Claudia Raia produzirá série para streaming, peça sobre menopausa e revisita excessos: “Treinava até vomitar”


“Eu estou experimentando não ter emprego fixo. Tive a sorte de ter um emprego fixo numa empresa e que me deu muita coisa. Hoje, eu estou com a minha parte produtora muito ativa. Novela com filho pequeno nesse momento não dá, mas outros projetos mais curtos faço. Eu quero fazer novas coisas seja na TV Globo, no streaming, seja em qualquer lugar”. Claudia foi convidada para uma série da HBO e está produzindo outra e, no teatro, em cartaz com o marido, Jarbas Homem de Mello, e projeto novo e mais dois espetáculos que voltarão aos palcos. A atriz reflete sobre 40 anos de carreira, destacando-se como uma das maiores estrelas da TV e teatro brasileiros. Foi considerada a mulher mais “sexy do Brasil”. “Mas fui sexualizada e sempre consegui me defender”, dispara. Ela revisita personagens polêmicos, como o estereotipado Tonhão (TV Pirata) e a trans Ramona (As Filhas da Mãe). “E naquela época eu também fazia uma personagem preta, o blackface, o que é uma coisa impossível de fazer hoje”, reconhecendo o avanço nas discussões sociais

*por Vítor Antunes

Claudia Raia é um universo de temas e possibilidades. Pela primeira vez em 40 anos de carreira, ela se encontra sem contrato fixo com nenhuma emissora de televisão. No entanto, está envolvida com streaming, produção e em quatro projetos teatrais, incluindo a turnê da peça ao lado do marido, Jarbas Homem de Mello, e antecipou o retorno aos palcos, em seguida, com a estreia “As Cenas da Menopausa“. Claudia também vive uma nova fase da carreira, não só por ter tido um filho depois dos 55 anos, mas também por não estar vinculada à Globo depois de 40. “Eu estou experimentando não ter emprego fixo. Tive a sorte de ter um emprego fixo numa empresa, o que foi muito bacana e que me deu muita coisa. Foi uma troca muito muito incrível. Hoje, eu estou com a minha parte produtora muito ativa. Novela com filho pequeno nesse momento não dá, mas outros projetos mais curtos faço sem problema nenhum. Eu quero fazer novas coisas seja na TV Globo, no streaming, seja em qualquer lugar”. Claudia foi convidada para uma série da HBO e está produzindo outra.

Claudia também recorda o quanto a maturidade a fez naturalizar a compreensão dos limites do seu corpo. “Aos 19, 20 anos, eu fazia treinos dos quais eu precisava parar no meio para vomitar no banheiro. Algo diferente de hoje. “A revista Playboy era a coisa mais incrível que podia acontecer na carreira de uma pessoa, então eu aceitei. Tinha 17 anos. Me botaram num estúdio de dança para eu me sentir à vontade. Depois deste, fiz mais três ensaios em quatro capas de Playboy, tida como a mulher mais sexy do Brasil, mas também sexualizada. Porém, não fui vítima ou assediada, sempre consegui me defender. A minha criação foi muito feroz em relação a esse assunto. Todo mundo já tinha um pouco de medo de mim, em razão do meu empoderamento, não era permitido chegar perto mim se eu não permitisse, e tive uma carreira, graças a Deus, construída por meu talento e pelas mãos que foram estendidas a mim e não por qualquer ser concessão sexual”.

Nesta entrevista exclusiva, ela faz algumas reflexões inéditas sobre sua carreira. Como a única novela em que participou apenas da trilha sonora e que sua estreia na TV inventaram um nome artístico diferente dos dois que já usou – Maria Claudia e o atual, Claudia Raia. A atriz também revisita dois trabalhos que hoje poderiam ser problematizados pela sociedade contemporânea: O Tonhão, da TV Pirata, uma personagem lésbica estereotipada, e Ramona, de “As Filhas da Mãe” – uma das primeiras personagens transexuais da teledramaturgia brasileira. “Eu não os problematizo porque isso é um reflexo da época. Não se falava em atores trans, o que realmente é um absurdo. Ainda bem que andamos para frente em relação a isso. E naquela época eu também fazia uma personagem preta, o blackface, o que é uma coisa impossível de fazer hoje. Inclusive, não tenho duvida que Tonhão é um dos personagens mais importantes da minha carreira”.

Claudia Raia na plenitude (Foto: Tato Bellini)

 

O BEM-TE-VI ATREVIDO

Ela é uma das poucas atrizes a ser citada em músicas pop brasileiras. Além dela, só Marieta Severo, em algumas canções de Chico Buarque, com quem ela era casado. Rita Lee (1947-2023), cita Luz del Fuego (1917-1967) na canção homônima e Leila Diniz (1945-1972) em “Todas as Mulheres do Mundo“. Xuxa levou Claudia Raia para a boca das crianças noventistas em duas músicas: “Jogo da Rima” e “Ritmos” nos nos de 1994 e 1995. Há 41 anos estreou no teatro, em “A Chorus Line“. Com 16 anos viveu uma mulher de 36. Em sua primeira entrevista para a Manchete, Claudia declarou “Nasci para ser estrela“. E é. Atrevida como o bem-te-vi que nomeia este trecho da reportagem e a primeira peça na qual ela trabalhou na vida. A vida sempre parou para assistir Claudia Raia. E mais uma vez, o mundo fez uma pausa para vê-la ver o mundo. No meio da conversa, Lucca, seu pequeno filho de apenas um ano e meio, chegou em casa e roubou a cena. Com o carisma herdado de ambos os pais. Mesmo carisma que imprime das redes sociais, ainda que com tão pouca idade.

Em 1983, ela foi citada pela primeira vez em Manchete: “Maria Claudia Raia, a caçula do elenco e (…) obtém um dos melhores momento do espetáculo“. Ainda para a extinta revista, ela deu uma declaração curiosa sobre a maturidade: “Tenho pavor da velhice! Não gosto nem de pensar isso. Me dá muita angústia. Meu único consolo é ver a Tônia Carrero (1922-2018), que é uma grande amiga. Espero que esse medo não termine em neurose”. Como é que a mulher madura de hoje vê aquela menina, de 16 anos? “Olha, o medo de não ficar neurótica continua. Vejo com naturalidade a maturidade e acho que ela diverge da velhice e esta é uma coisa que fica na cabeça da pessoa. Eu não me considero uma pessoa velha. Eu sou uma pessoa muito jovem. A minha cabeça é muito jovem, os meus pensamentos, as minhas atitudes diante da vida. E eu não sou nada saudosista. Eu não fico pensando no que eu fiz. Estou sempre pensando sempre do que eu vou fazer e essa curiosidade me leva todo mundo lugar. Essa é uma característica da juventude, de se encantar, se apaixonar, se entregar”.

Eu não quero ser uma senhora chata, que implica com a nova geração. Ao contrário, eu adoro conviver com jovens, ver os novos artistas, os novos escritores, os novos diretores. Eu gosto de caçar talentos e com a minha antena ligada, para encontrar gente nova e gente incrivel  – Claudia Raia

Primeira foto de Claudia Raia para Manchete em 1984. Retrato de uma época (Foto: Revista Manchete/Biblioteca Nacional)

 

Ainda bem que eu não sou a mesma. O corpo não é mais o mesmo, mas eu, sinceramente, me considero muito melhor agora e em todos os sentidos. Eu acho que eu fiquei do meu tamanho. Eu acho que tudo durante toda a minha vida há um pouco desmedido ou para mais ou para menos, e agora eu sei o que me fica bem, o que realmente me fascina, o que eu gosto. Quero viver minha vida com leveza, com alegria, poder transformar esse segundo ato da minha vida de uma maneira bacana, lidando com a menopausa, indo atrás de uma massa magra e de mente mais calma – Cláudia Raia

Ao lado de seu marido, Jarbas Homem de Mello, está em cena mais uma vez, unindo amor e arte. Neste semestre o casal volta aos palcos com “Conserto para Dois” (sim, é com ‘s’ mesmo), em turnê nacional. Até 24 de novembro fica no Teatro Frei Caneca, em São Paulo, depois vai para a Cidade das Artes, no Rio e encerra o ano no teatro Universitário, em Vitória. No início de 2025, ela estreia “As Cenas da Menopausa“, que trata especialmente sobre a maturidade feminina. “É um produto que a gente está pensando há dois, três anos e que fala muito forte minha nas redes sociais em tudo o que eu faço, mas eu queria usar a magia do teatro para poder chegar perto das pessoas e ajudá-las a se transformar e transformar o segundo ato da vida delas. Minha vontade é que esta peça seja um serviço. Inclusive é de nosso desejo levar “Menopausa” para Portugal, já que lá esses debates não acontecem da mesma maneira que aqui no Brasil e estão alguns passos atrás. Há pouco tempo, ainda era proibido fazer reposição hormonal em terras portuguesas”. Consta ainda o retorno de “Chaplin”, que traz Jarbas no papel protagonista e “Tarsila”, que traz a própria Claudia à frente. “Tarsila é um espetáculo necessário para a compreensão da identidade artística do nosso país. É um espetáculo que realmente mexeu com a brasilidade das pessoas”.

Claudia Raia, em 1986, logo após “Roque Santeiro” sua primeira novela na Globo (Foto: Biblioteca Nacional/Revista Manchete)

NOTAS DE RODAPÉ

Claudia Raia explicou que, embora seja cantora de musicais, nunca teve a intenção de seguir uma carreira convencional, porém acabou sendo convidada a gravar uma música para uma trilha de novela. “Na verdade, quando você é cantora de musical, as pessoas acham que você quer fazer uma carreira no mercado fonográfico, mas eu nunca quis isso. Sempre quis ser cantora de musical.” Ela relembra que, na época, surgiu uma especulação sobre sua carreira como cantora, o que levou ao convite para cantar ‘Fada Noturna’ para a trilha de ‘Direito de Amar‘. “Fui convidada pela Som Livre, e fiz, mas foi uma coisa bem aleatória. Eu estava dançando na época”. Ela admite que a música é “meio fora do contexto” e confirma que essa foi sua única gravação oficial como cantora. “Eu adoro cantar, mas as minhas coisas, as músicas dos musicais. Talvez no futuro, eu faça um recital com canções dos musicais que participei, mas isso é diferente de ter uma carreira”.

A atriz também contou a história do erro de grafia de seu nome na televisão. “Foi um erro de digitação. Colocaram com ‘y’ e eu ia reclamar, mas disseram: ‘Ah, agora é difícil de tirar’, e acabou ficando. Foi assim, mas é ruim. Na abertura de ‘Roque Santeiro‘, estava com ‘y’.” Ela esclareceu que a mudança não foi por numerologia, mas por um erro inexplicável. Além de Claudia, a atriz Eloísa Mafalda (1924-2018) também teve seu nome escrito errado, como “Heloisa”.

Abertura de Roque Santeiro com o nome de Cláudia escrito de modo errado (Foto: Reprodução)

Em uma antiga entrevista, Claudia Raia revelou que se inspirava em Liza Minnelli e Shirley MacLaine, e que, como elas, queria ter shows com seu nome. E conseguiu. Sobre o surgimento da trilogia “Não Fuja da Raia“, “Nas Raias da Loucura” e “Caia na Raia“, ela conta: “Meu maior mentor, o Boni, disse para mim: ‘Claudia, não faça musical, isso é coisa de americano, a gente não entende de musical aqui, não vai dar certo’. Eu disse a ele: ‘Mas o Brasil é um país musical! Colocamos todos os anos no Sambódromo um espetáculo que é uma história cantada, com aquela riqueza. Como não vai funcionar?’.” O sucesso foi enorme, e Boni reconheceu seu erro: “Ele me ligou, pediu desculpas e disse que queria fazer um programa musical meu na TV. Perguntou se eu emprestava o nome de ‘Não Fuja da Raia‘, meu primeiro musical autoral. Hoje, o gênero se estabeleceu.”

É uma felicidade enorme ter sido uma das pessoas que mais lutou pelos musicais no país, que antes não era aceito. Hoje, o Brasil está entre os países que mais produzem musicais, junto com o México e os Estados Unidos, e isso é um grande feito, mesmo tendo começado tarde nesse segmento. É muito legal saber que minha história inspira de alguma forma. Eu sou de uma época em que a gente desviava do fio do microfone para fazer uma pirueta – Claudia Raia

Entre desafios e conquistas, Claudia Raia compartilha lições de sua trajetória (Foto: Renan Cristofoletti)

Portanto, Claudia Raia percorre a vida como quem dança com o tempo, sem medo de revisitar o passado ou abraçar o futuro. Sua trajetória, tão cheia de altos e nuances, revela o encanto de uma artista que nunca deixou de evoluir. Hoje, no segundo ato da vida, ela brilha com a maturidade de quem aprendeu a honrar suas conquistas e olhar adiante com leveza e paixão. É como se o palco, outrora vasto e desafiador, se tornasse agora uma extensão natural de sua alma. Claudia não se intimida pelas marcas do tempo; ao contrário, as transforma em combustível para continuar surpreendendo e encantando. Na companhia de amores, filhos e novos projetos, sua jornada segue como uma peça vibrante, onde cada cena é vivida intensamente, em sinfonia perfeita com o pulsar da vida.