Cris Vianna vive em ‘Arcanjo Renegado’ função nunca ocupada por negros e mulheres e integra projeto musical na Globo


A segunda temporada de “Arcanjo Renegado” traz novos personagens. Dentro os quais, Maíra, vivida por Cris Vianna. Ela também anuncia investimento maior na música, gênero do qual iniciou sua carreira. Artista antecipa-nos que está desenvolvendo projeto autoral no segmento, além de estar em “Musa Música”, seu primeiro projeto musical em dramaturgia e um dos primeiros da Globo na área. A atriz estará também em “Beijo Adolescente”, na Amazon. Depois de haver sido destaque e rainha da bateria em algumas ocasiões, Cris Vianna celebra o protagonismo afro na narrativa do carnaval

*Por Vítor Antunes

Uma menina-mulher que começou a carreira cantando num grupo musical chamado “Black Voices”, virou musa de clipe famoso e transformou-se em modelo de beleza e assim ganhou o mundo. Esta é Cris Vianna. Em entrevista ao Site Heloísa Tolipan, Cris falou um pouco sobre a série “Arcanjo Renegado“, na qual descobrimos que o seu papel – o de presidente da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro – nunca foi ocupado por negros e/ou mulheres. Além desta, Vianna estará na série “Beijo Adolescente” e no primeiro projeto musical da Globo, a série “Musa Música”. Embora tenha uma carreira musival prévia, este último trabalho vem no rastro do sucesso da atriz no show musical “Masked Singer”, da Globo, no qual era uma misteriosa arara. Cris também fala da importância do protagonismo afro em manifestações culturais de raiz negra, como os desfiles de escola de samba, e comemorou o fato de Exu, núcleo do enredo da Grande Rio, haver levado a agremiação ao seu primeiro título: “Exu venceu”.

A versátil Cris Vianna (Foto: Ernesto Baldan)

A LEI DOS FORTES

Em “Arcanjo Renegado”, favela-movie da Globoplay, Cris Vianna vive Maíra, a presidente da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro. Uma política íntegra e incorruptível. Aliás, o prazer de Cris em representar Maíra revela também uma falta: em nenhuma ocasião, o estado do Rio de Janeiro teve uma mulher como líder da Alerj – se contarmos apenas a partir da fusão com a Guanabara, pós 1975. Igualmente não houve, entre os 11 homens, um negro a ocupar o cargo. Talvez o ineditismo da situação tenha feito a intérprete buscar uma referência contundente, ainda que estrangeira “Pensei em grandes mulheres que me inspiram como a Michele Obama, entre outras”. Michele, bem como seu marido, Barack Obama, foram o primeiro casal afro-americano a ocupar a Casa Branca”.

A atriz define sua personagem como “uma mulher forte, determinada e inflexível. É inteligente, firme e que não se corrompe por nada. Tem sua forma de pensar muito clara e luta intensamente por tudo que acredita. Por ser ética e correta, tem poucos e fiéis aliados. Talvez seja uma das personagens mais desafiadoras que já fiz. E me sinto muito honrada de poder interpretar uma mulher com esse poder, de supervisionar os trabalhos da Assembleia, de representar a Casa. Foi um dos maiores presentes da minha carreira, sem dúvida”, pontua.

Cris Vianna emplaca três projetos no streaming (Foto: Ernesto Baldan)

Cris Viana quer investir na carreira musical em paralelo à de atriz (Foto: Ernesto Baldan)

Além deste trabalho, Cris estará em “Beijo Adolescente”, da Amazon, que, por questões contratuais, a atriz não pode revelar muito, além de que trata-se de “uma série renovadora. Faço uma professora que acredita que os jovens são o melhor do nosso futuro”.

MÚSICA, DIVINA MÚSICA

Uma das primeiras aparições de Cris Vianna no vídeo foi no clipe do sucesso popular “Inaraí”, do Grupo Katinguelê, em 1998. A atriz também antecipa um pouco de seu trabalho em “Musa Música”, da Globoplay. Na trama criada por Rosane Svartman, o elenco contará com os atores Nicolas Prattes, Malu Rodrigues e Dan Ferreira. Cris fala de sua personagem: “Interpreto a Fafá, que é mãe de um casal de filhos lindos. Ela é uma mulher trabalhadora, cheia de energia e muito decidida. Tem uma família maravilhosa e é uma mulher independente e cheia de vida. É uma mãe super protetora”, diz.

Uma das primeiras aparições de Cris Vianna na TV: O clipe de “Inaraí”, sucesso popular do grupo Katinguelê, gravado em 1998 (Foto: Reprodução/TV Manchete)

A participação da atriz nesta série vem após o sucesso de sua participação no “Masked Singer”, da Globo. Esta não foi a primeira experiência dela na música, pois que iniciara sua careira no grupo musical “Black Voices”. “A música sempre fez parte da minha vida através das aulas de canto e de alguns espetáculos musicais. Como artista, a primeira coisa que fiz na minha carreira foi cantar em um grupo. Depois, quando já estava me formando, fiz cinema e, só posteriormente, novela. Muita gente já conhecia esse meu lado dos musicais, mas  o ‘Masked’ me proporcionou um outro lugar, uma outra experiência dentro do canto. Foi mágico!”

Pretendo investir mais na música. Já tenho um projeto sendo alinhavado – Cris Vianna, atriz

Cris Vianna foi a Arara do “Masked Singer” (Foto: Kelly Fuzaro/Divulgação TV Globo)

O FIO DA NAVALHA 

O filme que trata sobre o sequestro do ônibus 174 talvez tenha sido o primeiro grande momento da carreira de Cris Vianna no cinema. No longa de Bruno Barreto, a atriz viveu Marisa, uma mulher que abandona a adicção ao converter-se à religião evangélica. Conta-nos ela sobre o processo de preparação que a levou à personagem: “Vivi de perto a vida de algumas pessoas da comunidade ao dormir na casa de uma colega por quase 10 dias. Pude acordar e vivenciar um pouquinho do dia a dia e também fui em alguns cultos evangélicos como laboratório para a fase em que a Marisa se converte. Tive diversos papos para entender aquela mulher junto com incríveis preparadores. Sem contar a relação com o Bruno [Barreto] que foi boa e seguiu bem durante todo o processo de filmagem”.

Uma parte do processo que a fez chegar à personagem foi despir-se da vaidade, já que Marisa, não “pedia” isso. Cris conta-nos que “não fez as unhas e sobrancelhas, por exemplo”. Outros expedientes dos quais tanto ela como a equipe de caracterização usaram foi o de envelhecê-la e trazerem-na a uma outra expressão corporal: “Deixaram o meu cabelo grisalho e tive que usar um sutiã de alpiste para dar peso nas costas e assim mudar um pouco a postura”.

Cris Vianna no filme “Última Parada, 174”, no qual vive Marisa (Foto: Reprodução)

Embora difícil, a delicadeza da atriz para o compor valeu a ela prêmios como o “Contigo de Cinema”, de Melhor de Atriz, em 2009. Razão pela qual, ela o dispõe com zelo na parede da memória: “Tenho muito orgulho de ter participado desse grande projeto e, principalmente, de ter dado vida à Marisa”.

Embora tenha vencido prêmios e estivesse numa carreira em ascensão, Cris viveu uma experiência comum e recorrente às atrizes negras na teledramaturgia. Naquele ano, 2008, interpretava a empregada doméstica Sabrina, na novela “Duas Caras”. É possível estabelecer um comparativo desta com outra diva negra, Zezé Motta, que ao ganhar o mundo sendo premiada por “Xica da Silva”, foi convidada a fazer uma secretária do lar num especial da Globo. Zezé contou à Revista Vogue que “Após o filme , recebi um convite para ir à Globo (fazer) o (programa) “‘Caso Especial’ – Festa de Aniversário” adaptado da obra de Clarice Lispector. Achei que estavam me convidando para um papel incrível. Só que quando eu cheguei lá, vi que era para servir doces. Uma figuração”.

Cris Vianna e Dudu Azevedo em “Duas Caras”. Sabrina era uma mulher negra fetichizada pois que tinha um caso com o filho de seu patrão (Foto: Divulgação TV Globo)

Ou seja, até bem pouco tempo atrás, cabia às atrizes negras não apenas os personagens subalternizados – reflexo do comportamento social do país – como papéis que não tinham história e orbitavam em torno da importância de seus patrões. No caso de Cris, não obstante a isso, Sabrina ainda tinha um caso com o filho do patrão. Nesta trama, o destaque vivido pela personagem dela deu-se por um fato insólito, quando, numa cena cômica, ela precisou colocar no colo a patroa, Gioconda, vivida por Marília Pêra (1943-2015).

A atriz diverte-se ao lembrar do momento: “A personagem da Marília recebia uma notícia e desmaiava. O diretor pediu que eu levasse [Gioconda] no colo até o quarto. Na época, eu fiquei morrendo de medo de deixar a Marília cair e pedia a Deus que isso não acontecesse!”, diverte-se. A atriz continua dizendo que “foi sorte que Marília era leve e foi super gentil comigo. Tivemos uma troca ótima. Hoje, posso dizer que também tive esse presente na minha carreira”. Além desta novela, ainda que num personagem pequeno, a parceria com Aguinaldo Silva se estendeu para outras produções como “Império” e “Fina Estampa”.

SINFONIA DE ORIXÁ

Cris Vianna iniciou a carreira como modelo. Nesta época e, nas outras fases subsequentes, a moda não era inclusiva. Eram poucas as modelos negras nas agências. Cris conta-nos que “praticamente uma negra em cada agência. Fiz várias entrevistas e testes até conseguir entrar no casting de uma delas. Foi quando comecei a modelar de verdade e a fazer mais testes para desfiles e comerciais. Todas as campanhas e os desfiles que fiz foram, pra mim, movimentos de muitos desafios. Foram muitos testes e filas de espera por aprovação até conseguir, com sucesso, meus primeiros trabalhos. Desfilei para São Paulo Fashion Week, Semana de Moda, Dragão Fashion, Paco Rabanne, Versace, Vera Arruda, entre outros”.

Ela, inclusive, chegou a fotografar com a übermodel negra, a inglesa Naomi Campbell, uma referência para meninas pretas e, especialmente, a ela própria: “Ter fotografado com a Naomi foi um presente, porque ela era uma referência pra mim. Quase todos os trabalhos de moda que eu era chamada para fazer, que eu conquistava, tinham como foto de referência uma imagem dela. Sendo assim, quando fotografamos juntas, foi lindo, um momento muito especial pra mim”.

Ainda sob a temática afirmativa, Cris, que já foi rainha da bateria da Imperatriz Leopoldinense, falou, também sobre a recente vitória de uma escola de samba a qual também reinou, a Acadêmicos do Grande Rio. No último carnaval, a agremiação de Caxias trouxe o orixá Exu como enredo. O carnaval carioca existe desde os anos 1930. E, em menos de dez ocasiões, um orixá foi o tema central do enredo. Exu, embora de fundamental importância nos ritos afro, é a entidade mais envolta em preconceitos, de modo que nunca houvera sido homenageada até então.

Isto se deve ao preconceito, muitas vezes, naturalizado no país. Mais do que importante, eu acho necessária e urgente uma maior existência do protagonismo negro em todas as esferas artísticas e em suas respectivas narrativas. Quando falamos do carnaval de Avenida, por exemplo, o protagonismo sempre foi negro. Foram (e são) as pessoas negras, em sua grande maioria, que fazem, de fato, a magia do carnaval acontecer. E sempre foi! – Cris Vianna

Cris Vianna desfilando pela Imperatriz Leopoldinense (Foto: Gabriel Monteiro/RioTur)

A atriz prossegue dizendo que “a narrativa afrorreligiosa também sempre fez parte do carnaval e representa uma fatia muito importante da nossa história e ancestralidade. Trazer esse tema para a Avenida é o mesmo que educar, transformar em conhecimento o que muitos ainda desconhecem, é transformador! É preciso que as pessoas conheçam e respeitem, mesmo que não façam parte. Ver Exu vencer foi uma vitória!”

Os relatos míticos da tradição iorubá são chamados “itãs”. Num deles, conta-se que “Exu matou um pássaro ontem, com a pedra que arremessou hoje”. Ou seja, ele reorganiza a compreensão convencional do tempo. Abrimos esta matéria falando que o cargo ocupado por Cris na série “Arcanjo Renegado” nunca foi ocupado por negros. E encerramos dizendo que em todos os subtítulos usados nesta matéria, baseados em filmes clássicos e outros que venceram o Oscar, em nenhum deles, há negros em posição de destaque. A Cris foi dada a chance de reconstruir o futuro, talvez por que sua arte, tal como Exu, é movimento.