para que não sejam machistas ao se tornarem adultos. “Sempre falo para eles: ‘Não batam em ninguém’. Eles não são briguentos, mas criança tem essa coisa, não está contente com algo, dá um tapa na cara da outra. Eu estou tentando não estimular esse tipo de comportamento. Tento sempre dissuadir da birra, fazer com que usem a cabeça, em vez dos punhos para resolver as questões”, explica ele, que está na reta final das gravações de Poliana Moça, participando de um grande número de cenas por dia, mas no ar a exibição deve ir até março ou abril. “O SBT sempre trabalhou com uma frente grande de capítulos. Foi por isso que durante os meses iniciais de quarentena, quando todas as produções pararam, As Aventuras de Poliana era a única novela inédita no ar”, ressalta ele, ansioso pelas férias. “Quero ver se a gente viaja para algum lugar, que eu não consegui fazer nenhuma viagem com as crianças até agora, porque era gravação de novela, depois teve pandemia, aí gravação de novela e aula”, diz Dalton, que planeja montar uma comédia, no teatro, em 2023.
TRAMAS DO SBT O APROXIMAM DOS FÃS INFANTIS
Nas duas tramas, ele da vida a Otto, pai da personagem título, interpretada por Sophia Valverde. “Em Poliana Moça, ele segue a mesma linha, é o mesmo Otto de sempre, mas está em outro momento, com um relacionamento e lidando com as questões de crescimento de Poliana, que está na adolescência. É ele, transformado, o que é interessante de se fazer do ponto de vista do ator”, explica.
A paternidade contribui com sua interpretação. “Não tem semelhança com a vida real, mas o sentimento sim, o olhar de pai. Ter os meninos me ajudou nesse sentido, porque antes era tudo na imaginação. Hoje, tenho exemplos concretos que me facilitam na ficção. Mas são idades e questões diferentes. Até a forma das broncas, comum em todos os pais, é diferente”, aponta.
A agressividade, essa compulsão pela violência é meio do ser humano, que gosta de fazer guerra. É só ver o mundo. Desde que estou vivo, nunca teve um momento que não tivesse rolando uma guerra em algum lugar do planeta – Dalton Vigh, ator
Com as duas tramas do SBT, Dalton viu surgir um novo perfil de fãs, já que o trabalho mais próximo havia sido Malhação, voltada para o público juvenil. “É muito genuína a demonstração de carinho, de fascínio e encanto que as crianças tem. A fantasia mexe com elas de outra forma. É recompensador, muito mais puro. Pra citar um exemplo, enquanto você interpreta algum galã, você recebe muita cantada e com criança a aproximação é por outro motivo. Não é por conta da sua aparência, mas, sim, do personagem. Isso é interessante. Eu tive essa experiência quando era criança, fui superbem recebido por um ator que fazia um trabalho que eu era fã, a novela O Príncipe e o Mendigo (em 1972, da Record). Foi o Sebastião Campos (atualmente com 92 anos), que fazia o tutor do príncipe, que ensinava esgrima. Era uma novela de época e eu adorava. Um dia, em São Paulo, estava com a minha avó e acabei encontrando com ele, que foi gentil. E eu sei retribuir esse gesto de carinho que ele teve comigo e faço questão também de atender as crianças quando dá”, explica.
Ao mesmo tempo que Poliana Moça faz sucesso no SBT, As Aventuras de Poliana está disponível na Netflix, trama que constantemente aparece no Top 10 das produções mais assistidas no Brasil. Apesar da temática infantil, sendo que a atual atinge também o juvenil, os filhos de Dalton não acompanham a trama. “Sempre achei que ia estar forçando algo, tipo: ‘olha o papai aqui, olha que legal’. Mas já calhou da gente estar sentado assistindo televisão e aparecer uma chamada de algum trabalho, e eles falarem: ‘o papai’. Eles ainda estão processando isso, fazem várias perguntas a respeito do meu trabalho. Até os levei um dia na gravação para entenderem melhor, ver as câmeras.
Os meninos entendem o que é ser ator. “Sim, porque a mãe também é atriz (Camila Czerkes), e já me viram no teatro também. Quando estive em cartaz, em 2019, com a peça Caros Ouvintes, eles assistiram um trechinho, o começo da peça. E, às vezes, mostro cena de making of de filme que assistiram para explicar para eles: ‘O Homem Aranha voa, porque tem um cabo segurando o ator. Não é para vocês tentarem fazer que nem ele’”, observa.
SEM MUITA CONEXÃO COM REDES SOCIAIS
Por outro lado, os meninos já estão começando a desenvolver o interesse por jogos, uma característica que não tem a ver com Dalton. “Eles estão começando a perguntar sobre Minecraft e Roblox, mas eu, particularmente, não sou muito apegado a celular. O único game que me veem jogando no celular é xadrez. Aí querem saber como é, mas ainda é difícil explicar para eles o movimento das peças. Eles me perguntam se eu jogava videogame. Então, lhes prometi um Pac-Man. Pra ter uma ideia, quando ele foi lançado, eu já tinha 18 anos. Nem era muito ligado, na minha época o que existia era fliperama. O estarmos juntos, participar, é o mais legal. Fico vendo desenho com eles para acessar o universo que estão vivendo, os personagens que curtem. Às vezes, acabo dando um exemplo”, diz.
Dalton também não tem uma conexão efetiva com as redes sociais. “Eu tenho, mas proforma. Não posto o meu dia a dia, e, sim, trabalho. Também não tenho a vontade de colocar meus filhos nas redes. Não gosto muito da ideia. Sou bem antiquado. Eu tenho um pé atrás”.
Se colocar na balança, não sei se as redes sociais foram benéficas ou estão sendo maléficas para a humanidade como um todo, porque antigamente não tinha hater, ostentação, essa necessidade de exposição. Hoje em dia, todo mundo é celebridade ou pelo menos quer ser. Não sei se isso é muito bom pra gente como espécie humana – Dalton Vigh
Criou-se um mundo artificial, onde as pessoas mostram o que não são e o que não tem ou idealizam ser como alguém, que no fundo usa filtros ou está de tal forma por conta de plásticas. “Eu não participo desse mundo, nunca fui convidado para fazer parte. É algo muito doido. Sempre gostei muito de ficção científica. Quando eu era criança, assistia Jornada nas Estrelas, Planeta dos Macacos, que tinham uma mensagem de reflexão sobre o que estávamos fazendo com o mundo e como ia ser o nosso futuro. Mas tinha uma certa esperança. Eu via esses filmes, 2001 – Uma Odisseia no Espaço, via a tecnologia e imaginava que a gente ia estar viajando para o espaço”, lembra.
Fico vendo o mundo de hoje, de como as aparências são muito mais importantes do que a essência. Que derrota para a humanidade – Dalton Vigh
“Estamos presenciando discurso de ódio, polarização, haterismo nas redes. É muito triste. Era para a gente estar evoluindo espiritualmente, socialmente, politicamente e estamos regredindo. Não sei se estou parecendo meio pessimista, mas muito do que vejo me faz pensar isso. Às vezes, a gente vai tocando a vida sem ter a reflexão do que estamos fazendo com ela e acho que as redes sociais atrapalham nesse sentido. Por exemplo, até o propósito delas acabou se transformando no passar dos anos. O Instagram surgiu como uma rede social de fotografia e acabou virando uma forma das pessoas comercializarem produtos. O Facebook era uma forma de encontrar amigos, virou agência de notícias.
Tudo hoje em dia é para entender os hábitos do consumidor, para ficar sugerindo produtos quando ele está na rede. É meio sórdido de certa forma, é mascarado, tipo ‘olha que bonito, estamos aproximando pessoas’. Na verdade, colhem dados sobre o que cada um faz na vida. E essa profissão de influencer, eu sempre achei meio estranha – Dalton Vigh
INVESTIMENTO NA EDUCAÇÃO
Em relação a discurso de ódio, ao momento conturbado da política no Brasil, ele concorda que mais importante que a questão de esquerda ou direita, é a troca de ideias. “É assim que se faz uma democracia”, avalia ele. Sobre a eleição presidencial, em outubro, e diante de reiteradas ameaças a democracia, é enfático: “Espero que prevaleça o bom senso e não o ódio, o medo, que marcaram as últimas eleições. Estamos em momento delicadíssimo por um problema que vem se arrastando faz tempo, que é o da educação do brasileiro, no sentido de explorar as capacidades intelectuais de cada um. A meu ver não há interesse das autoridades. O que falta no Brasil é exatamente isso. Sempre se pensou no momento que aquele determinado governante está ali e como faz para continuar ali. E não se preocupa com o povo, que é o que constitui a nação. Vivemos esse momento de sangue nos olhos por conta dessa falta de investimento em educação, em formação das pessoas. É um problema antigo.”
O SUCESSO EM O CLONE E MEMÓRIAS DO PRIMEIRO TRABALHO NA TV
Dalton recorda de O Clone, um de seus maiores sucessos. A primeira memória de todas que vem na sua cabeça da época que interpretou Said é o 11 de Setembro. “A gente estava gravando, ainda não tinha estreado a novela, quando aconteceram os atentados (as Torres Gêmeas, em Nova York). A novela quase não foi ao ar, porque no começo já se especulava sobre o envolvimento do fundamentalismo islâmico e O Clone tratava de islamismo. Alguns ficaram com certo receio de ter rejeição por parte do público. Mas no final, a novela foi para o ar e foi um sucesso. Durante um tempo, achava que parte desse sucesso era por conta dessa certa curiosidade das pessoas sobre o islamismo, que não temos muito contato no Brasil. Mas depois de tantos anos e vendo o sucesso em países onde existe esse contato, vejo que tem mais a ver com a história que a Gloria (Perez) criou de um amor impossível, um Romeu e Julieta moderno, que não tomaram veneno nem se esfaquearam, e conseguiram ficar juntos no final da história”, reflete.
Said é um marco na carreira do ator, mas existe um personagem que não teve a mesma repercussão e lhe traz grandes lembranças. “O Venturinha, que marcou minha estreia na TV, em Tocaia Grande (1995), na Manchete, era delicioso de se fazer, porque ele era um vilão, mas era meio cômico, como se fosse uma réplica do Tonico Bastos, de Gabriela, que era filho de coronel, mimado, que só gostava de ir para as casas de tolerância e no final virou o grande vilão, tanto que ele acaba morto com um tiro na testa. Achei legal gravar esse tipo de cena de faroeste. Comecei sendo dirigido pelo Régis Cardoso (1934-2005) e depois trocou para o (Walter) Avancini (1935-2001) e uma conversa com o Avancini sobre interpretação, sobre o que é ser ator, sobre o que é necessário para passar a verdade da cena, me valeu mais do que quatro anos de teatro que eu já tinha feito na (Casa do Teatro) Célia Helena. Foi muito bom saber que ele gostou do meu trabalho. Gostaria muito de poder rever, mas nem sei se ainda existe essa novela”.
Ele também guarda boas lembranças de A Casa das Sete Mulheres, de 2003. “Na minha memória, ficaram gravadas as viagens, fomos para Pelotas, Uruguaiana, pra não sei aonde. Na época, eu fazia teatro em São Paulo, então, foi bem puxado fisicamente e emocionalmente. Gravamos cenas, no Rio, em pleno verão carioca, reproduzindo o inverno gaúcho, com roupas pesadas em cima do cavalo. E muita cena de luta, batalha. Foi superlegal do ponto de vista artístico, até de realização pessoal, de ter vivido a brincadeira de infância, de lutar de espada, trocar tiro, andar a cavalo”, recorda.
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