*por Vítor Antunes
Recuperando-se de uma cirurgia no joelho, que era premente depois de uma viagem à Amazônia, Luiz Fernando Guimarães conversou com o site sobre uma série de temas. Ainda que seja uma presença frequente em reprises de programas, está afastado da televisão aberta pelo menos desde 2018, quando fez “O Tempo Não Para“. A trama de Mário Teixeira foi uma das poucas telenovelas que o artista fez em sua carreira. Além desta, fez outras três completas – “Vereda Tropical” (1984), “Cambalacho” (1986) e “Cordel Encantado” (2011). Esteve mais presente em séries, seriados e especiais. Por mais que goste do gênero teledramaturgia, o ator ressalta um dos mais importantes problemas dos folhetins de TV. “Nestes, o seu personagem vai de acordo com o índice de audiência. Ele pode começar muito bem e acabar horrível, num canto. É o que temo. Mas se me chamarem pra fazer uma novela e eu me encantar por ela, eu faço. Inclusive adoro fazer televisão”.
O carioca de fala melodiosa, que lançou ano passado a autobiografia “Eu sou uma série”, alegra-se quando o assunto é família. Casado com o empresário Adriano Medeiros, com quem tem dois filhos, Olívia (9) e Dante (12), ele diz que a paternidade lhe trouxe “tudo de bom. Uma nova vida”, ressalta o quanto aprende com os filhos e que, entre tantas experiências que vieram junto a eles é a paciência. “Eu acho que uma das grandes qualidades que eu posso ter [com eles] é a paciência, que é uma coisa que eu não tinha com a vida”. Nesta entrevista, o artista aborda ainda outra de suas paixões: os animais. “Eu gosto de cuidar dos bichos. E passo pros meus filhos este amor para com os animais. Meu filho, o Dante, traz animais de rua e diz: ‘Pai, olha, encontrei ele na rua, tadinho'”. A família tutela cerca de 17 cachorros.
Luiz Fernando Guimarães revisita a sua carreira e fala sobre o especial “Wandergleyson Show“, exibido na TV Bandeirantes em 1987, que serviu de precursor para o programa “TV Pirata” e o “Casseta e Planeta“. Considera que o programa que satirizava a televisão tinha um humor quase juvenil e acredita que o bom senso deve reger o trabalho do humorista. “Se eu sinto que aquele texto soou mal, se eu não gostei, eu não faço. Eu sou bom de falar não’. A maioria dos meus colegas tem uma dificuldade horrorosa de fazer isso”, sinaliza.
O ator, que sorri com as palavras e é sério ainda que engraçado, muda o tom apenas para falar sobre o momento que considera grave em sua História pessoal – “Vou falar para não ter que tocar mais nesse assunto” -, que foi lidar com a Ditadura Militar. Ainda que esta não tenha interferido em sua obra e em seus trabalhos, a repressão invadiu-lhe a casa em busca do seu irmão, Luiz Carlos, que era um opositor ao Regime. Mesmo que a política não seja um tema que conste entre os seus favoritos “eu não tenho vontade nenhuma de conversar [sobre isso], acho chato”, o artista compôs o elenco de “O que é Isso, Companheiro?“, de Bruno Barreto, interpretando um personagem inspirado no jornalista Franklin Martins, no longa indicado ao Oscar de melhor filme estrangeiro em 1998.
DE VOLTA AO NORMAL
Depois de uma cirurgia nos joelhos que lhe valeram alguns dias de convalescença, Luiz Fernando Guimarães aguarda para voltar à rotina de trabalhos. “Serão só mais cinco semanas. Tenho uma recuperação muito rápida. Foi ótimo ter feito a cirurgia, porque eu me machucava muito no joelho e, recentemente, estive na Amazônia com meus filhos, caía, tropeçava… Eu acho que daqui a pouquinho estarei por aí andando, correndo, saltitando”, diverte-se, optando, no entanto em não revelar o que motivou a intervenção cirúrgica.
Em 2022, o artista estava em cartaz com a montagem de “Ponto a Ponto“, na qual dava vida a uma mulher nonagenária. Após o fim desta encenação, ficou fora dos tablados. Agora prepara um novo espetáculo, sobre o qual antecipa, com exclusividade ao Site Heloisa Tolipan .”Para 2023 quero fazer teatro. É uma coisa que eu tenho muita saudade. Eu acho que é o meu habitat definitivo. Estou começando a ler uma peça do Gustavo Pinheiro, para o segundo semestre, cujo nome provisório é “Na hora H “, que eu acho bastante sugestivo”, revela.
Sobre teledramaturgia, não há uma previsão imediata. Luiz Fernando Guimarães fez sua primeira novela na Globo em 1984, “Vereda Tropical“, quando já era um nome consolidado no cinema e no teatro. Nos anos 1970 já havia afamado-se com a montagem de “Trate-me Leão“, do grupo teatral Asdrúbal Trouxe o Trombone, e estrelado filmes como “Engraçadinha” (1981). Apesar que seja um rosto fortemente ligado à televisão, o ator fez muito poucos folhetins. Ainda que a medição da audiência lance mão de uma amostragem cada vez maior de pessoas, e, com isso, o número de pontos abaixe consideravelmente ano a ano, é inegável que o consumo por teledramaturgia diária e no formato tradicional tem diminuído. Com a mudança do perfil do público, que tem migrado para outras plataformas, perguntamos ao ator qual o futuro da teledramaturgia diária: “Eu acho que a novela não vai acabar. Para mim os atores brasileiros são excelentes. O formato ainda tem ainda muito caminho pela frente. Pode ser que as novelas encurtem, mas acabar, não. Há um público consumidor desse gênero que é enorme. “Pantanal” e “Avenida Brasil” foram novelas que eu acompanhei início, meio e fim. Acredito que havendo mais opções nós, enquanto público, tivermos, melhor. Pois exige maior responsabilidade para os profissionais fazerem um bom produto, que não tire a sua atenção daquilo e você vá pra outra coisa”.
TER FILHOS É NORMAL
Segundo falou-nos, Luiz Fernando Guimarães ele não objetivava tornar-se pai. Porém, a paternidade surgiu-lhe de forma arrebatadora. “A experiência paterna me trouxe tudo de ensinamento. Eu nunca tinha sido pai, nem havia pensado em ser. Daí fui buscar na minha família as referências. Tive uma família muito legal, com muita liberdade na minha infância, muito direcionamento, e não fui uma criança modelo, fui uma criança problemática. Ser assim me permitiu entender melhor as crianças, os meus filhos. Eu aprendi a brincar com a minha filha. Brincar de boneca, de desenho, de maquiagem. Aprendi a brincar com meu filho jogando bola, de correr pra lá e pra cá. Os dois me fazem de gaiato. E me ensinam a cada dia”, analisa.
Falo aos meus filhos que tenho idade para ser o avô deles. Considero que quando um deles tiver com 20 anos, eu vou estar com muita idade. Daí proponho: ‘Não é melhor que a gente converse agora? Pode ser que daqui a pouco não tenha mais tempo – Luiz Fernando Guimarães
QUESTIONAMENTOS NORMAIS
Durante a Ditadura Militar, Guimarães esteve em alguns filmes no cinema, como “Engraçadinha” (1981) e “Bar Esperança” (1983). Longas que, embora produzidos durante a ditadura exalavam sensualidade e nos quais os atores, dentre os quais o próprio Luiz Fernando, ficavam nus. Um grande contraste com aquela época de grande repressão. Em seu fazer artístico, o ator não foi alvo de represálias ou de censuras por conta do regime autoritário. “Eu fazia teatro e em nenhum momento a ditadura entrou no meu discurso. Em nenhum momento eu quis falar de militar, eu não tenho a política como meu tema, não tenho vontade nenhuma de conversar, acho chato, inclusive. Não senti a censura no “Engraçadinha”, nem no “Bar Esperança“, filmes que possuíam nudez, assim como na montagem do “Trate-me Leão“. Nesta última, a censora, Dra. Solange [Hernandes] foi lá e não entendia nem o que a gente estava falando. Não sabia nem o que censurar, porque o texto da montagem era comprovadamente comportamental”.
O tom, porém, muda quando o artista direciona para a sua experiência pessoal familiar no que tange à política. “Algo que eu lembro mesmo e que eu vou falar logo para eu não ter que mais tocar nesse assunto é que a ditadura bateu na minha porta, na minha casa. O meu irmão foi preso, a minha família ficou coagida, eu tive que ficar procurando-o pelos quartéis junto com meu pai. Então, assim, eu sofri a ditadura na pele, na vida da minha família”.
Os militares ligaram pra minha casa perguntando se Luiz Carlos, meu irmão, estava. Ele havia deixado panfletos [opositores ao regime] que eu joguei no vaso sanitário e botei fogo. Em 10 minutos eles estavam na minha casa. Passaram a noite lá. Minha mãe falando horrores pra eles, assim como meu pai, que eram pessoas muito pouco informadas em relação a isso. Havia tanques na minha rua, porque muitos jovens que participavam de movimentos opositores moravam ali e quase que todos morreram – Luiz Fernando Guimarães
A coincidência marcante, e talvez não intencional, é relevante pelo fato de, em 1997, Guimarães estar no elenco de “O Que é Isso Companheiro?“, filme que adapta com certa liberdade poética a biografia de Gabeira. No longa de Bruno Barreto, indicado ao Oscar de 1998, o ator deu vida ao personagem inspirado no jornalista Franklin Martins.
O outro espetáculo citado “Trate-me Leão” foi uma revolução nos 70’s por trazer ao teatro o que os jovens daquela época precisavam falar. “A ideia era: vamos falar da gente, do nosso prédio, da rua, das ansiedades, dos problemas, dos nossos pais, da entrada no Exército, do que é enfrentar vestibular e foi isso que aconteceu. A Dra. Solange não conseguiu vislumbrar nada que pudesse ser censurado. E eu acho que o Asdrúbal Trouxe o Trombone permitiu muito às artes, abriu muito as portas. Não era nossa intenção, mas quando é uma coisa faz sucesso as outras vem atrás. É muito natural”. Além deste trabalho, Guimarães relembrou “Engraçadinha” , que estrelou, junto a Lucélia Santos e José Lewgoy (1920 – 2003). “Nossa, quantas lembranças boas… Nós filmávamos em Petrópolis e eu vinha de carro com José Lewgoy. Ele dirigia a 20km/h e eu em pânico. Foi maravilhoso [esse filme] por que o Lewgoy era, à primeira instância, uma pessoa sisuda fechada, mas que passou a abrir-se comigo”, disse, sobre o falecido ator, conhecido por ser circunspecto.
DIVERTIMENTO NORMAL E SADIO
O ator, eternamente associado ao Rui, de Os Normais, era um dos nomes do esquecido especial “Wangerleyson Show”, exibido em 1987, na Bandeirantes. O programa tem grande valor histórico, porque sua estrutura disruptiva e arrojada serviu de base para dois programas pilares do humorismo nacional nos Anos 1980 e 1990: “TV Pirata” e “Casseta e Planeta“. “Wangerleyson foi um projeto piloto que eu fiz juntamente com a Karina Cooper, atriz, e o Pedro Cardoso e foi redigido pelo pessoal do Planeta Diário que mais tarde viraria o “Casseta & Planeta”. Foi exibido num dia só, na TV Bandeirantes, “mas foi muito bem-sucedido, porque, logo, depois estavam me chamando pra fazer parte do elenco da TV Pirata. Humorístico cujos atores eram essencialmente de teatro. E a TV Pirata falava da própria televisão”.
Hoje, diante do politicamente correto, muito do que era encenado na TV Pirata encontraria problemas junto ao politicamente correto. “A gente se pintava de preto, ou colocava enchimento para aparentar ser gordo, a gente brincava… O que eu acho que aquilo era comédia pura e simples, quase circense. Ela não tem maldade. A TV Pirata é juvenil, quase”, frisa.
Faço humor com seriedade. Há quem me associe com o Monty Phyton [grupo cômico inglês], outros falam que eu pareço não sei o que. Mas eu gosto de ser como sou. Eu tenho uma uma criança dentro de mim – Luiz Fernando Guimarães
Sobre o politicamente correto, o ator é taxativo e preza pelo bom senso. “Eu não tenho rabo preso, eu não ligo em ser certo ou errado. Tenho um filtro interior. Não tenho temores. Se eu sinto que aquele texto soou mal, se eu não gostei, eu não faço. Eu sou bom de falar ‘não’. A maioria dos meus colegas tem uma dificuldade horrorosa de falar ‘não’, a contrário de mim. Mas eu não tenho. Se eu não gostei eu falo, então isso me ajuda muito”
E prossegue, sobre os novos talentos do humor: “Acho que tem muita gente, uma geração de humoristas, de comediantes de tudo que é tipo. Outros que são mais característicos, que fazem um mais humor mais pontual, mas a entrada é cada vez maior. Eu acho que dá cor, dá vida, dá uma nova respiração. Creio que tudo soma à arte. Não tem nada que diminua”.
Luiz Fernando Guimarães, ao falar dos filhos, remonta a outro Fernando, o Pessoa. Feliz com os olhos, conta-lhes histórias das coisas dos homens, e sorri porque tudo é incrível. Ri dos reis e dos que não são reis, e parece ter pena de ouvir falar das guerras, dos confrontos e regimes autoritários, por que sabe que a tudo isso falta a mesma verdade que uma flor tem ao florescer, e que anda com a luz do sol, a variar os montes e os vales. A cada subtítulo desta matéria lançamos mão de um episódio do seriado “Os Normais“, para ressaltar a insustentável leveza de um ser humano, com todas as complexidades que o fazem ser uma pessoa especialmente normal.
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