*Por Brunna Condini
Cinnara Leal tem celebrado mais intensamente suas conquistas, na vida e na arte. No ar como a libertária Justina em ‘Nos Tempos do Imperador‘, no horário das 18h da Globo, a atriz conta que, após se recuperar da Covid-19, em agosto do ano passado, se sentiu renascida. “Sempre pratiquei atividade física e tive 25% do pulmão comprometido. Então, é de extrema importância conscientizar as pessoas. Fiquei internada por cinco dias e piorava diariamente, com dores no corpo, fraqueza. Já era defensora da vacina, porque acredito na ciência, mas depois de passar por essa doença, sou mais ainda. Não só acredito na ciência como fui salva por ela”, afirma.
“Venho atravessando essa pandemia com muito trabalho e me aprofundando nesta personagem tão cheia de significados. Não esperava tanto sucesso assim de cara com a Justina. Desejava. Ela traz a temática do racismo estrutural, que não podemos mais deixar de falar. Precisamos nos aprofundar em nossa história, na construção deste país, com resquícios da colonização até hoje. A novela está a serviço do público, da história e este período trouxe muita dor, foi muito apagamento. E somos atravessados até hoje pelo o que foi vivido nesta época”, completa sobre o universo da personagem, que é a fiel escudeira de Luísa, a Condessa de Barral, vivida por Mariana Ximenes, e vai lutar junto com ela pelo fim da escravidão.
Algumas pessoas pretas se cansam de serem abordadas para falar do racismo sempre. Você se cansa? “Não. Porque as pessoas ainda não entenderam a gravidade do racismo. Por isso são tão importantes a arte, a cultura, a teledramaturgia. Estão além do entretenimento, precisam ter uma função social também. E eu não posso cansar do que é a minha vida, que é ocupar lugares de potência, deselitizar as pautas, os lugares, as narrativas. A arte e a cultura precisam atingir todos os lugares, pessoas, gêneros, cores. Então não posso cansar do que me move. Mas entendo minhas irmãs e irmãos, porque é cansativo e temos outros assuntos também a serem abordados. É muito bom também dar entrevista e poder falar de outros temas, só que não posso fugir do que sou, da nossa militância, do nosso viver. Está em tudo, na nossa pele. Espero não cansar nunca de falar, mas sim, que exista uma transformação e um dia eu não precise”.
A atriz carioca de 43 anos exalta a representatividade do atual trabalho: “A novela é ficção, mas pessoas escravizadas existiram. Muitas Justinas existiram. Tem o peso desse coletivo, dessa ancestralidade que precisa de voz, há séculos. Às vezes me perco da Cinnara, consciente e até inconscientemente neste processo, deixo a Justina tomar conta. Mas a única surpresa foi viver isso tudo há dois anos, já que a novela precisou parar e voltar algumas vezes por conta da pandemia. Ainda estamos gravando. Tem sido enriquecedor, mas também é uma personagem que carrega muita dor e eu preciso ficar trazendo isso e não tem como não me afetar. Mas que bom que está afetando e as pessoas vendo isso”. E joga a reflexão: “Na verdade eu posso viver qualquer personagem, mas os escravizados estão na minha história. No entanto, precisamos normalizar os lugares de poder. Claro que quero fazer uma protagonista e estar em uma novela em que possa abordar todos os assuntos. Mas a questão de cor está em mim, sou negra, então também é entender que a história da dramaturgia vai atravessar isso. Acreditar em mim como artista negra que possa ocupar esses espaços de poder é o sonho. Faço qualquer papel bom, mas claro podemos ter lugares de destaque e já está tarde até”.
Sobre a parceria já conhecida com Mariana Ximenes, Cinnara vai além: “Ela é muito mais que uma colega generosa. Quando comecei a gravar com a Mari disse que era fã. Ela já era atriz quando eu nem era ainda. Uma mulher com uma carreira consolidada, muitas protagonistas e abriu um espaço tão lindo para o meu trabalho ali. Entendeu que a construção das nossas personagens se misturam. Tem um momento inesquecível depois da cena que tivemos juntas emblemática, da carta de alforria da Justina, que foi muito forte, disse pra ela uma frase que aprendi no curso de filosofia africana: ‘acendemos uma o sol da outra’. É lindo quando a gente divide esse protagonismo. É tão mais bonito sair do ego, da individualidade e estamos vivendo isso”.
Inspiradora digital
Nas redes sociais, a atriz fala de autocuidado, bem-estar e modos de viver melhor e isso faz tempo. Mas Cinnara não gosta de se ver como influenciadora de ninguém. “Essa história de dizer que alguém está sendo influenciado por você, me remete a vulnerabilidade do outro, não me agrada. E é exercer um poder sobre alguém que você não conhece. Isso não condiz com a minha filosofia de vida e senti necessidade de criar outro nome para isso que estava acontecendo comigo nas redes, nessa relação com seguidores”, conta. “Na verdade, meu intuito não é exercer influência, é ajudar, levantar, estender a mão para as pessoas e quero que as pessoas façam isso comigo, por isso pensei nesse nome. E vou seguir assim, mesmo que sozinha nessa minha luta de fazer assim. E quando penso nessa inspiração, é principalmente falando na ressignificação do dia a dia das pessoas. Não acordamos bem todo dia e está tudo bem. Mas é preciso entender em que momento procurar ajuda ou não. Até buscar o acolhimento com um amigo, através das redes sociais também, se for o caso. Muita gente critica a internet, mas tudo tem dois lados, então é bom pensar no que está o alimentando nesta rede. Está fazendo bem ou destruindo? São reflexões que proponho”.
Dona de um entusiasmo contagiante com a vida e as relações, e vivendo seu melhor momento profissional, a atriz avalia o que a tem tirado do sério nos últimos tempos: “Cinismo. Você fingir que não sabe o que você sabe, para se beneficiar disso. O cinismo também envolve muitas outras características que abomino, como a falsidade, mentira, egoísmo”. E completa: “Por outro lado, me alegra muito ver que têm pessoas que verdadeiramente se colocam no lugar dos outros. Uma empatia num lugar muito fácil de acessar. Todo mundo fala de empatia, mas senti-la não é sentir o que o outro sente. É respeitar a existência e a humanidade do outro. Quando você entende que a empatia não vai te dar a minha cor de pele, você entende que precisa respeitar a minha existência e silenciar, ouvir para entender o que está acontecendo comigo. Não é fácil ter esse lugar porque muitas coisas te levam, capturam, muita coisa pode tirar você de você, e te tiram de olhar o próximo. Mas quando a pessoa entende e coloca isso como uma prática, filosofia de vida, é algo gigante. E está exercendo algo que escolhi viver, que é a filosofia ubuntista, que diz: eu sou porque nós somos. A partir do momento que entendo que é coletivo viver, que a minha existência potencializa a do outro, muda tudo. Mas sei que não é fácil, por isso precisamos falar tanto. Mas abra espaço, silencia e respeita a humanidade do outro. Vale a pena”.
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