*Com Vítor Antunes
Transgressora, “A Favorita” rompeu as regras do folhetim tradicional ao não revelar com clareza, em seus capítulos iniciais, quem era a mocinha e a vilã. A mesma transgressão coube a Murilo Benício, que pediu para fazer o personagem Dodi, inicialmente cotado para o ator Fábio Assunção, que não pôde vivê-lo: “Fui chamado para fazer parte do núcleo cômico. Não quis porque eu havia gostado desse personagem, o Dodi. Lembro que o ator que faria o papel não estava mais disponível, então eu pedi para interpretá-lo. Eu queria fazer uma coisa diferente, vinha de personagens cômicos”, relata.
O ator exalta o talento de João Emanuel Carneiro, a quem considera como sendo “um dos grandes autores de telenovela nacionais”. Além deste folhetim, ambos trabalharam juntos no fenômeno “Avenida Brasil” e no filme “Orfeu”. Diante da ousada narrativa escolhida pelo autor para costurar sua novela, Murilo define como sendo “Incrível aquela ideia de não se saber quem era o mocinho ou o bandido. É algo muito revolucionário o fato de o espectador não saber quem estava falando a verdade. O segredo era de uma pessoa só, do próprio João, o autor. A novela era um suspense, um thriller, algo muito legal. (A narrativa) Era tão nova, que eu achava aquilo o máximo”, conta.
Os elogios que Benício aplica ao autor, estendem-se também ao elenco e à equipe técnica: “A turma era maravilhosa, a gente se divertia demais! Eu tenho memórias incríveis de ‘A Favorita’, novela da qual sinto muitas saudades”. Sobre a reprise da obra, aposta que ela “vá surpreender mais uma vez”.
Além das duas novelas em cartaz na sessão “Vale a Pena Ver de Novo”, o ator estava no folhetim exibido anteriormente, “O Clone”, o remake de “Ti Ti Ti”, onde vivia Victor Valentim, um personagem cômico. Ver a si em várias idades diferentes e em propostas dramatúrgicas tão opostas tem um sabor especial ao intérprete, que pode analisar sua trajetória artística nas mais variadas fases da vida e na emissora dos Marinho: “Eu acho maravilhoso reconhecer a minha própria idade nessas reprises, observar há quanto tempo eu venho construindo essa carreira, há quanto tempo faço parte da TV Globo e a quantidade de trabalhos que fiz naquela casa. Isso é muito recompensador e eu acho um barato, pois me dá a dimensão da carreira que construí”, analisa.
Dodi não tratou-se do primeiro vilão de Murilo na teledramaturgia. Antes dele, vivera Juca Cipó, na versão de 1995 de “Irmãos Coragem”, e Cristóvão, na esquecida “Esplendor”, de 2000. Quatorze anos depois de seu último personagem mau, na novela de João Emanuel Carneiro, retoma a vilania através do antiquado e perverso latifundiário Tenório, de “Pantanal”, que é capaz das maiores atrocidades. Murilo diz não temer o cancelamento nas redes sociais diante das atitudes condenáveis de seu personagem. Pediu, inclusive, que Bruno Luperi, o adaptador da nova versão, não economizasse nas maldades: “Pessoas como o Tenório ainda existem aos montes. As coisas que ele faz para alcançar seus objetivos são irreais. Diria que ele é um cara com valores completamente deturpados. Uma pessoa bruta, cujo caráter muda conforme a situação. Um cara muito bronco. Acho que vai ser um bom espelho para uma parcela de pessoas que não conseguiu evoluir deste lugar”, opina.
Parafraseando o clássico de Pirandello (1867-1936), em vez de “Seis Personagens à Procura de um Autor”, Murilo Benício parece estar vivendo “Cinco Personagens ao Encontro de Um Ator”. Diante de tipos que podem ser facilmente encontrados em qualquer parte do Brasil e reconhecidos por qualquer pessoa, o artista marca seu nome na historiografia da TV Brasileira. Quer através do ingênuo jogador de futebol Tufão, de “Avenida Brasil”, quer através dos pérfidos Tenório e Dodi, ou ainda de Fabrício de “Fera Ferida”, que era gago tal como seu intérprete. Com eles, o ator revela as filigranas que compõem seu trabalho e os tons que o fazem personalíssimo.
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