Com 10 anos do personagem Félix, Mateus Solano reflete se houve ‘saturação’ do antagonista de “Amor à Vida”

*por Luísa Giraldo

Na história do audiovisual brasileiro, há personagens que marcam gerações e influenciam gostos, comportamentos e formas de ver o mundo. Encarregados de dar vida a eles, alguns desses intérpretes se tornam parte daquele papel para sempre. Assim é o ator Mateus Solano com o emblemático Félix Khoury, em “Amor à Vida“, trama assinada por Walcyr Carrasco. Em 2023, a novela completa 10 anos desde que foi exibida em rede nacional em um momento em que a discussão acerca da sexualidade e do gênero estão fortes como nunca no Brasil. Mesmo após uma década, o beijo entre ele com Thiago Fragoso, na pele do apaixonado Niko, ainda dá o que falar entre os fãs e incomoda o conservadorismo de parte da sociedade brasileira.

O ator, que está no ar, em “Elas Por Elas”, na Globo, destaca não se incomodar com a constante associação dele ao Félix. “O Félix foi um personagem muito complexo, com muitas cores e camadas, além de trazer questões tão importantes de aceitação e pertencimento de mundo que acho que são comuns a qualquer pessoa, independente de sofrer o preconceito que sofre [uma pessoa] o LGBTQIA+”, afirma Mateus

A primeira efeméride da novela marcou, em março, a circulação de cenas da performance de Solano na internet. Não demorou para que internautas relembrassem o ator do primeiro beijo gay exibido na TV Globo. “Gostaria de agradecer a todos por isso. Félix foi um dos desafios mais difíceis da minha carreira e 10 anos depois, é incrível que ele ainda esteja na memória de todos”, escreveu nas redes.

Atores Mateus Solano e Thiago Fragoso que interpretaram o primeiro casal homossexual da TV Globo, respectivamente Niko e Félix (Foto: Estevam Avellar)

Embora habituado a lidar com a dualidade do vínculo estabelecido pela audiência da telenovela com Félix, o carinho dos fãs ainda impressiona Mateus. “É muito interessante o que aconteceu nessa novela. Houve uma identificação geral com o personagem Félix no lugar mais podre do ser humano. E, também, no lugar mais solitário e incompreendido. Félix unia todos os nossos preconceitos e a nossa tendência maquiavélica com a nossa profunda inadequação nesse mundo. Foi muito interessante ver até o mais preconceituoso torcendo pelo beijo gay. E isso mostra a força, o tamanho e a profundidade com que a novela opera no público brasileiro”.

Apesar do contínuo reconhecimento pelo papel de antagonista em “Amor à Vida“, o artista deu vida a outros inúmeros personagens emblemáticos das telenovelas nacionais, como os irmãos Jorge e Miguel, em “Viver a Vida” e Eric, em “Pega Pega“. Mateus destaca, como preferência pessoal, o jovem Rubião, da novela “Liberdade, Liberdade”. O ator recorda que os episódios eram exibidos às 23 horas, o que fez com poucas pessoas conhecessem este trabalho. Para ele, a reprise deste trabalho é mais que válida.

Félix unia todos os nossos preconceitos e a nossa tendência maquiavélica com a nossa profunda inadequação nesse mundo. Foi muito interessante ver até o mais preconceituoso torcendo pelo beijo gay. E isso mostra a força, o tamanho e a profundidade com que a novela opera no público brasileiro — Mateus Solano

“A identificação [om o personagem Félix foi muito forte e ele também tinha muito humor, mas não percebo que sou lembrado apenas por ele. Muita gente vem me falar de Zé Bonitinho, dos gêmeos Jorge e Miguel e algumas crianças trazem também uma paixão pelos personagens que fiz em produções das 19h”, lembra. 

O artista Mateus Solano se tornou uma voz potente da causa ambientalista (Foto: Divulgação)

O intérprete de Félix disse estar em um momento de “grande liberdade artística”, que o permite focar nos tipos de trabalho que realmente quer. O ator revela que está envolvido com uma série de projetos ainda em desenvolvimento para os próximos anos nos campos do teatro, do cinema e da literatura.

Além disso, o processo de identificação de Mateus com cada um dos personagens dos projetos e papéis que assume perpassam uma boa preparação do elenco. Isso porque aquele momento permite que os artistas possam se conhecer e entrosar de forma a desenvolver as relações entre os personagens. Ele ressalta que nem sempre o público dá o “devido valor, tempo e importância” que a preparação merece.

“[A minha incorporação de um papel começa quando] tento me cercar com o máximo de informações sobre o personagem que vou interpretar. Cada vez mais, eu também prefiro me levar pelo olhar da atriz ou do ator com quem estou contracenando. Afinal, é a partir da provocação do outro personagem que o meu vai reagir. O meu trabalho precisa ser apontado em casa, mas, precisa ter porosidade e abertura para aceitar o que vem da direção e de meus colegas de cena”, identifica.

O ator Mateus Solano disse se orgulhar de ter interpretado o primeiro personagem gay a dar um beijo e uma novela da TV Globo (Foto: Divulgação/Ricardo Penna)

Já como grande desafio, Mateus aponta o ofício artístico em si, em que precisa “desenvolver um personagem humano que tenha identificação junto ao público”. Afirma ainda almejar o reconhecimento por ser um ator plural, que passeia pelos gêneros e pelos personagens, sempre buscando a humanidade e a profundidade deles. Além disso, ele se orgulha em dizer que também tem sido reconhecido como defensor do meio ambiente, o que o deixa satisfeito e “feliz por trazer atenção para esta pauta tão urgente”.

Sustentabilidade e meio ambiente

Ao adotar placas solares em casa, um sistema de aproveitamento de água de chuva e uma composteira, Solano usa da ampla projeção cultural de seus personagens para defender a causa ambiental. Nos últimos cinco anos, o ator deixou de fechar publicidades e fazer comerciais para empresas que considera poluidoras, além de chamar a atenção da produção dos estúdios Globo para o desperdício, o gasto de energia e a geração de lixo.

Mateus detalha que o envolvimento dele com a causa ambientalista se dá de forma muito natural. “Desde que abracei a causa ambiental, as formas de ser sustentável foram se multiplicando na minha vida. Quando a gente vira essa chave do pertencimento e se entende parte integrada da natureza, fica muito óbvio o quanto estamos fazendo tudo errado e quais são as pequenas, médias e grandes atitudes que podemos tomar todos os dias, não só para mudar os hábitos, mas também para multiplicar a consciência”.

O ator Mateus Solano se tornou voz potente contra a homofobia, ao dar vida ao antagonista de “Amor à Vida” (Foto: Divulgação)

Quando a gente vira essa chave do pertencimento e se entende parte integrada da natureza, fica muito óbvio o quanto estamos fazendo tudo errado e quais são as pequenas, médias e grandes atitudes que podemos tomar todos os dias — Mateus Solano.

Ao encarnar a figura pública, o ator frisa saber do impacto e da responsabilidade de suas ações e falas. Todavia, ele pontua que a “a ação na seara ambiental vem do Mateus Solano cidadão, muito mais do que o artista”.

Embora não tenha se debruçado no tópico, Mateus confessou se sentir receoso pelo impacto que a carreira artística teve em sua vida pessoal. O intérprete de Félix disse ter demorado para conseguir conviver com o fato de ser uma pessoa pública. Segundo ele, os lugares cheios que costumava frequentar com assiduidade foram, aos poucos, substituídos por aqueles mais tranquilos e vazios. Isso aconteceu quando ele notou ter passado de uma fugura observadora para a “pessoa observada”. Atualmente, avalia que a relação dele com a fama é saudável mas reconhece que ela nunca foi um objetivo para ele enquanto artista.