*Por Brunna Condini
Prestes a completar 58 anos em 19 de agosto, mesma data em que se comemora o Dia Nacional do Ator, Nando Cunha exalta o ofício, mas lamenta a realidade do mercado para muitos atores, inclusive ele. “Tenho 30 anos de carreira e se pudesse fazer um único pedido de aniversário, seria poder viver com dignidade da minha profissão, me estabilizar nela. Não quero ganhar dinheiro fazendo dancinha e gracinha na internet, o que eu quero é viver de atuar. É isso que me faz sentir vivo. Gravei há um ano um trabalho lindo, ‘Pedaço de Mim’, mas agora estou sem trabalho novamente. Tenho uma trajetória de muita dedicação à carreira, não precisava estar pensando agora que a reserva que tenho está terminando e ainda não tenho outro projeto”, desabafa.
Ao falar de ‘Pedaço de Mim‘, primeira novela da Netflix (com ares de série), o ator constata. “É um trabalho incrível que está fazendo por merecer a audiência”. A produção vem chamando a atenção pelo sucesso com o público, e também por uma polêmica nos bastidores. Segundo divulgado, a plataforma de streaming e a produtora Fábrica teriam sido denunciadas pelo Sindicato dos Artistas ao Ministério Público do Trabalho por suspostas irregularidades nas contratações de atores. Sobre o assunto, Nando se posiciona. “O sindicato dá ‘autorização especial’ para ex-BBB, cantor, influenciador. Pois bem, não sei nem de quem estão falando, mas sindicato não foi feito para ficar vendo quem tem ou não DRT, e sim, para cuidar dos nossos direitos trabalhistas. isso é com o Ministério do Trabalho. Mas nem vou entrar nessa celeuma, porque a discussão é outra. Tem é que acabar com essa história de ‘autorização especial’, quem tem que atuar é ator”.
Nossa profissão exige capacitação. É preciso falar disso sem medo. Como eu, toda uma vida só tive a opção de ter coragem, falo. Não sou padrão, sou preto e já sou mais velho, então é muito frustrante olhar para o nosso mercado e ver que está essa bagunça. Só o que desejo é poder viver atuando dignamente até o final da minha vida — Nando Cunha
Nando lamenta o desrespeito com o ofício. “Infelizmente nossa profissão está desvalorizada, a classe precisa se unir mais. Muita gente antes de nós lutou para regulamentar essa atividade, batalhou para que estivéssemos aqui hoje, temos que continuar honrando isso. Existem muitos atores que investiram na sua formação e precisam trabalhar. Se alguém que não é ator, deseja trabalhar como um, precisa se preparar, estudar. Mas atualmente, muitos produtores de elenco estão mais preocupados com quem traz engajamento, do que com quem vai fazer o personagem da melhor forma porque é habilitado pra isso. Antes, os produtores de elenco iam às escolas de teatro, às faculdades de Artes Cênicas, aos espetáculos, para ficar de olho nos talentos. Agora, muitos não saem das suas cadeiras, então buscam só na internet mesmo”.
Quando o assunto é trabalho, ele fala com prazer dos que fez e dos que estão para chegar ao público, como os curtas-metragens ‘Marcação Cerrada’, de Rodolfo Medeiros, e ‘Seco‘, de Stefano Volp. “No primeiro, faço um padre. Já em ‘Seco’, é baseado em um conto do livro ‘Homens Pretos não Choram‘, do Stepano, vencedor do Prêmio Jabuti. É a história do seu Heleno, um homem que não lembra na vida de ter chorado, se emocionado, é ‘seco’. E essa é a vida de tantos homens pretos, que depois de tanta luta, acabam não tendo essa sensibilidade aflorada por conta de tantos atravessamentos que passam”.
Tem gente que acha minhas falas polêmicas e diz que isso pode me prejudicar, mas eu só estou defendendo a minha profissão e o meu direito de exercê-la. É preciso muito resiliência e resistência. É luta – Nando Cunha
Pedaço de Mim
Na produção, o ator faz Sergio, casado com Betina (Dani Ornellas). O casal tem dificuldades para gerar um filho, e vai querer ficar com um dos gêmeos oferecidos a eles pela protagonista Liana, vivida por Juliana Paes. Feliz com a repercussão deste e de seus últimos trabalhos – Nando foi premiado por ‘Nosso Sonho’, que conta a história da dupla Claudinho e Buchecha, filme pelo qual ganhou o prêmio de ator coadjuvante na 16ª edição do Los Angeles Brazilian Film Festival; e também no celebrado ‘Mussum – o filmis’, em que dá vida a Grande Otelo – o artista só gostaria de ter mais fluxo de trabalho. “Nada mudou na minha vida neste sentido, apesar dos trabalhos terem sido reconhecidos e das minhas atuações terem sido elogiadas”.
O ator fala sobre a satisfação de ter atuado em ‘Pedaço de Mim‘. “O Sergio é um tipo de personagem que eu almejo que os autores e autoras me deem. É um cara bem resolvido na vida, estabilizado, com uma família bonita, bacana. Não tem estereótipo, é só um cara vivendo sua vida, com suas questões, emoções, vulnerabildiades. É amoroso, inteligente, queremos ver personagens pretos nas telas também desse jeito, de forma postiva”, diz.
Os streamings são mais um espaço para todos nós trabalhadores do audiovisual, atores, técnicos, diretores, autores. É uma grande oportunidade de expansão no mercado de trabalho. Se isso continuar acontecendo vai ser lindo, há esperança – Nando Cunha
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