*Por Brunna Condini
Protagonista do incensado ‘A Festa de Leo’, primeira produção do núcleo de cinema do grupo ‘Nós do Morro’, que chegou à telona no final de maio, e em breve estará disponível também no catálogo Globoplay, Cintia Rosa comemora o reconhecimento: pelo seu desempenho no longa foi premiada como Melhor Atriz no XV Festival de Cinema Itinerante da língua Portuguesa, o FESTin, no Fórum de Lisboa. “O protagonismo feminino preto vindo de um projeto artístico de favela, só pode ser comemorado como uma conquista importante. Celebro cada ocupação de espaço e vou estabelecendo outras metas, para conquistar cada vez mais, e poder contar nossas próprias histórias sem nenhum tipo de estereótipo, para poder fazer personagens aguerridos, mas que falem de amor, sem ter como pano de fundo a violência. Ser reconhecida nesse momento da minha vida, no primeiro longa-metragem do projeto que me ensinou a sonhar, não tem preço”, avalia a atriz, cria do ‘Nós do Morro’, e anuncia: “Estou produzindo junto com minha irmã, Sabrina Rosa, vários projetos. Temos uma produtora chamada IRAWO e nosso carro-chefe é um programa que desenvolvi na época da pandemia chamado ‘O que eu Não Aprendi na Escola’. Também vem mais projetos de cinema por aí!”.
Sonho com um mercado mais igualitário principalmente na questão financeira, pois hoje a mulher preta tem o cachê mais baixo diante de todos os outros, o que é uma grande injustiça – Cintia Rosa
Cintia começou a fazer teatro ainda na infância, no projeto do Vidigal, e de lá para cá, não parou mais de atuar. Aos 40 anos, ela fala sobre os espaços que ainda não ocupou na carreira e deseja e conquistar. “Ainda não protagonizei uma novela, fiz poucos trabalhos na televisão e acredito que estar nas telas propague mais nossa imagem como artista, apesar de não ter parado de interpretar em nenhum momento. No cinema, já protagonizei dois longas- metragens e alguns curtas. Isso é um grande privilégio, pois conheço muitas atrizes negras maravilhosas, até de uma geração anterior à minha, que não tiveram essa oportunidade. Tenho o sonho de ocupar esses espaços como produtora, como realizadora, sem tanta dificuldade em conseguir patrocínios para realizar meus projetos”.
Em ‘A Festa de Leo’, coproduzido pela Globo Filmes, Cintia vive Rita, uma mãe amorosa, que enfrenta diversos desafios para realizar a festa de aniversário em comemoração dos 12 anos do filho. Na vida, a atriz é mãe de Bento, de 10 anos, do seu casamento de 13, com Chico Salgado, personal trainer das estrelas. E reflete como sua própria maternidade se fez presente no longa. “Usei cada experiência em meu dia a dia para as minhas trocas em cenas com o Arthur, ator que fez meu filho no filme. Entendo aquela força desbravadora que é capaz de mover muros e pedras por um filho, entendo aquele amor inexplicável, entendo essa mulher chamada Rita”.
Ainda falando sobre a força com que o protagonismo negro vem ocupando os espaços nos últimos anos, Cintia aponta o que falta para que isso se torne cada vez mais orgânico, na contramão de estereótipos enraizados e da invisibilidade midiática. “O protagonismo negro é de suma importância! A população negra tem necessidade de se reconhecer nas telas. Quando se pensa que 55,5% da população é constituída por pessoas negras, e o audiovisual ainda tem pouco protagonismo negro, é de se pensar que o causador disso ainda seja o racismo. Não existe outra questão além do racismo estrutural. Houve avanços, mas ainda estamos longe do ideal. O que falta para que seja naturalizado, é que as grandes potências cedam esse lugar”. E conclui:
Não adianta uma pessoa branca querer contar uma história negra. Parece óbvio, mas muita gente acha que não, acham que podem falar sobre nós. Isso é inaceitável hoje! Bom, esse assunto é longo e penso que ainda falta muita estrada a ser desbravada. Enquanto as obras não estiverem em nossas mãos, serão contadas cheias de estereótipos. Mas acredito nessa nova geração talentosa que está chegando – Cintia Rosa
O encontro
Ela recorda o encontro com Chico Salgado. “Nossa cupido foi a Roberta Rodrigues, nossa amiga em comum. Eu cantava em uma banda chamada Melanina Carioca e um dia ele foi assistir a um show, e Roberta fez as honras da casa. Mas até ficarmos, levou um tempinho. Acabei descobrindo que eu já tinha trabalhado em muitos filmes com a mãe dele, Bia Salgado, figurinista. Também descobrimos vários amigos em comum e nos apaixonamos. Bentinho veio um ano e meio depois para abrilhantar nossas vidas”. Sobre o marido, responsável pelos treinos de Angélica, Grazi Massafera e Carolina Dieckmann, entre outras, ela diz: “Chico também me coloca para treinar, é exigente (risos), mas não me perturba, me incentiva!”.
Pensando ainda sobre recortes do preconceito, a atriz resume como o casal, interracial, lidou e lida com ele:
Ele está enraizado na sociedade. Não existe um dia de paz. Mas superamos tudo com o amor que temos um pelo outro – Cintia Rosa
Celeiro de talentos
Há 38 anos, no morro do Vidigal, o ‘Nós do Morro’ revela talentos e incentiva a cultura, dando a oportunidade para que os jovens sonhem. Além de Cintia e da sua irmã Sabrina Rosa, também atriz, saíram de lá Babu Santana, Thiago Martins, Roberta Rodrigues, Marcello Melo Jr., Micael Borges, Jonathan Azevedo e tantos outros. A atriz revisita sua história e destaca a importância do projeto. “Entrei em um teatro para assistir um espetáculo aos 8 anos e tenho em minha memória a sensação de ter contato com um universo encantado. Mas esse despertar veio através do Guti Fraga (fundador do ‘Nós do Morro’), foi ele quem fez essa mágica acontecer e me mostrou que mesmo pequena e morando onde morava, eu podia ser quem quisesse, que a arte me trazia esse poder. E foi assim que cheguei até aqui sem desistir pelo caminho. Nunca trabalhei em outra coisa, sou uma operária das artes cênicas com muito orgulho. Apesar da caminhada árdua de um artista brasileiro, continuo aqui animada para contar minhas histórias. Hoje não moro mais no Vidigal, mas o ‘Nós do Morro’ é minha casa artística”.
Cintia compartilha sua história com o Vidigal. “Lá foi minha morada até a vida adulta. Meus familiares eram todos de lá, meus melhores amigos são de lá, uns já se mudaram e outros continuam por lá. Vidigal é a favela mais artística que conheço. Quando dizem que é um celeiro de talentos, não estão mentindo. Saíram de lá, atores, técnicos, cantores, diretores, autores ,cineastas, compositores, artistas plásticos muito talentosos, profissionais que de alguma forma, sendo observados, servem de exemplo e estímulo para outras pessoas. Por isso sempre foi, e acredito que sempre será, esse lugar mágico de talentos. E o ‘Nós do Morro’ quando foi fundado, reuniu todos eles, os potencializando ainda mais”.
O que diria para um jovem artista negro que sonha com a carreira como ator no Brasil hoje?
Em primeiro lugar, diria que precisa se ‘aquilombar’, pois arte não se faz sozinho! E que através das conexões feitas, produza, estude e não deixe de sonhar. Mas preciso dizer que a caminhada não é fácil, tem que amar muito o que faz e correr atrás – Cintia Rosa
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