*Por Vítor Antunes
Trinta anos de carreira, muitas histórias curiosas e parcerias longevas. Alexandra Richter, no ar na novela ‘Além da Ilusão‘, na Globo; em cartaz no cinema em “D. P. A. 3 – Uma Aventura no Fim do Mundo” e, no teatro, com a peça “A História de Nós 2”, nas três décadas de profissão presenciou o caminhar do ofício de ator e tem um posicionamento contundente sobre o cenário atual. “Em 30 anos, eu vejo que na nossa carreira temos a presença de profissionais de várias escolas ou de não-escolas. Tem gente que vem por experiência por trabalho, há quem venha do nada. Nós batalhávamos muito para viver da arte e existia a sensação de que o artista era mais valorizado e respeitado. Hoje, eu noto que somos perseguidos até pela política, diante da polarização. A internet é um terreno muito bélico, e as pessoas tendem a ser mais agressivas. Vemos também a “Uberização” do nosso trabalho e o recrutamento de atores mediante a quantidade de seguidores na internet, pensada a atender algo estritamente comercial. Parece que o talento ficou em último plano. Porém, o que devemos considerar é que o que não se sustenta não permanece”, argumenta.
Depois de dois anos de pandemia, a artista retornou aos palcos e até o fim de semana passado esteve em cartaz com a peça “A História de Nós 2”, na qual dividia o palco com o ator Mouhamed Harfouch: “A volta ao teatro é muito importante. Tinha a certeza de que ia me emocionar muito. Havia pessoas que compravam o ingresso e me mandavam fotos por inbox, afirmando de que iriam nos assistir. Eu acho isso incrível, o público está mais carinhoso e afetuoso do que nunca”, sinaliza a atriz. O fim de semana em que a peça ficou em cartaz, na Barra da Tijuca, era uma substituição da montagem que seria feita em março de 2020, nas cidades de Fortaleza e Maceió, mês em que o mundo parou. Naquele momento os cenários da peça já estavam na estrada a caminho da capital cearense. Sobre “A História de Nós 2”, Alexandra atribui o seguinte valor: “Trata-se do projeto da minha vida”.
Ainda sobre esta peça, a atriz relata a manutenção de um hábito que faz desde o início da carreira, que é o de ir cumprimentar o público ao fim do espetáculo. Para ela, o gesto é uma forma de gratidão: “As pessoas saíram de casa, enfrentaram a cidade, compraram gasolina – que está caríssima… Sair de casa para ir ao teatro é um ato! Então, cuido da peça como se fosse o da ‘primeira’ estreia”. E atesta, bem humorada: “Talvez hoje eu esteja com algumas hérnias, com medicações, um pouquinho mais lenta… Nos ensaios sempre acontece de doer aqui e ali…”, revela a mãe da acadêmica de Medicina, Maria Gabriela Richter.
A atriz está tendo um 2022 acelerado. Promete mais outra peça para o segundo semestre: “Uma loura na lua”, homenagem à comediante Lucille Ball (1911-1989), que seria apresentada ainda em 2020. A montagem não poderia vir em hora mais oportuna, já que hoje em dia são levantados, no humor, muitos temas relacionados ao protagonismo feminino. “I Love Lucy” foi pioneira ao trazer uma mulher como personagem importante na comédia americana. De lá pra cá, o posicionamento feminino no gênero comédia ganhou outros contornos.
“Acho que as mulheres hoje têm mais voz ativa e autonomia para escolher. A gente se coloca mais no lugar do outro. Perdemos a piada para não perder amigo. Afinal, está tão difícil criar amizades, num momento em que há muita agressividade nas redes sociais. Acho que antigamente o humor era mais machista, por que a sociedade o era. E o humor caminha junto com a sociedade. De dez anos pra cá mudou muito o comportamento e o humor acompanhou essa mudança. Não apenas o humor mudou, mas o que é risível também. Eu nunca gostei de fazer piada capacitista, racista, gordofóbica ou homofóbica, por exemplo. Não que esteja difícil fazer humor hoje, a questão é ter bom senso. Meu humor se calca em situações criativas e engraçadas”, frisa.
E ainda acrescenta: “Eu acho o máximo o Whindersson Nunes, por exemplo, que faz humor de fatos que ele vivenciava, do seu lugar de fala, divulgando um estado pouco projetado nacionalmente, como o Piauí”. Embora haja grandes comediantes mulheres, a atriz afirma que a pandemia não revelou novas humoristas.
Além das peças acima citadas, a atriz celebra a boa aceitação da novela em que participa, a do horário das 18h, “Além da Ilusão”, de Alessandra Poggi. Lançou o filme “D. P. A. 3 – Uma Aventura no Fim do Mundo”, atualmente em cartaz. Gravou um filme em Goiânia, dirigido por Rafael Calomeni, chamado “Horizonte”. O longa conta uma história de amor que nasce na maturidade e tem como protagonistas os atores Raymundo de Souza e Ana Rosa. Neste projeto, Alexandra vive Sônia, uma mulher simplória.
Aliás, em se tratando de pandemia, “Xanda” não passou incólume a ela. Além da remarcação de sua peça, perdeu um de seus mais queridos amigos, o ator Paulo Gustavo (1978-2021). A atriz já estava escalada para a montagem da série “Minha Mãe é uma Peça”. Neta de austríacos, a atriz havia sido desligada da série “Desalma” – que se passa numa cidade de imigrantes ucranianos – justamente para fazer a série que teria em Dona Hermínia a protagonista. “Foi duro aceitar como um cara tão novo, no auge da vida, alguém que era uma explosão de alegria, pudesse haver partido assim. E sabemos a razão: Ele morreu de uma doença para a qual já existia vacina. Há, sim, uma certa revolta, uma certa inconformidade. Mas creio havermos feito uma homenagem muito linda a ele no desfile da escola de samba São Clemente. Eu olhava as pessoas na arquibancada e as via emocionadas”, relata. A escola de samba de Botafogo teve em Paulo Gustavo o seu enredo.
O convite para atuar na novela “Além da Ilusão” surgiu justamente nesse momento enlutado e entristecido: “Foi um presente. Quando o Luiz Henrique Rios (diretor da novela) me ligou, Paulo tinha acabado de morrer e eu estava muito triste. Esse convite foi uma alegria, um presente de Deus, especialmente por eu fazer parte de um núcleo cômico, por ser uma personagem leve”. A atriz diz divertir-se com a sua personagem, e acompanha a novela como se fora telespectadora e não uma das atrizes do folhetim. Além de tudo, exalta seus colegas de cena, que compõem seu núcleo, como Paulo Betti, Arlete Salles, Carol Dalla Rosa e Carol Romano.
Tal qual Paulo Gustavo, a primeira personagem de Alexandra Richter é baseada em uma das mulheres mais importantes de sua vida: Sua mãe, Yvonne. Miss Riachuelo em 1958, Yvonne perdeu o título de Miss Distrito Federal para a Miss Botafogo Adalgisa Colombo (1943-2013) – dizem que sob protestos e hostilidades da população carioca à vencedora. Entre faixas de miss, maiôs Catalina e cordões, que “Xanda” vestia escondido da mãe, houve a percepção do seu ofício, o de atriz. Aliás, retomando a temática do feminismo, o assunto “Concurso de Beleza” não era tão comentado na casa dos pais de Alexandra: “Meu pai era muito ciumento. Era uma outra geração…”.
Sobre o tempo em que fez teatro infanto-juvenil, Alexandra classifica a fase com humor, como sendo aquela em que foi “A Rainha das Penas”: “Fui galinha, fui garça… É muito divertido!” , diz ela que também participou de “Os Saltimbancos“, na montagem de Maria Lúcia Priolli. Esse universo lúdico, inclusive, revela um sonho da atriz: “Eu tenho vontade de dirigir um infantil. Pode ser algo pensado por mim, já escrito ou algo sob encomenda. E é um desafio dialogar com essas crianças de agora. Parece que elas têm chip!”. Xanda diz querer fazer um projeto autoral no cinema também.
Diante de tantos personagens e tantos nomes que passaram pela sua vida e carreira, há dois, especialmente que para ela são como tatuagem. Indissociáveis de sua própria vida. Não são personagens, mas personalidades: Ronaldo Braga e Maria Gabriela, a Gabi. Pouca coisa no mundo é mais profunda que o pensamento. Para “Xanda”, pensar neles é pensar em amor: “Trata-se de um encontro de almas. Um encontro de todas as vidas”. Ronaldo e Alexandra foram criados no bairro do Riachuelo, passaram a infância e adolescência juntos, mas como ela mesmo diz “não deu match no passado”. Esse ano, 2022, comemoram 25 anos de relacionamento. E ainda durante a pandemia, Gabi passou para a faculdade de Medicina. Já quanto à “Xanda”, moça cujo primeiro pet foi um cabrito, que sorri com o olhar e é apaixonada por sua família, esta faz da sua arte sua profissão de fé. Afinal, se rir é um ato de resistência, fazer rir é um ato de amor.
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