Christiane Torloni se lança como diretora de cinema com documentário sobre a devastação da Amazônia


Atriz assina a direção junto com o roteirista e documentarista Miguel Przewodowski em um filme que pretende causar muita reflexão e ação. “Sempre que eu via algo no cinema sobra a Amazônia acabava com a sensação de que o Brasil estava sendo posto no lugar do colonizado. Do coitado. Nós fugimos disso. Fui para a Amazônia como uma expedicionária. Repare que o filme é feito com incomodados. Todos os que falam no documentário sentem-se incomodados com algo sério e resolvem agir”, frisa Torloni

*Por Jeff Lessa

“Todo brasileiro deveria visitar a Amazônia pelo menos uma vez na vida”. Essa é uma das frases que mais chamam a atenção no documentário “Amazônia – O Despertar da Florestania”, que estreia no próximo dia 9 (quinta-feira) em circuito nacional. É dita no começo do filme pela atriz Christiane Torloni, que investe pela primeira vez na verve como diretora, em parceria com o roteirista, documentarista e diretor Miguel Przewodowski. Achou estranho? Ao fim da projeção, o espectador entende exatamente o que ela quer dizer. Sim, todo brasileiro deveria visitar a Amazônia pelo menos uma vez na vida. Se não dá para compreender totalmente a convocação sem nunca ter pisado na floresta, o filme ajuda a esclarecer o sentido do convite de Torloni.

Os diretores Miguel Przewodowski e Christiane Torloni (Foto de Marcelo Paes de Carvalho)

Os diretores Miguel Przewodowski e Christiane Torloni (Foto de Marcelo Paes de Carvalho)

Quem assiste ao doc, montado de forma orgânica e fluida, não faz ideia de que foram necessários sete anos para ser concluído com chave de ouro.

– Em boa parte, isso se deveu à inoperância dos bancos de arquivos no país. É difícil conseguir imagens em lugares como a Cinemateca Brasileira, por exemplo – lamenta Przewodowski, emendando com uma história simpática sobre a gestação do filme. – Christiane e eu nos conhecemos há 30 anos. Um dia, ela chegou na minha casa, depois de conhecer vários ambientalistas, e me mostrou um monte de imagens. Perguntei: “Você está fazendo um filme?” E ela respondeu: “Não. Por que, deveria?”

A partir dessa pergunta nasceu a ideia de se fazer o documentário. Mas… como? Se arriscar a ser mais uma produção mostrando os horrores perpetrados contra o “pulmão do mundo”?

– Sempre que eu via algo no cinema sobra a Amazônia acabava com a sensação de que o Brasil estava sendo posto no lugar do colonizado. Do coitado. Nós fugimos disso. Fui para a Amazônia como uma expedicionária – conta Christiane. – Repare que o filme é feito com incomodados. Todos os que falam no documentário sentem-se incomodados com algo sério e resolvem agir.

Os incomodados de que fala La Torloni são, entre outros, Darcy Ribeiro (1922-1997), a ex-ministra do Meio Ambiente Marina Silva, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, a atriz Lucélia Santos (visivelmente emocionada), o artista plástico e ativista ambiental Frans Krajcberg (falecido em novembro de 2017, aos 96 anos, e a quem o filme é dedicado), o ator Vitor Fasano e muitas outras personalidades e defensores da floresta.

Christiane Torloni entrevistou o artista plástico Frans Krajcberg para o documentário

Christiane Torloni entrevistou o artista plástico Frans Krajcberg para o documentário

Mas também há imagens de gente incomodada que, aparentemente, não têm ligação com a causa ambiental. Por exemplo: o que têm a ver as célebres filmagens da multidão exigindo eleições diretas no Rio de Janeiro, em 1984, com a causa da Amazônia atualmente?

– A causa do meio ambiente é suprapartidária. Tem de ser compreendida como foi o movimento das Diretas Já, como uma união de forças diferentes em torno de um objetivo comum. Na época do clamor por eleições diretas, forças políticas de correntes diferentes se uniram – observa Miguel Przewodowski.

Christiane Torloni acrescenta:

– Durante muitos anos, as Diretas Já foram a nossa única referência de movimento de massa. Mas, atualmente, as pessoas estão conseguindo encontrar o caminho para exercer sua cidadania e sua florestania. É justamente para mostrar que não estamos sozinhos que o filme termina com uma grande manifestação em Brasília. Para reforçar que ainda não estamos perdidos. O Brasil sempre se inventa e se reinventa.

A primeira versão desse delicado, mas poderoso libelo contra a destruição de um patrimônio que, quando se perder, será irrecuperável, ficou com cinco horas. Os diretores fizeram cortes e chegaram à marca de três horas de filme. Hmmmmm… Ainda faltava cortar mais. Escolhas foram feitas até que obtiveram a versão final, com uma hora e cinquenta e um minutos. Que, para o espectador, passa voando.

Vários fatores concorrem para isso. Entre eles, a trilha sonora original a cargo de de André Abujamra e Marcio Nigro, um luxo digno de nota.

– André é gênio – opina Christiane Torloni. – Cada fonograma foi escolhido muito amorosamente.

Outra característica que não permite que “Amazônia” caia no lugar comum vem do fato de os diretores terem optado por não fazer um filme-denúncia.

– Não queríamos um filme chato. Christiane é atriz e eu sempre fui mais ligado à ficção. Quem conta a história aqui é uma atriz. Quisemos uma provocação. Desde o começo, nossa ideia foi fazer com que o espectador saísse do cinema com vontade de se envolver na causa, de tomar alguma atitude pela Amazônia – conta o diretor. – Por isso, inclusive, o site, que será lançado na semana de estreia, terá uma aba chamada “Envolva-se”, para as pessoas saberem o que fazer apara ajudar, para entrarem em contato. Queremos que o assunto seja debatido em todas as plataformas e no olho a olho também.

Pois a Amazônia já faz parte das conversas de Miguel há um tempo:

– Eu não conhecia a floresta antes desse filme. Minha primeira faculdade foi biologia marinha e eu cheguei a trabalhar no Jardim Botânico, mas foi o máximo de contato com a natureza para mim. Fiquei muito assustado com a destruição que vi por lá.

Devastação que levou Christiane a se tornar ativista ambiental há 12 anos. No filme, ela conta que, em um intervalo das filmagens da minissérie “Amazônia, de Galvez a Chico Mendes” (2007), da Globo, foi dar um passeio com Vitor Fasano. Os dois ficaram impressionados com os quilômetros e quilômetros de terra queimada que viram. A atriz chama a paisagem esturricada de “Krajcberg in natura” e costuma dizer que foi naquele momento que recebeu o chamado para se envolver com a causa da floresta.

Amazônia – O Despertar da Florestania”, que estreia na próxima quinta-feira, dia 9, foi realizado com apoio da Lei do Audiovisual a um custo de pouco menos de R$ 2 milhões. É pouco para a causa que defende.

Sobre os diretores do longa-metragem – Christiane Torloni e Miguel Przewodowski

Christiane Torloni atuou em 14 peças, 27 novelas e 16 filmes. Como ativista política, ela participou de “Diretas Já” e como ambientalista, liderou o movimento “Amazônia para Sempre”, que coletou mais de um milhão de assinaturas contra a devastação da Floresta Amazônica.

Miguel Przewodowski é jornalista, diretor e roteirista de televisão, cinema e teatro. Tem em seu currículo documentários, filmes, séries, videoclipes, música e programas jornalísticos de TV.