Com fim de contrato com a Globo, Antonio Calloni fala de novos mercados de trabalho: “Estamos no olho do furacão’


“Há muitas opções de trabalho e de produção. Por um lado é bom por conta da variedade e, por outro, há de se negociar com a qualidade para ela não decair. E isso é um perigo. Talvez o mercado tenha que se preocupar um pouco menos com o lucro e mais com a qualidade – obviamente não descarto a importância do lucro, mas a qualidade artística é o que pega o público”, afirma o ator, um dos grandes nomes de sua geração. Antonio Calloni está finalizando o livro “O Menino Depois”, integra o elenco do longa “Rio de Sangue”, sobre o garimpo ilegal no Pará, e está em “Zazá”, novela que volta no Globoplay. Versátil, o ator também reflete sobre temas sociais, como na série “Assédio”, reafirmando seu compromisso com a arte e sua constante transformação

*por Vítor Antunes

Ele é um dos nomes mais representativos de sua geração. Estreou já em um clássico da teledramaturgia da TV quando fez “Anos Dourados“, um dos projetos mais simbólicos da obra de Gilberto Braga (1945-2021). Em sua última novela inteira como contratado da Globo, “Além da Ilusão” – depois ele faria uma participação em “Renascer” – , Antônio Calloni foi indicado a diversos prêmios. Foram mais de 30 anos de Globo até o fim da sua vinculação com a emissora carioca ante ao término do contrato. Calloni mergulha em outras formas de linguagem, como a literatura, o cinema e o teatro. Integra o elenco de “Rio de Sangue”, longa-metragem de Gustavo Bonafé e está na novela “Zazá”, que voltou no Globoplay.

Antonio Calloni construiu uma trajetória que transcende os limites da televisão, consolidando-se como um dos grandes nomes de sua geração. Do marcante Clau Clau de “Anos Dourados” ao ricaço William em O Dono do Mundo, sua atuação sempre uniu técnica apurada e intensidade emocional. Em cada projeto, Calloni reafirma seu compromisso com a arte, seja revisitando a memória em suas obras literárias, explorando o cinema ou refletindo sobre questões sociais em séries como Assédio. Após mais de três décadas na Globo, ele continua navegando por novos caminhos, com a mesma paixão que o tornou uma referência. Um artista em constante transformação, Calloni é a prova de que a arte, quando autêntica, permanece como um espelho sensível das nossas inquietações.

Depois de mais de 30 anos vinculado à Globo, Calloni fala sobre as transformações do mercado:

O mercado, na totalidade, está se transformando. Nós estamos no olho do furacão e ainda não temos dimensão de entendimento. Só saberemos mesmo daqui a um tempo. Mas de maneira imediata o que há são muitas opções de trabalho e de produção. Por um lado é bom por conta da variedade e por outro, há de se negociar com a qualidade, para ela não decair. E isso é um perigo. Talvez o mercado tenha que se preocupar um pouco menos com o lucro e mais com a qualidade – obviamente não descarto a importância do lucro, mas a qualidade artística é o que pega o público, que não se encanta por quanto custou um produto mas com a qualidade e aí a gente tem que investir. O barateamento das realizações faz com que a qualidade fique cada vez pior – Antonio Calloni

Calloni dedicou-se mais direcionadamente a produzir seu novo livro, “O Menino Depois“. Um relicário de memórias suas, que possui grande variação estilística. Tem conto, crônica, poesia, haicai… “Abro o livro com um conto poético sobre a minha infância até os 13 anos e depois são poemas, memórias, sonetos… É um livro que está muito bonito e estou trabalhando nele”. Além desta obra, Calloni poderá ser visto em breve em “Rio de Sangue”, longa-metragem de Gustavo Bonafé, que conta com Giovanna Antonelli, Alice Wegmann e grande elenco. O projeto conta sobre o garimpo ilegal no Pará. “Minha vida está bem produtiva”, diz o ator.

Antonio Calloni no lançamento de “Renascer”, seu último trabalho na Globo (Foto: Divulgação/Globo)

DOURADOS, BRASILEIROS E RICAÇOS

Um dos primeiros papéis de Antonio Calloni na TV foi, conforme informado, o Clau Clau de “Anos Dourados“. O personagem, durante a série, era retratado como um gordinho engraçado, e boa-praça. Porém, ao fim do último capítulo, o narrador informa que Clau Clau virou um militar durante a ditadura, deixando subentendido que ele passou a ser um torturador. Para Calloni é uma temeridade que a atual geração não saiba exatamente sequer o significado de viver em uma ditadura. “Isso é amedrontador. As pessoas têm que saber o que foi a ditadura. Inclusive, creio que se as pessoas soubessem de fato o que era não haveria esse tipo de manifestação que vimos há anos atrás pedindo o retorno. Isso não é uma coisa saudável para a sociedade, especialmente em razão de ser uma ameaça grave, gravíssima, à democracia. Digo isso sem marcas de bandeiras ideológicas já que não me identifico como uma pessoa de direita, muito menos da esquerda brasileira clássica. Acredito estar mais próximo da centro-esquerda praticada pelo antigo PSDB – mas, infelizmente, as ideias do PSDB e o próprio PSDB se perderam há muito tempo”.

Sou progressista por natureza e acho um perigo a relativização da ditadura, especialmente quando as redes sociais apontam que ela foi um problema de “gente branca de classe média”. Pelo contrário, afetou brancos, negros, homossexuais, heterossexuais, trans… A todos. A uma sociedade inteira e isso é muito grave e muito perigoso. Que nunca mais a gente chegue nem perto disso – Antonio Calloni

Algum tempo depois de “Anos Dourados“, Calloni voltou a uma obra de Gilberto Braga, “O Dono do Mundo“, que atualmente compõe o catálogo do Globoplay. O ator entrou já na metade da trama vivendo o ricaço tímido William. Porém, uma das cenas de seu personagem caiu nas redes. Ele, Letícia Sabatella e Fernanda Montenegro estavam gravando, quando uma lâmpada de abajur explodiu. Os três atores embarcaram na viagem e não encerraram a gravação a despeito da explosão. Calloni conta que a cena foi planejada. Ou quase isso. “Lembro muito bem desse dia. Dizem que foi uma invenção de um dos diretores, o Mauro Mendonça Filho, que combinou com a Fernanda que a lâmpada ia estourar. Ela sabia, nós não. Felizmente, a gente embarcou eu e foi uma alegria fazer essa cena”.

Antônio Calloni em “Anos Dourados” (Foto: Divulgação/Globo)

O ator destaca que sua participação em “O Dono do Mundo” teve críticas muito positivas e o convívio com Fernanda foi único. “Ela é uma das melhores atrizes do mundo. Inclusive, já passou da fase dos adjetivos. Ela já atingiu o estado pleno da liberdade que é onde o artista tem que chegar. Anos mais tarde, depois de “O Dono do Mundo“, fomos mãe e filho em “Zazá” – que não é considerada uma grande novela, mas que ainda assim teve de ser espichada e pudemos ter ainda mais aproximação. Tive muita sorte, mesmo das novelas que não foram tão boas, de ter tido uma recepção da crítica muito positiva. E meu papel em “Zazá” era ótimo. Era o de um diretor de cinema – que era péssimo em seu ofício, mas que se achava genial. Havia ali um humor interessante”. Em breve o telespectador vai poder assistir a esta trama de Lauro César Muniz, que está de volta no Globoplay.

Outro trabalho que gera curiosidade, especialmente entre os noveleiros, é a participação de Calloni em “Brasileiras e Brasileiros“, trama de 1990 do SBT. “Ainda que tenha sido uma novela estranha, foi uma experiência riquíssima. Para mim, honestamente, todo trabalho sem exceção é um aprendizado. Mesmo as coisas estranhas que eu já fiz na minha vida, eu sempre lembro com muito carinho e com muito amor. Nesta novela, eu contracenei com nomes como Laerte Morrone (1932-2005), com Ney Latorraca (1944-2024) e Lucélia Santos“. O convívio com Walter Avancini (1935-2001), que todos atores dizem ter sido complicado – e ele era um dos diretores de “Brasileiras e Brasileiros” – com Calloni foi amistoso.

Antonio CAlloni em uma das -poucas – cenas de “Brasileiras e Brasileiros” disponíveis na internet (Foto: Reprodução/SBT/Arquivo Lucélia Santos)

Sobre sua saída de “Páginas da Vida“, ainda no início da novela, Calloni revelou que a decisão de deixar a novela foi motivada por questões de saúde mental, após enfrentar um período de depressão. “Foi um pedido meu, porque em 2005 eu passei por uma depressão muito chata, tive que tomar um medicamento de 2005 até 2006 e em 2006 eu estava ainda com resquícios dessa depressão e achei melhor dar uma descansada. Vinha de trabalhos emendados, trabalhando muito, e achei melhor sair da novela para não adoecer de novo. Não houve briga, discussão, nada disso. Foi uma coisa muito tranquila, muito cordata. Falei com Manoel Carlos e com Jayme Monjardim e ficou tudo certo”.

Em relação à série “Assédio”, baseada na biografia do ex-médico Roger Abdelmassih, Calloni destacou o papel social da obra e o desafio de interpretar um personagem complexo:
“A gente tem que mostrar essas feridas que existem na sociedade e debater cada vez mais e colocar uma luz em cima para que as pessoas vejam, não se escondam, debatam e, nesse caso, que exista a punição. Foi muito prazeroso, para mim, fazer, porque principalmente, olha, principalmente pelas atrizes maravilhosas com quem eu contracenei. Foi muito legal, porque em alguns momentos a série mostrava aquele médico simpático com as pessoas, mas que não era uma boa pessoa. E que também não fazia questão nenhuma de esconder quem ele era. Ele maltratava os funcionários, era arrogante com as pessoas. E eu consegui colocar isso na série também, então o personagem era muito rico, muito interessante. Foi um projeto que eu me envolvi bastante e fico muito orgulhoso de ter feito”.

Antonio Calloni em “O Dono do Mundo” (Foto: Divulgação/Globo)