*por Vítor Antunes
Cláudia Mauro emendou a sua segunda novela das 21h na Globo após alguns anos fora, não apenas desta faixa de horário, mas da própria emissora carioca. Depois de fazer a coach de emagrecimento Helena de “Um Lugar ao Sol“, a atriz interpreta Pilar, uma das mafiosas de “Travessia”. Para a atriz, Pilar é uma personagem interessante por permiti-la explorar matizes e controvérsias da mulher, que é, ao mesmo tempo, diarista e mafiosa. Sambista e misteriosa. Claudia fala que o convite à trama surgiu anos antes de sua estreia, ainda em 2019. Porém, a sua amizade com Glória Perez é ainda mais antiga e remonta há, pelo menos, 33 anos. Finalmente fazem uma novela juntas. Amiga de Daniella Perez (1970-1992), Cláudia faria “Barriga de Aluguel“, mas acabou não podendo ser escalada. Em sua homenagem, o papel da falecida atriz na trama sobre maternidade ganhou o seu apelido: Clô.
Em “Um Lugar ao Sol”, Mauro estava em cena com a Ana Baird, irmã de Alice Borges, “uma das minhas melhores amigas, diretora de várias das peças que estou produzindo: ‘À Flor da Pele‘, como ‘Na Próxima Estação‘. No elenco, estão o meu marido, Paulo César Grande, e o Giuseppe Oristânio. Trata-se de uma história de amizade entre dois homens que se encontram numa estação de trem. A outra encenação citada é o “À Flor da Pele“, um monólogo que estou escrevendo para mim, super performático. Quero também retomar a montagem de “A Vida Passou Por Aqui“, peça que está em cartaz há seis anos, e prosseguir a encenação de “Um Pai de Outro Mundo“, monólogo protagonizado pelo Marcelo Serrado e que escrevemos em dupla, cuja temporada carioca termina agora em março e que vai rodar pelo Brasil.
Diante de uma profunda produção artística, com projetos no audiovisual e no teatro, Cláudia Mauro fala, também, sobre o título da Unidos do Porto da Pedra, sua escola do coração, que ascendeu ao Grupo Especial; a sua maturidade versus filhos adolescentes: “Eles estão entrando na puberdade e eu na menopausa”.Além disso, aborda sobre como lidava com o fato de viver a personagem Dona Capitu, na “Escolinha do Professor Raimundo” e se hoje seria problematizada a sua sensualidade.
A Escolinha hoje seria alvo de muitas críticas, porque havia ali a gostosa burra, a gorda engraçada, o gay mais velho que hoje seria também criticado, o nordestino… Havia muitos dos clichês dos programas de humor, que se pautavam em cima do preconceito, do deboche. Mas o Chico Anysio já era tão genial que colocava os personagens pra cima. Eram empoderados, ainda que nos clichês, defendiam-se do preconceito com o humor – Claudia Mauro
De acordo com a atriz, já havia uma preocupação com esse tema naquela época, início dos anos 1990, sobre não explorar em demasia o corpo feminino. Tanto que ela e Chico Anysio (1931-2012) conseguiram redefinir um script que pedia que a personagem entrasse em cena trajando um biquíni. Cláudia relembra que a valorização do artista de humor também é algo recente. Para ela, nos anos 1990 “os programas cômicos tinham muita popularidade mas não conferiam ao ator prestígio. “Era uma dificuldade migrar para o drama. Hoje em dia o humorista circula pela dramaturgia com mais facilidade”.
ENTRE O PRECONCEITO E A MÁFIA
A relação entre Glória Perez e Cláudia Mauro é antiga, além de ser profundamente pautada pelo afeto. A atriz era amiga de Daniella Perez (1970-1992), que insistiu que a mãe escrevesse um personagem para a atriz em “Barriga de Aluguel” (1990). Cláudia conta-nos, inclusive, que a primeira personagem da falecida artista na trama dos 90’s tinha o seu nome. “A personagem da Dany chamava-se ‘Clô’. Este é o meu apelido, quando eu era adolescente”. Ainda que sejam próximas, Glória e Cláudia nunca haviam trabalhado juntas e esse encontro aconteceu em “Travessia”. “A autora me convidou pra fazer a novela em 2019, e disse que havia um personagem para o qual havia pensado em mim. Pilar é uma mulher que me permite mostrar essas duas faces. Ao mesmo tempo que é uma diarista é uma mafiosa”. A personagem de Mauro na trama é uma mulher que se disfarça de empregada doméstica para infiltrar-se na casa de Helô (Giovanna Antonelli). Segundo relata, a própria autora guardou segredo sobre a personalidade de Pilar. “Glória apresentou-a como sendo uma pessoa que gosta de samba, popular, do núcleo de Vila Isabel. Essa verve ambígua chegou a mim depois”.
Outro trabalho recente de Cláudia foi a novela “Um Lugar ao Sol“. A parceria com a autora Lícia Manzo, tal como ocorreu com Glória, era antiga. “Foi um reencontro com Lícia. A minha primeira peça de teatro foi com ela. Eu tinha 12 anos quando entrei no grupo de teatro “Além da Lua”, cujos idealizadores eram, entre outros, ela e o meu irmão, André di Mauro“. Na trama de 2020, Cláudia vivia Helena, uma ex-gorda que era coach de emagrecimento e revelava-se gordofóbica. Sobre ela, Claudia diz: “Eu acho que a personagem de “Um Lugar ao Sol” nem chegava a ser uma vilã. Existem milhões de mulheres e pessoas como ela nos dias de hoje ainda, que seguem esse padrão estabelecido, esta verdade, de achar que não é possível ser feliz sendo gordo, se que esta condição atrapalhava a vida. Ela não era uma pessoa má, uma vilã, mas alguém absolutamente equivocado, ainda mais por se propor a ser uma coach, uma aconselhadora. Eu acho que foi importante a Lícia tenha trazido isso à tona, porque há milhões de pessoas como Helena nos dias de hoje. Trata-se de um tema importante esse para ser debatido na TV, [a gordofobia]”.
TUDO AO MESMO TEMPO AGORA
Num momento artisticamente movimentado, Claudia adaptou para o cinema, como um roteiro de longa-metragem a peça “A Vida Passou por Aqui“, num script cinematográfico encomendado por Marcello Novaes. “A escrita do projeto foi feita em parceria com a Mirna Brasil Portela e a Isabelle Borges e a pré-produção inicia no segundo semestre. Novaes vai começar a gravar uma novela e a gente pretende começar essa pré-produção depois disso”. Outro longa que está produzindo é sobre o ator Eduardo Galvão (1962-2020). “Trata-se de um filme que não é apenas sobre a vida do ator, mas sobre a nossa amizade”.
ESCOLINHA DO PROFESSOR RAIMUNDO E MULHER NO HUMOR
Mauro fala sobre a sua entrada no humorístico noventista: Eu entrei na “Escolinha” pra fazer outro personagem, que seria obcecada por televisão – por isso chamava-se Capitulina, de capítulo, e transformaria-se a cada vez que falassem do Tarcísio Meira (1935-2021)”. Como a cada tal transformação, a personagem ficava parcialmente despida, isso acabou gerando um problema com os religiosos – já que a personagem era evangélica – e a primeira “formatação” dela saiu do ar. Depois, a moça ganhou a sua cara definitiva no humorístico, como a da menina que acertava tudo por acaso. Outra característica da personagem surgiu de forma a surpreender a própria intérprete. “Recebi um roteiro onde havia escrito: ‘Dona Capitu apaga o quadro o quadro rebolando’. Daí veio a coisa de apagar o quadro rapidinho”.
Durante a remontagem da “Escolinha do Professor Raimundo” uma das questões pautadas pelos adaptadores era justamente sobre como retratar os personagens ali tratados fora do espectro da caricatura. Como falar do gay maduro sem esterotipá-lo, como falar do indígena sem reforçar o racismo aos povos originários e como trazer mulheres bonitas sem explorar seus corpos e usá-los como recurso cômico. No remake do clássico de humor, a roupa da personagem era ainda mais comportada que a dos Anos 1990.
Segundo Cláudia, mesmo naquela época já havia o cuidado com o figurino de modo a não expor a atriz. “Eu já possuía muito zelo em não vulgarizar a personagem. E este também era um pensamento do Chico Anysio. Já houve cenas que chegaram a mim nas quais havia um pedido de que Dona Capitu estivesse vestindo apenas um biquíni. Havia, entre mim e Anysio, um diálogo e quando havia algo excessivo ele próprio brecava. Capitu era uma personagem que as meninas brincavam e eu tentei trazer um pouco dessa inocência a ela. A minha saia era mais comprida. Eu usava uma calcinha grande. Acabou que a Dona Capitu virou um sucesso com aquela coisa de apagar o quadro, as meninas me imitavam no colégio, queriam fazer a boneca da dona Capitu e tudo o mais…. Sobre a problemática daqueles idos diz “Era um clichê típico dos programas de humor daquela época. Os estereótipos estavam todos ali”, relembra.
A atriz prossegue, e reconhece, que o programa “trazia a mulher nesse lugar, da objetificação. “Mas eu acho que o humor sempre salva tudo e tira graça das coisas que são problemáticas. Tudo depende muito do texto, já que essas personagens ainda existem. Então, desconstruir é um processo”.
O TEMPO É GRANDE
Em 1991, Cláudia Mauro iniciou um relacionamento com Paulo César Grande. Casaram-se em 1994. Os dois se mantém casados até hoje, ainda que tenham surgido rumores de uma separação. Algo que ambos, prontamente desmentiram. A própria atriz, nesta conversa, fala-nos que uma má-interpretação acabou gerando o buzz sobre o possível divórcio. “Essa história surge por conta de um post que fiz, falando sobre amizade, de que estávamos criando nossos filhos e que esta parceria era a coisa mais importante. As pessoas interpretaram o post de uma forma meio equivocada e saiu em tudo o quanto foi lugar que a gente havia se separado. A gente morreu de rir. Mas (essa desdita) é algo que faz parte. Não é a primeira e nem vai ser a última vez que aconteceu isso com a gente. (…)”.
Casamento longo é uma escolha. Você tem que realmente superar suas fases em favor da parceria com aquela pessoa. Pra mim o segredo está na amizade. Com o fato de poder contar com o outro a qualquer momento (…). Se você não consegue ser você mesmo dentro duma relação, aquilo vira uma tortura. Na minha casa, eu e Paulo César somos exatamente as mesmas pessoas que somos. A gente partilha tudo, então há um equilíbrio. É algo que está presente nas nossas referências, da família, na nossa essência – Cláudia Mauro
E ela prossegue: “Você não precisa ficar a vida inteira com uma pessoa só. Quem falou que isso é a melhor coisa? A gente faz essa escolha por gostarmos da nossa parceria. E isso tudo só pode ser levado adiante quando se tem uma amizade. A amizade é a relação humana mais resistente. Não se pode perder o outro lado, da admiração, do namoro mesmo. Eu e o Paulo César temos essa história de namorados até hoje”.
Em 2010 nasceram os filhos do casal, Pedro e Carolina. Cláudia estabelece um contundente comparativo para observar o tempo dela e de seu esposo quando comparados àquele que vivem os herdeiros, que são gêmeos: “Ao mesmo tempo em que estou entrando na menopausa eles estão entrando na puberdade. Os meus hormônios estão indo embora e os da minha filha no auge, assim como os do meu filho. Eis aí uma questão de ter sido pais mais velhos, e onde a paternidade chega num momento de maior maturidade. Cada dez anos que passam, são mais significativos para nós que para eles. (…) Meus filhos são muito parceiros e eu e o Paulo César temos tido a sorte de fazer um revezamento: Quando um está trabalhando o outro não está, então a gente vai levando assim. E sinto haver um maior respeito deles para conosco, já que tem uma uma lacuna grande de idade.
NAS GARRAS DO TIGRE
Uma escola que desfilava restritamente em São Gonçalo (RJ), a Porto da Pedra só faria parte do carnaval carioca no meado dos anos 1990. Em 1996 a agremiação gonçalense estreou no Grupo Especial. Ainda nesse passado longínquo, Cláudia Mauro já se fazia presente na agremiação, e por vários anos foi sua Rainha de Bateria. Neste ano, a componente – por que não dizer Histórica – também esteve junto com a vermelha-e-branca. E foi pé quente. A “Porto” foi campeã da Série Ouro e em 2024 desfilará no Grupo Especial depois de 12 anos. Conta-nos Cláudia que fora levada à escola pelo carnavalesco Mauro Quintaes, que assinou os carnavais noventistas do “tigre de São Gonçalo”. O carnavalesco voltou à escola no último carnaval e a atriz retornou junto a ele. Cláudia se disse apaixonada pela escola.
“Tenho uma relação maravilhosa com a comunidade. Os integrantes me amam e eu os amo. Eu tive pouquíssimo tempo de ir à quadra e isso não gerou indisposições entre mim e eles. Todos sabem da minha relação profunda com a escola, do meu amor. Eles me consideram uma pé-quente. Na primeira vez que desfilei, em 1995, a escola subiu pro Grupo Especial. No ano seguinte ela foi uma zebra, tirou quinto lugar na mesma divisão onde permaneceu por um bom período enquanto eu estava lá. É uma alegria vê-la de volta ao grupo principal”, celebra.
Fui madrinha de bateria, madrinha dos passistas. Agora eu saí de destaque de chão. Na menopausa eu vou pra a ala das baianas. Daqui a pouco estou na Velha Guarda e não abandonarei a escola – Claudia Mauro
Um dos gritos de guerra da “Porto”, diz “sou Porto da Pedra, faço samba por amor. Vim de São Gonçalo mostrar meu valor”. Cláudia faz samba e arte com o mesmo amor que emprega às palavras. Fala descontraidamente, como se todos fossem dela um amigo de anos. Ou um colega da classe da Escolinha, ou um velho componente da escola gonçalense. Tal como Júlio Verne inventou uma Amazônia e isto rendeu o título – e o enredo campeão de 2023 – A luz da imaginação acendeu-se coração da atriz levando-a a curiar a vida.
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