*por Vítor Antunes
Personagem que vem gerando grande discussão na novela das 21h, “Terra e Paixão”, Tadeu, vivido por Claudio Gabriel, tem um perfil controverso. Ao mesmo tempo que é um arraigado defensor da família e dos bons costumes, é um perseguidor da personagem Anely (Tatá Werneck) , dominatriz que atende pelo apelido de Rainha Delícia em um site de conteúdo adulto. Nos capítulos de “Terra e Paixão“, Tadeu envereda ainda mais na loucura, não apenas em cima da personagem de Tatá Werneck, mas também em Nice (Alexandra Richter). “Tadeu representa exatamente uma parcela da população que é hipócrita, que tem duas caras, que tem esse lado moralista, que é essa coisa de ‘Deus, Pátria e Família‘, e que elege um ditador. (…) Eu acho que o Walcyr Carrasco tem uma coisa – que atribuo ter dado origem à novela – que é a preocupação em abordar os temas que estão sendo debatidos na sociedade”.
Eu comecei fazendo Tadeu mais tarado, aí pediram para eu ser um pouco mais romântico. A gente experimentou duas versões da mesma cena para escolher o caminho. Porque no início está todo mundo pisando em ovos, entendendo como é que é tudo, até o momento que a gente viu ali a possibilidade de fazer humor – Claudio Gabriel
O stalkeamento de Tadeu por sobre Anely é algo que também vem sendo discutido. “Eu acho que essa característica e essa camada também está no Enzo (Rafael Gualandi). Nós estamos falando de relações abusivas tanto na questão virtual quanto na pessoal. E nessas não fazemos humor. Na novela, todos os personagens centrais estão falando cada um de uma coisa importante, de um tema importante. Um desafio tanto para quem está escrevendo, quanto para quem está fazendo, diretores e nós atores, principalmente, que temos de fazer essa salada de temas polêmicos ter uma dinâmica na trama e de uma maneira interessante, que se desenvolva ao longo dos capítulos, já que é uma novela muito grande”. Cogita-se que “Terra e Paixão” terá 221 capítulos. A maior da Globo em alguns anos. “Pantanal”, uma das últimas novelas por exemplo, terminou com 167.
Aluno cria da Escola Técnica Estadual de Teatro Martins Pena, no Rio, Claudio lamenta a contínua degradação do instituto, que passou recentemente por um programa de reestruturação capitaneado pelos próprios alunos e ex-alunos. Ainda hoje, as aulas estão acontecendo de maneira improvisada num prédio anexo. “No período em que eu estudei lá, entre 1989 e 1991, já tinha tudo isso, toda essa dificuldade. É impressionante como o Brasil não não tem cuidado com a nossa própria história, com a nossa própria cultura. Ver a Martins Pena se acabar, é ver uma perda irreparável na cultura em si”.
Artista plástico, o ator está com algumas exposições no Rio de Janeiro. Uma delas estreou no Centro da cidade, pelo Projeto Triplex, da Casa Arte Contemporânea e tem curadoria de Raimundo Rodrigues, além de outra, que chama “Três Artistas em Construção“, há também uma na Fábrica Bhering, que se chama “O Lugar – Arte Contemporânea“, sobre São Cosme e Damião e ainda a que que foi inaugurada no Circuito Oriente, em Santa Teresa, no Ateliê Portão Vermelho.
POR TODOS REMEXIDA E TEMPERADA
“A vida é mutirão de todos, por todos remexida e temperada. O mais importante e bonito, do mundo, é isto: as pessoas não estão sempre iguais, ainda não foram terminadas, mas elas vão sempre mudando“. Quando Guimarães Rosa (1908-1967) escreveu esta frase, em “Grande Sertão Veredas“, falava, dentre outras coisas, da inconstância da vida. Mas é possível traçar um paralelo entre isso e o próprio processo de escrita e produção de uma novela, que por ser uma obra aberta, também é, por todos mexida e temperada. “Terra e Paixão” é um exemplo. O personagem de Claudio Gabriel começou com um perfil e foi mudando até alcançar a atual medida: “Todos esses ingredientes podem ir mudando e se moldando. Como por exemplo, os personagens Ramiro (Amaury Lorenzo) e Kelvin (Diego Martins), que estão fazendo um sucesso danado”, diz.
Sobre Tatá Werneck, agora eles estão contracenando mais. “Por muito tempo ficamos por telas. Eu assistia o que ela tinha gravado, e eu acho que ela assistia as minhas cenas também. E, às vezes, nem um e nem outro tinha gravado ainda e a gente ia confiando na contracena, imaginando o outro falando”. Sobre a personagem Anely, uma cam-girl, Claudio aponta que ainda há muita gente com preconceito a quem faz este tipo de trabalho: “Eu imagino que uma parcela da população considera isso prostituição, razão pela qual age de forma preconceituosa”.
Novela é uma coisa que você tem que estar atento, investir, jogar coletivamente, mas, ao mesmo tempo, saber que você tem que fazer o personagem acontecer de alguma maneira. Eu acredito muito também no show coletivo. E acho que, quando o meu parceiro de cena está brilhando, tudo acontece – Claudio Gabriel
A comédia, ao ver de Claudio, possibilitou que personagens como o dele, assim como Ramiro e Kelvin, tivessem aceitação popular. “Essa coisa do humor mostra um mundo da liberdade que Tadeu não pode ter nas relações em família, em face da ambição de manutenção do poder, do dinheiro, do estudo, do status social. Esta é uma satisfação real dele, de uma liberdade, algo que ele gosta mesmo de fazer, mas não pode dizer que gosta. Essa revelação de humanidade dá camadas para esse cara, assim como ao Ramiro, que deixou de ser um matador. Ao mesmo tempo, há cenas dramáticas e tensas entre Tadeu e Antônio La Selva (Tony Ramos) e seu núcleo. O Tadeu representa essa parcela da população, e ser essa pessoa de muitas camadas é o que o torna interessante. O humor, de alguma maneira, aproxima o espectador do personagem e faz com que ele se desenvolva na novela”.
Tadeu é um cara que não tem caráter, não tem escrúpulo, faz qualquer coisa para manter o poder. Ele vai metendo os pés pelas mãos, especialmente com relação ao dinheiro, e vai se perdendo – Claudio Gabriel
Esta não é a primeira vez que o humo salva um personagem de Claudio. Outro, também conhecido do público noveleiro é o Severino, de “Laços de Família“. “Severino foi um ponto de muitas coisas interessantes. Era um personagem muito pequeno, que não tinha uma história particular e muito menos uma participação na trama. Ele era uma “tela em branco”, na qual eu poderia investir como eu quisesse. Resolvi investir no humor, segmento no qual eu estava mais incluído por conta da minha companhia, a “Companhia do Público”, um trio de comédia. Foi realmente uma virada de página. Os diretores passaram a me conhecer, o grande público de maneira geral, os diretores, produtores de elenco. Eu fui ali revelado para todo o mercado de trabalho de uma forma mais concreta ainda que inicialmente, mas de uma maneira mais concreta”.
Ainda sobre Severino, ele diz que “o personagem foi o primeiro que eu considero uma virada de página na minha carreira porque eu já tinha ali 30 anos e já estava formado profissionalmente no teatro desde 1991 e já estava fazendo os meu primeiros trabalhos de televisão. Na época, o Papinha (Rogério Gomes, diretor), o Ricardo Waddington, me deram muita força também, assim como o próprio Manoel Carlos”. Claudio diz que hoje, inclusive, dá aula sobre humor e mantém uma oficina na CAL (Casa das Artes de Laranjeiras) sobre a relação do humor com a comicidade individual, em dupla, em trio, em grupo. “A gente aborda todas essas coisas. Na época, eu estava estudando muito humor e eu investi nisso, no humor físico, no jeito de falar e de se comportar”.
A estreia do ator em novelas foi também, numa obra de Manoel Carlos, “Felicidade“, de 1991. “Eu fazia um personagem muito pequeno também, que era o Romeu, da Vila Duília. Era uma novela baseada nos contos de Aníbal Machado (1894-1964). Um dia o Manoel Carlos escreveu para o Romeu uma cena maior assim, que falava dele próprio e fiquei com isso na memória”.
A novela é uma obra aberta que vai se adaptando ao gosto popular, o que vai dando certo vai aumentando e o que não, vai diminuindo. Personagens grandes podem diminuir de tamanho, inclusive. Aprendi um pouco sobre todos esses fatores de como se dá a cultura da telenovela – Claudio Gabriel
ARTE(S)
Além da peça, o ator poderá ser visto, em breve, na montagem do espetáculo “Dignidade” , junto com o ator Thelmo Fernandes. Claudio foi indicado ao Prêmio Cesgranrio de Melhor Ator Musical por “A Hora da Estrela ou Canto de Macabéa“. Além destes, tem uma atividade paralela que é a pintura. Está participando de várias exposições, todas na capital fluminense.
Aluno do Escola Técnica de Teatro Martins Pena, Claudio lamenta que o instituto esteja há anos em crise: “É uma tristeza sem fim, uma lástima. É a primeira escola pública de teatro no Brasil, uma escola importantíssima que formou um monte de gente que o público conhece. Eu acho que às vezes falta também o público em geral, as pessoas que não são da classe, apoiarem-na”. Outra reivindicação relaciona-se aos direitos conexos “Há de se ter uma lei que repare esse erro histórico. Além da classe, o público em si tem que tomar conhecimento disso, por que, na verdade, todo mundo sai perdendo”.
No terço final de “Laços de Família“, o personagem Severino cantava, com frequência, a canção “Felicidade”, de Lupicínio Rodrigues (1914-1974). Perguntamos para Claudio, o que era felicidade para ele: “O equilíbrio entre os quereres na vida. Tem menos a ver com dinheiro e mais a ver com o equilíbrio da sua vida de modo geral, desde à vida íntima aos problemas do macro – como as guerras, desastres naturais e preconceitos. Acho que é isso o que mais se aproxima da felicidade. As relações de amizade – de amor e familiares – para além de todas as diferenças que há entre nós, seres humanos”, filosofa.
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