*Por Brunna Condini
Na pele de uma jornalista investigativa em ‘Fuzuê‘, trama das sete da Globo, Cinnara Leal conta que mudou sua percepção sobre os bastidores do trabalho jornalístico após pesquisa para a personagem. “Nossa, como vocês trabalham! É uma atividade incansável, como outras, com suas particularidades, mas no caso da Cecília, por exemplo, o que descobre pode mudar o rumo da vida das pessoas. É preciso coragem, determinação, e tem o perigo iminente que se corre em um ofício que denuncia. É só lembrarmos do Tim Lopes – repórter da Globo assassinado em 2002 por ordem do traficante Elias Maluco quando fazia uma reportagem investigativa na Vila Cruzeiro, favela da zona norte do Rio de Janeiro. Ele foi uma das minhas inspirações. É uma atividade exaustiva, o repórter não desliga nunca. Um ponto em comum com a vida da atriz, é que é uma profissão que se mistura à vida, acabamos levando trabalho para casa. E é rico humanamente falando, você afeta as pessoas”.
E em tempos de fake news, ela também comenta sobre a importância do bom jornalismo, aquele comprometido com a apuração dos fatos. “É preciso o compromisso com a verdade, ainda mais depois dos tempos que vivemos. O respeito pelo outro e a transparência são importantes em qualquer trabalho, principalmente quando se precisa informar. Como na dramaturgia, pode haver algumas formas de contar uma história, mas é preciso que ela seja contada como aconteceu, no caso de ser real”, opina. “Não me recordo de ter enfrentado fake news na minha carreira. Mas já aumentaram muito e já saíram matérias com chamadas sensacionalistas para buscar o clique. Nos comunicamos através das palavras, então sabemos seu peso, é preciso escolhe-las com cuidado, responsabilidade. Porque depois de dar uma entrevista ninguém quer ler algo que não disse ou distorcido”.
Cinnara aponta a importância do espaço destinado a fala do artista: “Deve ser valorizado, ainda mais para nós, atores pretos, quando temos personagens que ganham destaque. Esses são espaços que ainda estão sendo conquistados, então não podemos perder a chance de comunicar de uma forma bacana, inteligente, dizendo exatamente o que gostaríamos”.
Uma nova história
A atriz também pode ser vista na terceira temporada de ‘A Divisão’, série Globoplay, como uma médica, e em ‘Mussum — O filmis’, protagonizado por Ailton Graça, em que vive a mulher do humorista. De volta aos folhetins após dois anos – sua última novela foi ‘Nos Tempos do Imperador’ – ela fala com empolgação da ‘justiceira’ Cecília, que persegue a verdade por trás da morte de seus pais em consequência de um incêndio e é movida pelo desejo de vingança. “É uma personagem completamente diferente de tudo o que fiz até hoje. É desafiador em todos os sentidos, em uma novela que tem uma atmosfera colorida, alegre, vem a intensidade, a dramaticidade dela. Tenho aprendido muito com essa nova história”, diz.
Ela quer mesmo cada vez mais fazer parte de novas narrativas, que sejam diversas e inspiradoras. Tanto, que ao falar sobre a denúncia de preconceito racial que ela, Roberta Rodrigues e Dani Ornellas na época de ‘Nos Tempos do Imperador’ direcionadas ao diretor da trama da Globo na época, Vinicius Coimbra, ela sintetiza. “É um assunto muito delicado, não foi fácil passar por tudo aquilo, mas o que precisamos falar é que mudanças aconteceram. E claro que não é um caso isolado, demos voz a um grito necessário e que já iria acontecer. Vivemos em um país racista, preconceituoso, com muitas questões graves que ainda permeiam”, constata.
Tem uma frase de um texto que escrevi que tenho viva em mim, e fala que desejo mesmo que nenhum preconceito nos limite e nenhuma dor nos defina. Eu não sou a dor. Passamos por ela, mas também pela alegria. Como meu pai de santo, o antropólogo Rodney William diz: ser feliz é minha obrigação ancestral – Cinnara Leal
E pontua: “A gente vem se reconhecendo na TV, ocupando espaços, o que até então não era algo comum. É importante racializar, até porque o mundo faz isso, mas também é importante só viver. Temos essa pluralidade em ‘Fuzuê‘. Também temos na novela das seis (‘Elas por Elas’), a Késia Estácio, uma atriz negra retinta, vivendo uma das protagonistas que na primeira versão era uma atriz branca. A gente consegue legitimar a nossa existência principalmente quando nos vemos. Somos múltiplos, diversos e a dramaturgia para nos retratar também precisa ser. Ela é feita de gente para gente, que deseja se fortalecer através do que assiste”.
A arte de lidar com o que nos acontece
Na pele de uma personagem que carrega na hierarquia de ‘justiceiras da TV’ referências de personagens de outros folhetins que já trataram sobre vingança, como por exemplo, a Nina (Débora Falabella) de ‘Avenida Brasil’ (2012) e a Claudia (Malu Mader) de ‘Fera Radical’ (1988), a Cecilia de ‘Fuzuê’ é bem diferente de Cinnara no quesito justiça por conta própria. “Só acredito em vingança na teledramaturgia (risos). É muito cansativo, é muita demanda, acho que é para algumas pessoas somente. Você acaba se anulando, vivendo em função disso. O mais desafiador mesmo é superar a partir de tudo o que um trauma te causa. A médica que vivo em ‘A Divisão’, por exemplo, ressignifica o trauma que viveu. Isso é muito lindo”, reflete.
“Mas acho que a Cecília está juntando as ‘pedrinhas’ para reconstruir seu chão e talvez essa justiça que busque seja o caminho que encontrou para isso. Ela perdeu tudo, então precisa juntar seus ‘pedaços’ para se reerguer. Dá passos intencionais, para que algo se solucione e ela possa seguir com a sua vida. Já eu, quando algo me fere, procuro não deixar para lá, porque isso não cura. Mas a partir de mim, com terapia, minha espiritualidade, ensinamentos, busco ver de outra forma. Não tenho controle sobre o que o outro faz. A vida está aí e ela não vai parar. Acredito nas mudanças que posso fazer a partir de mim e do que me acontece”.
Além de todas as oportunidades que vem chegando para que a atriz mostre seu trabalho, ela também vai realizar um sonho autoral no teatro, em uma montagem que respira propósito. idealizado por Cinnara há pelo menos 10 anos, o espetáculo ‘Alice Black’, uma releitura de ‘Alice no País das Maravilhas’, tem previsão de estreia no segundo semestre de 2024, em Salvador. O texto é assinado por Cleissa Regina Martins, com produção de Marcos Antônio Griesi.“Acho que tudo tem seu tempo certo. Hoje me sinto pronta, o país está pronto para receber de braços abertos essa história. É um sonho como realizadora. Lembro que o primeiro ‘não’ que tomei foi ainda criança, quando minha mãe me levou no Theatro Municipal para dançar, eu queria ser bailarina. Mas agora a arte tem me dito ‘vem’, então me sinto pronta para tirar esse projeto grandioso do papel. Sou pequena de tamanho, mas sonho grande (risos). A Alice da nossa versão se descobre uma mulher linda com sua cor, cabelo, identidade. Isso tem uma força muito grande”.
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