Longe das novelas desde ‘’A Regra do Jogo’’, que foi exibida em 2015, Cris Vianna retorna às telinhas para viver Cairu, uma escrava sobrevivente do naufrágio do Albatroz no ano de 1886, em ‘’O Tempo não Para’’, nova produção de Mario Teixeira. Ambientada em São Paulo, a trama vai contar a história de uma família imperial escravocrata e de seus agregados que são congelados e despertam mais de 100 anos depois em uma sociedade cujos costumes e valores são diferentes, abordando assim os impactos que o fim da escravidão tem no Brasil até os dias atuais. ‘’A novela vai falar muito de como começamos, do porquê estarmos em tal situação e aonde chegamos até agora. Eu acho que a novela tem um discurso muito inteligente, porque ela começa em 1886 e ela desperta em 2018. Olha que mudança, né?’’, conta a atriz que já está em período de gravação.
Vista como a deusa do ébano, a personagem de Cris Vianna vai, inicialmente, trabalhar na casa de Dom Sabino e Dona Agustina, interpretado por Edson Celulari e Rosi Campos, respectivamente. Embora a beleza seja um dos atributos que se destaca à primeira vista, Cairu vai mostrar para o que veio com a sua inteligência e desenvoltura na hora de se inserir nessa nova sociedade. Para Cris, que luta ativamente contra o racismo, interpretar novamente uma escrava nos dias atuais é um processo de grandes emoções. ‘’Está sendo uma honra poder falar sobre o assunto e ser uma escrava dentro desse contexto atual. É muito delicioso o meu trabalho, porque eu me envolvo emocionalmente durante o processo inteiro. É algo gradativo, cada história nova que chega, cada papo que a gente troca’’, conta.
É impossível ignorar o fato de que o Brasil é um país no qual o racismo é um problema velado. No entanto, Cris Vianna tem esperanças de que o público receba a novela como um alerta para a tão necessária transformação de pensamentos e atitudes. ‘’Eu espero que o público receba a linguagem e a ideia inteligente que o ator está propondo com carinho e muita atenção. Viemos de uma escravidão e é preciso entender o que isso trouxe para a gente. Delicadamente, a gente vai contar essa história que parece que muita gente esqueceu ou que não quer mais ler ou falar sobre isso’’, explica.
Os dados com relação à participação de negros em produções televisivas são tão tristes quanto os do cenário cinematográfico, que segundo pesquisa realizada pela Agência Nacional de Cinema (Ancine) em 2016 apenas 13% de artistas negros compõem o elenco das produções. Inspirada por nomes como Zezé Motta e Ruth de Souza, Cris Vianna entrou no âmbito artístico sabendo que não seria tão fácil encontrar nomes nos quais se inspirar. Portanto, para ela, a sua arte é uma forma de militância na vida dela. ‘’Cada personagem que eu faço, eu penso na importância que ele tem para as minhas meninas, para o futuro das minhas crianças. Estamos trabalhando para que as nossas Marias e Joanas, as nossas pretinhas que estão vindo tenham mais oportunidades e que seja melhor do que está’’, declara.
Assim como as suas inspirações, que são pioneiras na introdução da mulher negra na teledramaturgia brasileira, Cris já interpretou papéis que são considerados estereótipos, como a doméstica Sabrina em ‘’Duas Caras’’ e a dançarina Drica em ‘’América’’. Contudo, em sua visão, apesar de concordar que os negros ainda são em sua maioria escalados como personagens menores, os seus trabalhos não entram na caixinha estereotipada. ‘’Eu nunca interpretei um estereótipo, eu interpretei história. Acho que se isso acontecer comigo, eu vou ter a oportunidade de conversar com aquele que está me convidando para fazer o personagem ou para fazer o teste. Hoje em dia, eu já alcancei, ao longa da minha vida, uma necessidade interior de poder falar sobre as questões que me incomodam’’, conta.
Além da arte, Cris Vianna, que foi vítima de racismo na internet em 2015 através de comentários maldosos no facebook após ter publicado uma foto na rede, acredita que é preciso criar ações que mobilizem o debate para além da comunidade negra. Em maio deste ano, a atriz foi convidada a participar do III Jantar Beneficente Sim à Igualdade Racial, organizado pelo Instituto Identidades do Brasil (ID_BR), no qual foi jurada em algumas das categorias do prêmio que prestigiava figuras públicas ou projetos que contribuem para a luta contra a desigualdade entre raças. No entanto, para ela, apesar do evento ter batido na tecla de que o racismo é um problema de todos e trazido à luz a realidade dessa comunidade, ainda é uma atitude que perpetua de certa forma a ideia de que o racismo só deve ser combatido pelos negros. ‘’É muito triste quando a gente deixa isso muito claro. Um evento como esse, por exemplo, parece que os negros que têm que promover, parece que só nós que temos que dar continuidade e não deixar morrer a luta. A gente vai continuar a fazer porque essa é uma luta histórica’’, desabafa.
Outra questão que a atriz busca sempre levantar é com relação à educação. Apesar de perceber um avanço no âmbito social, Cris Vianna ainda acredita que há um longo caminho a ser percorrido. E para ela a base para continuar essa transformação está inserida dentro das salas de aula. ‘’A educação para mim é um ponto fundamental de todas as questões que nós temos vivido. Quando você coloca a educação e respeito em relação a tudo, você passa a enxergar esses lugares diversificados com uma tranquilidade maior e da forma que ela tem que ser’’, afirma. Em dezembro do ano passado, a atriz tornou-se garota propaganda da escola de informática Microcamp e do parceiro deles Projeto Meu Brasil a fim de incentivar o investimento educacional nos jovens.
Ser atriz e militante não são os únicos atributos que Cris Vianna carrega no currículo. Como dançarina, Cris já mostrou o seu talento na Dança dos Famosos, quadro no programa do Faustão, no musical ‘’Rio Mais Brasil’’ – onde também cantava lindamente – e durante quatro anos no carnaval carioca como a rainha de bateria da Imperatriz Leopoldinense, escola do bairro Ramos. Em 2017, inclusive, a atriz anunciou que seria o último desfile. E para a tristeza dos seus admiradores, ela não pretende mudar a decisão. ‘’Eu parei de desfilar e é isso. Se eu voltar, eu aviso vocês. Por enquanto eu parei mesmo’’, disse com um sorriso. A relação com a avenida pode até ter terminado, mas o samba sempre será algo presente na vida dela. ‘’ O samba é resistência, ele nunca vai sair da minha vida, é uma paixão’’. Cris ainda completou dizendo que o ritmo, apesar de ter ‘’a cara do negro’’, é um símbolo que precisa ser visto como uma representação do país. ‘’ O samba é brasileiro. Quando o branco me pergunta ‘’Qual a relação do samba com a resistência do negro?’’ eu penso ‘’Por quê pra mim ele tem essa diferença? Por que eu desfilo?’’, questiona.
A verdade é que, com 41 anos, Cris Vianna já deixou bem claro para o que veio. Quem a conhece, se encanta com o seu talento, personalidade e traços exuberantes. Este último, responsável por arrancar suspiros de muitos, continua rendendo à atriz – que já fez carreira nas passarelas por dez anos -, comentários em redes sociais. Além de já ter sido comparada à modelo Naomi Campbell, com quem dividiu a capa da Vogue em uma edição especial em 2015, Cris foi chamada de ‘’Viola Davis brasileira’’ ao utilizar uma peruca curta durante o Dança dos Famosos. Lisonjeada, ela não conseguiu esconder a honra que sentiu ao saber do burburinho. ‘’Que maravilha! Eu tenho caracterizações na minha vida que me fizeram ter o privilégio de parecer com a Naomi, Viola, que são musas que eu acho incríveis. Isso é só uma questão de caracterização ou força interna’’, diz. A admiração pela protagonista de How To Get Away With Murder, série da emissora americana ABC, não termina aí e se depender dela as duas serão melhores amigas. ‘’Eu quero muito conhecê-la, tirar várias selfies. A Naomi tive a oportunidade, a Viola ainda não. Mas vai rolar!’’, brinca a atriz. Quem sabe depois de Cairu, Cris não vai fazer uma ponta na série da Viola, né?
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