Castorine fala sobre reviver papel icônico em “Elas por Elas”, o sucesso no teatro e o corpo gordo na TV


A atriz viverá Ieda em “Elas por Elas”, releitura da clássica novela de Cassiano Gabus Mendes nos anos 80, que substituirá o atual cartaz, “Amor Perfeito”. O Site Heloisa Tolipan abre a temporada de pré-lançamento da trama com uma entrevista com a atriz Castorine, em sua primeira novela, que nos antecipa um pouco de sua personagem. Na primeira versão, quando ela fora vivida por Cristina Pereira, Ieda tinha julgada a sua – suposta – feiura, que era usada como elemento cômico, o que não acontece neste novo tratamento. Castorine desabafa sobre os preconceitos que enfrentou para conquistar seu espaço nas artes. “Certa vez fui convidada para um teste para uma personagem que não tinha nome e era apenas a “mocinha gordinha”. Estar nesse espaço é algo que não apenas não cabe mais, mas que não me cabe mais”. Ela prossegue falando sobre o preconceito compensatório do qual costumava ser alvo, o de gorda, mas… “que dançava muito”. “O olhar sobre o corpo vinha primeiro”, desabafa. A atriz fala ainda sobre o sucesso da montagem teatral “Camareiras” que ela co-estrela, com Luísa Périssé, filha da atriz Heloisa Perissé

*por Vítor Antunes

Quarenta e um anos depois de exibida às 19h, a novela “Elas por Elas” um dos maiores clássicos de Cassiano Gabus Mendes (1929-1993) ganhará um remake para a faixa das 18h. A novela oitentista ficou imortalizada pelo personagem Mário Fofoca vivido por Luiz Gustavo (1934-2021) e por ser, também, o primeiro papel de Cristina Pereira na Globo, vivendo Ieda, definida na época como uma “moça feiosa e solitária”. Das sete protagonistas femininas, haverá mulheres com todos os corpos e cores, algo diferente do que houve na primeira exibição do folhetim, onde não havia sequer um personagem preto em destaque. Além disto, o papel anteriormente vivido por Cristina Pereira agora será interpretado por Castorine, humorista da nova geração. “Anteriormente, a piada era em cima do fato de Ieda ser ser feia, o que é algo absurdo. Fui buscar a definição da personagem daquela época e ela era apresentada como alguém que não apenas não era bela, como sabia não ser. A Ieda que interpreto vai por outro caminho. É uma mulher que super sabe lidar com seu corpo”. Ainda que não seja a primeira aparição de Castorine na TV – antes ela havia feito o Zorra – esta é sua primeira novela. 

Um trabalho que ajudou a projetar Castorine no cenário artístico atual é a montagem de “Camareiras“, em parceria com Luísa Périssé. Bem sucedida encenação, “Camareiras” tem uma trajetória muito semelhante com “Cócegas”, de Heloísa Périssé e Ingrid Guimarães – respectivamente mãe e madrinha de Luísa.Camareiras” já ensaia uma rentrée ao fim de “Elas Por Elas“. “A peça nasceu despretensiosamente e transformou-se em nosso projeto de vida”. A atriz também trata sobre o protagonismo feminino no humor e a liberdade para os corpos gordos na arte, relembrando o preconceito do qual fora alvo: “Fiz dança por 15 anos. Numa aula de dança, fui elogiada por uma professora que disse ser linda a minha dança, mas que eu não faria parte da companhia diante do fato de eu ser gordinha”.

Castorine. Atriz dará vida à personagem icônica da obra de Cassiano Gabus Mendes em reboot de novela (Foto: Divulgação)

APENAS CASTORINE

Qualquer pessoa minimamente envolvida com novela já ouviu os versos “Hey Hey! Bandeira pouca é bobagem!“. Trata-se do refrão da música tema da novela “Elas por Elas“, exibida em 1982, e que trazia sete mulheres protagonistas, que reencontravam-se depois de 20 anos.  Uma delas, Márcia (Eva Wilma), ainda que não fosse a vilã, hostilizava a filha, Ieda (Cristina Pereira) por não ser tão bonita quanto sua irmã Cris (Thaís de Campos). Na releitura atual da obra, Márcia terá outro nome, Lara, e será vivida por Deborah Secco. Castorine dará vida à Ieda e Valentina Herszage, à Cris. E, segundo Castorine, Ieda não terá a sua aparência usada como recurso cômico: “Ela tem alguns outros conflitos. São cenas muito divertidas na relação dela com a irmã, elas se implicam e a minha personagem se posiciona. Não ocupando o lugar da militante chata, monotemática. Ela não é isso. Tem seus dramas, tem vida”.

Além disto, Castorine nos antecipa que as suas primeiras cenas começaram a ser gravadas semana passada. A atriz também celebra não apenas o fato de a beleza e a forma física de uma mulher não serem ultilizadas para a comicidade mas ao caráter disruptivo da atualização da novela, que marcará, como sendo a primeira a trazer, na Globo, uma protagonista trans, vivida por Maria Clara Spinelli, num papel que na primeira versão coube à Maria Helena Dias, uma mulher cis

Uma das dúvidas frente ao nome incomum da atriz foi respondida com o seu bom humor característico. Perguntada sobre a razão que a levou a escolher este nome como sendo o seu, profissional, ela disse-nos que “quando minha mãe queria me dar uma bronca, ela me chamava de Castorine, bem como nas rodinhas do colégio. Ainda que esse seja o meu nome de batismo, tratava-se de um nome composto. O nome que antecedia “Castorine” tornou-se tão incomum que eu não atendia mais quando por ele era chamada”. De modo que, assim, a atriz passou a adotá-lo como nome principal. Contou-nos a artista que na atualização de sua identidade, tirou o primeiro nome e adotou, oficialmente o nome pelo qual é conhecida. Procedimento que encontrou amparo na novíssima Lei 14.382, de 2022,  que permite, com muita facilidade a mudança, ou atualização, do nome de batismo. A Lei é tão nova que não há, facilmente localizável, registros sobre quantas pessoas cis – como Castorine – ou trans foram beneficiadas por ela.

A minha avó chama Maria Castorina. A versão que soube sobre sua história era de que este era o mesmo nome de uma princesa da Romênia… Pesquisei, e descobri que, na verdade era o nome de uma rede de postos romenos de gasolina – Castorine

Cristina Pereira em “Elas por Elas” (1982). A piada da novela era pautada na estética (Foto: Acervo/Globo)

O fato de ser um corpo fora da ditadura do padrão, que vem caindo por terra, trouxe, obviamente, desafios: “Um dos testes que fiz recentemente era relativo a uma personagem gorda que deveria ser semelhante a uma pessoa padrão, e que era caçoada por isso. No final, ela ficaria com um cara padrão. Quando eu estudei o texto, observei que a graça estava não em mim, mas no meu corpo e optei por não fazer o teste para o papel, ainda que tenha ficado preocupada e temerosa com a recusa, mas achei importante me colocar neste espaço, enquanto mulher gorda. Afinal, eu mesma havia feito, em outro momento, um teste para uma personagem que não tinha nome e era apenas a “mocinha gordinha“. Estar nesse espaço é algo que não apenas não cabe mais, mas que não me cabe mais”. Ela prossegue falando sobre o preconceito compensatório do qual costuma ser alvo, o de gorda, mas… “que dançava muito”. “O olhar sobre o corpo vinha primeiro”, desabafa.

Ela prossegue em sua observação: “É claro que eu tento ser saudável. Estou sempre sob acompanhamento. Já me ferrei muito com com remédios de emagrecer, e, ainda que tenha perdido peso, acabei engordando muito com o rebote dessas medicações e engordei o dobro. Recebi a prescrição de usá-los ainda com 15 anos, quando eu, vendo hoje, nem acredito que estava gorda com aquela idade. Percebo das pessoas muita irresponsabilidade disfarçada de “deixa eu te ajudar a ter saúde“.

Castorine lançou mão do Lei de Registros Públicos e assumiu o segundo nome como primeiro, e seu nome artístico (Foto: Divulgação)

JURO PELA BROADWAY!

Desde muito jovem, Castorine já pensava em ser atriz. “Quando eu era adolescente, eu buscava no Google “peças completas comédia”, e aparecia “Cócegas”, famosa encenação protagonizada por Heloísa Perissé e Ingrid Guimarães, e ela passou a ter um valor especial para mim, aos 12 anos. A comédia sempre foi a minha meta como linguagem artística. Comecei a imaginar ser artista através do musical e meu sonho já era ir para a Broadway. Quando queria jurar por algo muito certo, eu dizia: “Juro pela Broadway“. De lá peguei as referências da Sutton Forster, da Liza Minelli, da Barbra Streisand. Daqui, referencio-me na Tatá Werneck, na Ingrid Guimarães, na Heloísa Périssé

Luísa Perissé e Castorine se conheceram no “Zorra”, quando o humorístico estava em sua última fase na TV. “Ficávamos muito tempo esperando para gravar, éramos uma duplinha, andávamos sempre juntas. Somos muito amigas, ainda que tenhamos energias diferentes: A Luísa é um erê. Eu sou uma cigana velha. Vamos uma na onda da outra”.

E esse mergulho fraterno, acabou virando teatro. “Num desses momentos, eu mostrei a Mandala, personagem que enceno em “Camareiras”. Anteriormente, num outro projeto, esta personagem não era uma profissional da arrumação, mas uma professora de dança para idosas. Cheguei a inserir esta personagem numa esquete sobre idosas moradoras de Copacabana que sugavam a alma de poodles para terem vida. Luísa, por sua vez, mostrou-me uma personagem que havia inventado e que, até aquele momento, não tinha nome. Mais tarde seria batizada Silvinha. Quando começamos a elaborar o projeto da peça, pensamos num espaço plural, onde essas pessoas possam estar presentes. Foi quando pensamos em um hotel e nas camareiras”.

Quando eu limpo meu apartamento já penso ser algo desgastante. Imagina limpar diversos quartos de um hotel? Muitas pessoas não têm a menor noção. Soubemos, inclusive, ter havido uma greve de camareiras que envolvia o Brasil inteiro e que levantava bandeiras sobre seus horários apertados e  a saúde delas. Esta é uma peça sobre a invisibilidade do trabalhador brasileiro – Castorine

Luísa Perissé e Castorine em “Camareiras” (Foto: Ricardo Brajterman)

O fato de serem duas mulheres no humor é revolucionário. Haja vista que mulheres até bem pouco tempo atrás eram a piada e não a piadista. Perguntamos a atriz como ela enxerga o preconceito contra as mulheres humoristas e ela disse que isso “nunca aconteceu a mim. Ensaiando para um show de improviso, por exemplo, estilo no qual a gente tem que se predispor à cena, isso mostrou-se um desafio, porque as mulheres foram ensinadas a ter mais bloqueios, quando os meninos por sua vez, eram levados aos perigo. Os homens não têm muito medo de errar. Victor Hugo, meu namorido certa vez me elogiou pelo meu destemor em me lançar no improviso em experimentar piadas que podem dar certo ou não e que são a alma da improvisação. É algo muito ligado à sociedade que afirma que homem pode errar e mulher não, que homem pode falar de determinados assuntos e mulher não. Ainda há gente que pense assim e eu acho uma coisa tão demodé… A quem diz que mulher não é engraçada eu perguntaria se nunca ouviu falar de Tatá Werneck”.

As falas de Castorine, fazem lembrar uma música de Rita Lee (1947-2023) que dizia “Já estou até vendo, o meu nome brilhando. E o mundo aplaudindo ao me ver cantar. Ao me ver dançar… I wanna be a star!“. Mesmo querendo ser estrela, não esquece que a base fundamental do artista é o teatro: “O sonho da minha vida sempre a TV e do meu sucesso, estimular as pessoas para irem ao teatro”. E, quando depois de muita luta, agradece ao tempo que soube prepará-la da melhor forma para o seu primeiro grande trabalho. Como nada chegou a ela de mãos beijadas, questiona a rapidez com que nascem os artistas-heróis vindos da Internet. “A gente não está muito acostumado com essa era da rapidez. É preciso suar para chegar aos objetivos. Quando as pessoas atingem muito rapidamente os objetivos costumam se frustrar por essa ligeireza”. Se rir é um ato de resistência, como dizia Paulo Gustavo (1978-2021), Castorine crê em seu poder de fala: “O humor é uma grande, e eficaz, ferramenta de comunicação”.