*por Vítor Antunes
Longe das novelas desde “Verão 90” (2019) – e das tramas das 21h, desde a fracassada “A Lei do Amor” (2016) – Cláudia Raia voltará a aparecer numa trama de TV. Será Emengarda, mãe do trambiqueiro Luigi (Rainer Cadete). A estreia de Raia na novela de Walcyr Carrasco também é simbólica por outra razão. Há 16 anos, ela estava na novela “Sete Pecados“, e sua personagem foi, literalmente, explodida. O sumiço de Agatha, seu papel na antiga trama das 19h através de uma explosão, foi motivada por duas razões segundo apontou a crítica da época. Uma delas, o descontentamento de Carrasco com os improvisos da atriz nas falas. Outra, os ajustes na novela, que ia mal de audiência e acabaram por diminuir a importância da vilã da novela. O entrevero entre ambos, porém, parece ter ficado no passado. O convite à atriz veio através do próprio Carrasco, por meio de um telefonema. A participação durará 10 capítulos e ocorrerá sete meses após o nascimento do filho da artista, Luca.
Ao que tudo indica, a reconciliação de Carrasco com Raia assemelha-se a que ele teve com Elizabeth Savalla durante “Chocolate com Pimenta“. Na trama das 18h, diante dos inúmeros cacos da atriz nas falas, o autor puniu-a com semanas de mudez. Jezebel, personagem dela, ficou sem falar por vários capítulos, e só voltou quando obedeceu ipsis litteris às falas escritas por Walcyr, que não tolera improvisos. A parceria entre ele e Savalla, permanece até hoje e a última novela dela com a assinatura dele foi “Êta Mundo Bom” (2016).
A contrário do que possa parecer, nem sempre a relação do autor com os atores que reclamam de seus papéis é amistosa. É de conhecimento geral que ele pune artistas que “inventam moda” em suas novelas. E isso é presente, inclusive, na primeira novela solo escrita por Walcyr, a fracassada “Cortina de Vidro” (1989), do SBT. Na trama, ele queria abordar a temática do HIV através dos personagens de George Otto (1955-1991) e José Américo Magno. Com a recusa deste último em viver um relacionamento homossexual no folhetim, o personagem sumiu.
Em “Amor à Vida“, Marina Ruy Barbosa negou-se a cortar seu cabelo e a personagem não só foi morta como virou um fantasma. “Amor à vida”, inclusive, foi o trabalho que mais gerou reclamação – e rusgas – entre os atores e o elenco. Além da ruiva, Marcello Antony, Juliano Cazarré e Ricardo Tozzi reclamaram publicamente de seus personagens.
Caso mais recente, e radical, Camila Queiroz, protagonista de “Verdades Secretas II“, foi expulsa da trama que protagonizava, demitida da Globo e rompeu com o escritor, que era, inclusive, seu padrinho de casamento. “Por mim, Camila Queiroz nunca mais pisa na Globo”, teria dito ele na ocasião. Veja outras novelas nas quais os atores se indispuseram com Carrasco.
Sete Pecados (2007)
Em 2007, Cláudia Raia dava vida à vilã Agatha. Mas havia alguma animosidade entre ela e o autor. No livro “Sempre Raia um Novo Dia“, de 2020, a artista definiu a trama como algo “que não deu certo e na qual acabei sendo explodida. Teve erro de escalação, excesso de personagens, papéis confusos. Fui de antagonista principal a coadjuvante sem história”. Corria, também, a vertente de que o afastamento de Claudia da trama deu-se por conta dos improvisos da atriz, o que ela não desmente de forma integral: “Eram tantas as alterações de última hora que ficava difícil até para decorar as falas. Walcyr Carrasco reconheceu os problemas e foi muito correto comigo”, declarou no livro.
Por mais que tenha feito outras novelas com Gloria Pires, como “Belíssima”, esta é, nas palavras de Raia, a primeira vez que elas contracenam. E, mais uma vez, reforça a importância do autor. “Olha o que Walcyr Carrasco e ‘Terra e Paixão’ estão nos proporcionando!”, escreveu, em sua rede social. Sua personagem, Emengarda, será uma trambiqueira, “cara de pau, divertidíssima e de caráter muito duvidoso. Podemos esperar barbaridades dela”, disse ela ao jornal O Globo. Emengarda terá cenas com o personagem de Rainer Cadete, o falso italiano Luigi.
Cortina de Vidro (1989)
Esquecida novela do SBT, “Cortina de Vidro” faria uma abordagem à temática do HIV, além de ter um beijo gay. Mas a cena foi cortada sem ir ao ar. Aconteceria entre os personagens de George Otto (1955-1991) e José Américo Magno. Segundo aponta o jornal O Estado de São Paulo , de 14/03/1990, Magno recusou-se a gravar a cena que comporia o Capítulo 143. Diante da recusa do ator, o mesmo foi desligado da obra e sua ausência foi justificada com uma “viagem para Santa Catarina”. À época, o Brasil vivia o grande auge da síndrome e não se sabia suas formas de contágio e as pessoas HIV positivas eram vistas com muito preconceito. Curiosamente, anos depois, o próprio Walcyr seria o responsável por levar ao ar o primeiro beijo gay da história da TV Globo, em “Amor à vida”.
Amor à Vida (2013)
Citada anteriormente por conta de ter trazido em seu elenco um casal gay, “Amor à Vida” foi a novela que mais teve desavenças entre o elenco e o autor. Marina Ruy Barbosa, Marcelo Antonny, Juliano Cazarré e Ricardo Tozzi reclamaram de seus personagens e apenas o último não teve uma relação ruidosa com Walcyr. Ainda hoje, o entrevero entre o autor e Marina rende assunto. Na trama, a personagem teria câncer em estágio avançado e precisaria raspar o cabelo em determinado ponto da novela. Mas ações comerciais firmadas entre Marina e marcas de produtos capilares impediram que isso acontecesse. O que deixou Walcyr “chateado. Quando ela aceitou o papel, tinha combinado que cortaria o cabelo. Ela foi fazer o papel e a história [do corte] foi chegando. Ela não avisou com tanta antecedência que não ia cortar. Se tivesse, eu teria sabido orientar a história para outro lugar. Em cinco dias eu tive que mudar toda a história”, lamentou ele.
Hoje ninguém é mais inacessível e essas hierarquias são tratadas de uma forma bem mais saudável nos ambientes de trabalho – Marina Ruy Barbosa
Juliano Cazarré foi outro a reclamar da trajetória de Ninho, seu personagem na mesma novela. Em entrevista ao portal UOL, ele declarou, na época: “Continuo sem saber o que ele é. Ele é vilão, ele é mocinho? O Félix (Mateus Solano) é vilão ou mocinho? Já não sei mais nada (…) Recebia [o script] no desespero. O Ninho não era pobre e hippie? Agora está rico? (…) O personagem hoje em dia é muito diferente do que era no início da novela. Mas estou feliz de trazer um personagem novo aos 45 do segundo tempo”, garantiu. Ao Jornal Extra ele prosseguiu nas críticas: “Continuo sem saber o que Ninho é. Ele é vilão? Não. Ele é mocinho? Não. Essa novela é doida também (…). Eu não sei mais nada. Mas foi bom fazer, me diverti, trabalhei com atores incríveis. Tive a chance de contracenar com o Antonio Fagundes, com Paolla Oliveira e Malvino Salvador, foi bacana ver o profissionalismo deles”. Em resposta, Walcyr Carrasco rebateu: “Se [o personagem] matou uma mulher a tesouradas, ajuda a amante a roubar o dinheiro do marido e a beija na frente dele, que é cego, e [o ator] ainda não sabe se é vilão, não tenho nada a comentar”. Em 2017, Cazarré voltaria a trabalhar com Carrasco em “O Outro Lado do Paraíso“.
O que o Walcyr escrever, vou fazer da melhor maneira possível. Eu não estou torcendo por nada, porque não adianta torcer. É gastar energia à toa. Vou fazer o que chegar – Juliano Cazarré, em 2013
Marcello Antony reforçou o coro dos descontentes, sobre o seu personagem o homossexual – que depois revelou-se bissexual, Eron: “Acho que para se discutir os gays em uma novela no horário nobre, você tem que inserir os gays na sociedade. Eu abordaria outros temas. Por exemplo, eu inseriria a minha mãe achando ele muito fofo e vice versa. Eu vejo uma trama mais preocupada com a comédia, em vez de mostrar gays que têm família. Os personagens ainda são muito órfãos. Eu sofro para dizer aquele texto, porque é algo que eu nunca diria, mas eu sou apenas um veículo para expressar o que o autor escreve. Com todas suas coerências e incoerências”. Walcyr se opôs. “É óbvio que um ator diz textos que nunca diria, caso contrário só representaria a ele mesmo. A não ser quando o ator cria uma própria história na sua cabeça. Aí, o que ele acha incoerente é apenas a frustração de seus desejos”. Sobre “Amor à Vida“, Ricardo Tozzi e Rodrigo Andrade também se queixaram de seus personagens.
Eron é um babaca, que pisou feio na bola. Tem que usar pijama para ser o legítimo banana de pijama — Marcello Antony, em 2013
Verdades Secretas II
A continuação de “Verdades Secretas” exibida em 2021 foi muito ruidosa. A protagonista foi dispensada quando a novela ainda estava sendo gravada. Muitas versões foram apresentadas para essa ruptura. Segundo o autor declarou ao podcast “Novela das 9“, do GShow, “[Haveria] gravações até do último capítulo. Então não é uma coisa que a história tenha sido cortada. A gente já tinha gravações. O que aconteceu eu nunca vi acontecer. Não entro em detalhes porque foi uma questão entre Camila Queiroz e a Globo, mas nunca vi na reta final dar um problema assim, não. Não foi nada foi fácil pra mim. Impactou, foi difícil. Se eu falar sobre como impactou no meu trabalho vou ter que expor detalhes que não quero”. Na mesma época, Carrasco relatou: “Me isolei para escrever até o final e ficar bem. Prefiro fazer isso quando a situação é grave”. De acordo com a emissora, o rompimento com Camila deveu-se ao fato de ela “querer determinar o desfecho da personagem Angel e [estabelecer] um compromisso formal de que faria parte de uma eventual terceira temporada da obra, além de outras demandas contratuais inaceitáveis” . Ainda que fosse seu padrinho de casamento, a ruptura entre Camila e Walcyr parece não ter sinal de reconciliação. Nunca mais ela fez novelas dele e cria-se, inclusive, que ela não mais voltaria à emissora líder de audiência. Contudo, Camila protagonizou “Amor Perfeito“, de Duca Rachid e Julio Fischer, encerrada em Setembro de 2023.
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