*Por Simone Gondim
“Tudo é uma questão de manter a mente quieta, a espinha ereta e o coração tranquilo”. Em meio à pandemia, os versos de Walter Franco (1945-2019) podem servir de inspiração para ajudar a lidar com a ansiedade causada pelo novo coronavírus e seus desdobramentos. Para a atriz Andréia Horta, essa espécie de mantra tem funcionado. “No começo, absorvia muita notícia, o dia inteiro, e isso causava estresse, porque ficava atolada de informações, sem nenhum poder de ação. Estou mais serena desde que percebi que o que me cabia mesmo era ficar quieta em casa e ajudar a quem precisa”, conta.
“Com o passar dos meses da quarentena, vi que tinha dois caminhos: sucumbia ou atravessava. Escolhi atravessar. Colocar a coluna no lugar, respirar e fazer tudo que estiver ao meu alcance. Para o que não estiver ao meu alcance, compreender que a gente tem que fazer a nossa parte, não podemos cruzar os braços”, pontua.
No ar com a quinta temporada do programa “O país do cinema”, no Canal Brasil, do qual é apresentadora, e esperando a volta das gravações da próxima novela das 21h da TV Globo, Andréia reconhece que essa serenidade vem muito de seus privilégios. Felizmente, ela não sofre com problemas financeiros, como é o caso de muitos trabalhadores, especialmente da área de cultura. “Tenho comida na mesa, cama para dormir e um teto sobre a cabeça. Profissionalmente, o que houve foi um adiamento da novela, mas vai acontecer. Tem muita gente em situações muito graves, porque nosso setor inteiro está passando por necessidades tremendas”, diz.
A atriz destaca a mobilização da área cultural para socorrer quem precisa, especialmente aderecistas, figurinistas, camareiras e integrantes de equipes técnicas, como quem cuida da parte elétrica e de maquinaria. “O próprio setor começou a se organizar em diversas frentes para arrecadar fundos. Todos esses profissionais trabalham, pagam seus impostos. Deveriam, também, receber um amparo do governo neste momento, porque é uma situação de emergência”, observa. “Já passamos de 60 mil mortos. Que horas que a gente parou de contar o quanto cada um importa? Não dá para dizer ‘passamos de 60 mil’ como se fosse só um número e isso não tivesse importância. São vidas que estão indo embora”, indigna-se.
Andréia aponta o fato de as pessoas se recusarem a conversar como um dos grandes problemas da atualidade, que acaba resultando nos recentes ataques à cultura e a quem é ligado às artes em geral. “Por causa da falta de diálogo, temos um abismo que nos separa, infelizmente. Quando digo diálogo é o momento em que um fala e o outro escuta, depois um escuta e o outro fala. Precisamos, urgentemente, criar pontes, porque somos um só país. Nesse momento de pandemia, por exemplo, as pessoas estão consumindo, sobretudo, cultura. As pessoas estão lendo livros e vendo séries, novelas e filmes. Isso é trabalho de artistas”, pondera.
Enquanto não volta a gravar “Em seu lugar”, título provisório da novela na qual vive a protagonista, Lara, ao lado de Cauã Reymond, Andréia toca o projeto “Cara palavra”, criado por ela e pelas atrizes Bianca Comparato, Mariana Ximenes e Débora Falabella. Uma vez por semana, o quarteto publica um vídeo no Instagram @cara.palavra e replica o material em seus próprios perfis. “Inicialmente, a ideia era apresentar esse conteúdo no palco. Mas, diante da pandemia, a Bianca propôs fazermos agora e todas concordamos. Nos reunimos uma vez por semana, cada uma na sua casa”, explica. “Estamos em criação constante, lendo muito e pensando no que vamos falar. Uma coisa que era para depois de 2020 virou o nosso 2020”, acrescenta.
O “Cara palavra” trouxe a Andréia novidades no campo profissional. O vídeo mais recente, com trechos do conto “Mineirinho”, de Clarice Lispector, marca a estreia da atriz como diretora. “Foi excelente a experiência. Temos um time de uma ótima escuta. É uma direção a distância, a gente conversa muito sobre como gostaria que fosse, mas está cada um na sua casa, fazendo com o celular. É bem artesanal nesse sentido, por isso mesmo nos dá, também, uma liberdade maravilhosa. Quero repetir”, festeja. “Foi muito enriquecedor estar, pela primeira vez, do lado que vai pensar como é esse plano, onde essa câmera está, qual música entra, que horas entra a voz, quando entra o som, em qual momento a gente corta a imagem para colocar a atriz no melhor momento dela. Quanto mais você pode experimentar outros lugares, mais ganha consciência e admiração pelos trabalhos dos outros”, acredita.
Além dos projetos exibidos na TV e na internet, Andréia aguarda a estreia de “Colônia”, série do Canal Brasil sobre o manicômio de Barbacena, no interior de Minas Gerais, marcado pelo péssimo tratamento destinado aos pacientes. Na trama, ela interpreta uma ex-prostituta que tem um caso com um prefeito. “Para abafar o possível escândalo que seria a relação dos dois, ele a joga no Colônia. Infelizmente, essa personagem representa a maioria das pessoas que estavam internadas lá, que não tinham patologia”, revela. “A série se passa na época da ditadura militar, entre 1970 e 1971, que foi o período mais tenebroso, desumano e absurdo daquele lugar. E ela representa todas essas pessoas que foram trancafiadas lá dentro sem ter doença mental. Eram mendigos, prostitutas, pessoas um pouco mais rebeldes pertencentes a famílias ricas, gente que, por questões morais da época, era trancada ali à revelia”, descreve.
Assim que os cinemas reabrirem e a programação for normalizada é grande a chance de entrar em cartaz “O jardim secreto de Mariana”, de Sérgio Rezende, primeiro longa-metragem de ficção rodado em Inhotim. Na trama, Andréia é a personagem-título e contracena com Gustavo Vaz, que vive João. “O filme conta a história de um casal que vive bem, se ama e deseja muito engravidar, mas nunca consegue. Aí, começa um grande drama para eles”, adianta a atriz.
Ainda sobre a sétima arte, Andréia garante que a atual temporada de “O país do cinema” está cheia de boas conversas. “Um dos relatos mais bonitos é o de Caio Blat sobre ‘Carandiru’. Ele era bem jovem quando fez o filme e foi nesse trabalho que entendeu a importância de o cinema brasileiro contar a nossa história”, afirma. “Outros momentos impactantes são Gregório Duvivier falando do mal-estar que foi para ele construir aquele personagem supermachista de ‘A vida invisível’ e Matheus Nachtergaele lembrando de ‘O auto da Compadecida’“, conclui. Ao todo, são 13 episódios, mostrando o processo criativo sob a ótica de atores e diretores.
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