*Por Simone Gondim
A Covid-19 mudou a forma de nos relacionarmos com o mundo e as pessoas ao nosso redor. O distanciamento social imposto pela necessidade de conter o novo coronavírus atingiu em cheio a cultura, com o fechamento de teatros, cinemas, museus e outros espaços voltados para a arte. Conservar o coração tranquilo é praticamente impossível para quem trabalha no setor, diante da pausa ou do cancelamento de tantos projetos. O ator Pierre Baitelli, que viu serem interrompidas as gravações da série “O anjo de Hamburgo” e a montagem e produção da peça “O coração normal”, reconhece que o emocional fica abalado. “Estou tentando manter a serenidade. Mas sou grato por ter o privilégio de poder estar em isolamento, enquanto a maioria das pessoas não tem essa opção”, diz. “Com a pandemia, a desigualdade, que já era escancarada, se torna obscena aos nossos olhos”, lamenta.
O olhar crítico se estende à profissão. Com uma vasta experiência no teatro musical – no currículo, sucessos como “O despertar da primavera” e “Hedwig e o Centímetro Enfurecido” -, Pierre acredita que ficou para trás a ideia de que atores e atrizes no Brasil não se dedicam ao aprimoramento completo, que envolve atuação, canto e dança. “De uns anos para cá, com o boom de produções musicais, passou a existir um volume enorme de atores capacitados nessas áreas. Existe uma nova geração, extremamente talentosa, interessada no gênero. O que falta é oportunidade”, garante.
Acostumado a personagens que levantam temas polêmicos, como o Melchior de “O despertar da primavera”, a transexual Hedwig, da peça homônima, e o Dario da série “Magnífica 70”, Pierre considera que a força da arte está em misturar entretenimento e reflexão. “A arte tem a função de transformar, espelhar o íntimo do ser humano, fazendo-o enxergar o que está além da superfície, muito mais do que os olhos podem ver. É o poder de carregar todo um mundo de significados, sentimentos, dicotomias e as mais variadas sensações”, pontua. “Há personagens que carregam consigo questionamentos que vão além de suas cascas. A identificação e o envolvimento do público vêm justamente daí”, acrescenta.
Fora da ficção, entretanto, Pierre prefere fugir de questões que possam causar controvérsia. No passado, deu entrevistas dizendo que houve momentos em que cogitou desistir da carreira de ator – há, inclusive, uma postagem em seu perfil no Instagram relembrando o período de modelo, com a legenda “Da época em que só ser ator não pagava as contas” e mostrando fotos de um desfile de 2006 na São Paulo Fashion Week e do composite da filial Nova York da agência Elite. Atualmente, ele garante que foi mal interpretado em outras ocasiões. “Essa fase nunca existiu! Sou absolutamente apaixonado pelo ofício do ator e, apesar das dificuldades que o meio impõe, atuar é o que alimenta a minha alma e o que me mantém são”, enfatiza.
Em relação ao assédio, Pierre também mudou de opinião: na época da novela “A lei do amor”, ele contou em sites de notícias que se surpreendia com o aumento das investidas por estar em uma trama do horário nobre, ressaltando as cantadas de mulheres mais velhas, a ousadia das mais jovens e o fato de ter recebido até nudes. Nos dias de hoje, aparentemente, as coisas ficaram mais tranquilas. “Não sofro muito assédio e, felizmente, nunca passei por nenhuma situação difícil nesse sentido”, afirma.
Um de seus trabalhos mais recentes é o policial Robson, da série “Reality Z”, cujo perfil inclui vício em drogas e violência. “É um homem violento, com tendências paranoicas acentuadas pelo uso contínuo de cocaína, substância que o deixa descontrolado. Ele acredita cegamente em seus valores e, com a moral distorcida, acha que sua autoridade, junto com a posse de uma arma, lhe permite dar lições nos outros”, explica o ator. “Diante do apocalipse, Robson passa a se impor como um guerreiro nato, com ações nobres e corajosas ao enfrentar zumbis e defender seus companheiros de batalha”, completa.
O flerte com o terror foi uma novidade para Pierre. “Não tinha nenhuma intimidade com esse universo. Quando soube que estaria no elenco da série, passei a fazer um mergulho intenso no gênero”, lembra. A preparação foi além de ver filmes policiais e de zumbis. “Pesquisei sobre cocainômanos, fiz workshops de lutas coreografadas e, claro, aulas de tiro, que foram muito úteis durante as filmagens”, revela. “Além do fato dele ser um policial violento, minha grande preocupação era com seu vício em cocaína e o uso desmedido durante toda a série. Pesquisei muito sobre os efeitos da droga no comportamento dos cocainômanos e como eu poderia representá-los de forma convincente”, conclui.
Mesmo depois de circular por palcos, novelas, seriados e filmes, Pierre não fica à vontade para eleger um preferido. “São veículos completamente diferentes em muitos aspectos. Desde a criação e execução, até a carga horária e o retorno artístico e financeiro”, observa. “No teatro, me sinto em casa, tenho a sensação de ser mais dono do meu trabalho e do resultado final. A televisão tem uma engrenagem muito maior e mais complexa. Por isso, o trabalho e o resultado final do ator está sujeito a muitas variantes. São experiências bastante diferentes, mas igualmente válidas”, pondera.
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