Carol Garcia abre o coração: praticar pole dance em Quanto Mais Vida, Melhor! a fez superar trauma e relação abusiva


A atriz, que acaba de se recuperar pela segunda vez da Covid e também da Influenza, lembra que sempre teve medo e fugiu do lugar da sensualidade depois de ser assediada na rua e viver um relacionamento abusivo. “Talvez por isso eu tenha recorrido ao humor. Em algum momento percebi que precisava fazer comédia de mim mesma para me libertar. Tinha medo, talvez pela história do patriarcado e de situações que eu passei na adolescência, de sexualizarem o meu corpo e isso me envergonhar. Passei muito tempo negando isso até vir o pole dance em momento que estou mais formada e consciente da minha história e do meu corpo”, pontua

Carol Garcia abre o coração: praticar pole dance em Quanto Mais Vida, Melhor! a fez superar trauma e relação abusiva
Carol Garcia, a Betina na novela Quanto Mais Vida, Melhor! (Foto: Divulgação)

Carol Garcia, a Betina na novela Quanto Mais Vida, Melhor! (Foto: Divulgação)

* Por Carlos Lima Costa

“Sempre tive medo da sensualidade. Talvez por isso eu tenha recorrido ao humor. Em algum momento percebi que precisava fazer comédia de mim mesma para me libertar. Tinha medo, talvez pela história do patriarcado e de situações que eu passei na adolescência, de sexualizarem o meu corpo e isso me envergonhar. Passei muito tempo negando isso até vir o pole dance, com 30 anos, uma fase em que estou mais consciente da minha história e do meu corpo”. Foi assim que Carol Garcia abriu o coração nessa entrevista. Aprender o pole dance para interpretar Betina, em Quanto Mais Vida, Melhor!, foi experiência transformadora na vida da atriz. Tanto que concorda com o que ouviu em um documentário que assistiu na Netflix: “O pole dance é a dança do poder.”

E revela um momento da adolescência que a travou. “São situações que eu recordo, que na hora não entendi muito. Hoje, sei que foram muito violentas. Uma vez, com 13, 14 anos, estava na porta da escola com uma amiga que tinha um seio supergrande e o meu era pequeno. Um homem mais velho olhou pra gente, falou do seio dela e sobre o meu comentou: ‘O seu peitinho é pequeno, mas a gente consegue dar um jeito’. Fiquei superenvergonhada. Isso foi traumático pra mim. Passei a me esconder, a andar com os seios curvados pra frente. A partir dali, comecei a ir de top por baixo do uniforme e fui me escondendo cada vez mais”, recorda.

Carol pratica o pole dance (Foto: Reprodução Instagram)

Carol ressalta que são situações que infelizmente todas as meninas passam até hoje. “Na nossa fase de desenvolvimento, especialmente as mulheres, a gente percebe muitos olhares e escuta comentários desagradáveis a respeito do nosso corpo. Para algumas pessoas, foi o meu caso, traz algumas travas e eu venho trabalhando isso bastante na terapia, me observo muito. Todo esse machismo e essa violência indireta que a gente sofre na rua, de alguma forma interfere na nossa sexualidade. É um fantasma que venho exorcizando. É um processo, mas com certeza dei um salto muito grande”, relata ela, que posteriormente ainda viveu relação machista.

“Com 19, 20 anos, muito nova também, tive um namorado que dizia frases como ‘sou a única pessoa que enxerga o teu talento, se você não ficar comigo ninguém vai te amar mais’. Muita mulher tem esse tipo de frase marcada. Eu vivi situações de controle mesmo, de namorados que achavam um problema eu estar sozinha em um lugar. Não demorei para enxergar que estava sendo castrada da minha liberdade. Rapidamente virei uma chave e não permito mais de jeito nenhum”, assegura.

"Vivi situações de controle, de namorados que achavam um problema eu estar sozinha em um lugar. Não demorei para enxergar que estava sendo castrada da minha liberdade", conta Carol (Foto: Divulgação)

“Vivi situações de controle, de namorados que achavam um problema eu estar sozinha em um lugar. Não demorei para enxergar que estava sendo castrada da minha liberdade”, conta Carol (Foto: Divulgação)

Carol acredita que o caminho ainda é longo para que essas situações não aconteçam mais. “Vivemos em bolhas. Quando olho para a minha bolha, são pessoas geralmente ligadas à cultura, à arte, interessadas em conhecimento. Vejo avanços. Mas se saímos para outros lugares que tem menos acesso a informação, que ainda vivem em criações familiares muito machistas, é mais difícil. Às vezes, acho que a gente está caminhando a beça, que tem uns caras maneiríssimos revendo suas atitudes. Mas aí abro os jornais e vejo notícias horrorosas, até no Instagram mesmo que é um meio de comunicação muito ágil, sobre feminicídio, sobre mulheres em condições de submissão. Sei que, às vezes, soa chato hoje em dia falar sobre esse tema. Mas não podemos nos calar, porque isso gera traumas que a gente leva para o resto da vida. A gente vai construindo uma sociedade criada na base do medo e temos que parar de ter medo. Temos que nos relacionar com amor, respeito, entendendo os limites do outro”, desabafa Carol, que em seu Instagram debate temas como esse.

A atriz lembra que teve certa resistência para usar o Instagram. Depois, entendeu que poderia ser um grande aliado. “Gosto de escrever e ler. Vi ali um lugar onde eu podia fazer uma ponte com outras pessoas. Eu lembro que eu fiz um texto sobre abuso psicológico no trabalho de teatro que eu vivi. Escrevi com muito medo. Essa pessoa se reconheceu ali, me ligou desesperado. Mas eu não o expus, nem vou dizer quem foi, mas disse a ele com a alma lavada que eu tinha recebido inúmeras mensagens de mulheres se reconhecendo ali e dizendo que não tinham percebido que tinham vivido aquelas violências e que a partir de agora iam pensar sobre isso. É legal trocar as experiências e se reconhecer na outra”, aponta. E acrescenta: “Esse diretor que expunha as atrizes, diminuía as nossas capacidades. Isso me machucava e fui esmorecendo. Quando vi, estava superfraca, sem acreditar em mim, achando realmente que o teatro não era para mim e, no entanto, quando eu parei de trabalhar com ele, as coisas fluíram de forma linda”, reforça.

“Agora, estou ótima, mas durante a covid estava com muito cansaço, prostrada, dormindo o dia inteiro e sentindo bastante dor de cabeça", explica Carol (Foto: Divulgação)

“Agora, estou ótima, mas durante a covid estava com muito cansaço, prostrada, dormindo o dia inteiro e sentindo bastante dor de cabeça”, explica Carol (Foto: Divulgação)

A atriz acaba de dar uma mudada no visual. “Na novela ele estava quase na cintura, eu usava um aplique para encher. Agora, picotei e fiz uma franja. Amei, acho que me deu mais personalidade”, conta ela, repleta também de boas lembranças das gravações de Quanto Mais Vida, Melhor!. “Foi uma delícia. Ter voltado a trabalhar em um momento superdifícil deu um frescor pra gente. Eu vinha muito trancada em casa, sem contato com ninguém e aí entrei em um núcleo com pessoas maravilhosas, que a gente trabalhou intensamente juntos, o Vladimir (Brichta), a (Elizabeth) Savalla, o (Marcos) Caruso, a Micheli (Machado), a Sara (Vidal) e a Agnes (Brichta)”, conta ela, que acaba de se recuperar pela segunda vez da Covid.

“Agora, estou ótima, mas estava com muito cansaço, prostrada, dormindo o dia inteiro e sentindo bastante dor de cabeça. Fora isso nada mais, acho que a vacina (ela já havia tomado duas doses) corroborou muito para que fosse leve. O meu pai (José Carlos) teve Covid também, a gente estava superpreocupado, porque ele tem comorbidade, é cardíaco, mas passou até melhor do que eu.  Quando voltei da Bahia, meu pai fez o exame, deu positivo e aí eu já estava sentindo uma dor de cabeça, e constatei também através do exame”, conta ela, que em dezembro, já havia tido problemas de saúde. “Fiquei resfriada, de cama, depois peguei Influenza, aí tive sinusite, e agora a Covid. Há uns dois meses, estou assim, me curando e ficando doente de novo. Mas agora chega, pelo amor de Deus, não aguento mais”, frisa ela, que já havia tido Covid, em novembro de 2020, antes de ser imunizada com a vacina.

Carol em um rio na Bahia, logo após mudar o visual (Foto: Reprodução Instagram)

Carol em um rio na Bahia, logo após mudar o visual (Foto: Reprodução Instagram)

E relembra o impacto que a pandemia provocou em sua vida. “Meu Deus, a sensação é de que nesses quase dois anos, eu vivi dez anos. Estava fazendo uma viagem para Portugal e Espanha quando ela estourou. Antecipei a minha volta. Foi um dos dias mais horríveis da minha vida, dormi no aeroporto, implorei para conseguir uma passagem. Quase perdi o voo, perdi minha cartucheira com dinheiro, foi um caos. Entendi que o mundo ia acabar e, antes que fechassem tudo, tive a intuição de tentar voltar para o Brasil. Quando cheguei aqui foi um choque, porque em dois meses eu ia começar a preparação para a novela. Eu tinha acabado de alugar um apartamento, estava namorando e aí a novela não aconteceu e eu fiquei trancada no apartamento com meu ex-namorado, a grana acabando. Depois, entreguei o apartamento, fiquei entre a casa dos meus pais e o sítio do meu então namorado. No meio disso, eu separei. Vivi muitas transformações, acho que foi o período da minha vida que eu mais li e escrevi, e enlouqueci de não trabalhar, até que em algum momento fiz um trabalho que era de teatro, mas que virou uma série para a internet”, conta, se referindo a Zaragata, com quatro episódios disponíveis no YouTube.

Carol, que na TV se destacou também interpretando uma garota de programa na novela A Dona do Pedaço, relembra uma triste coincidência. “Vou me expor aqui. Terminei o meu namoro no dia que eu soube que estava com Covid. Fiquei sozinha, recém-separada, com Covid, tendo uma dor de cabeça. Parecia que ia explodir o meu cérebro, muito cansaço. Uma noite eu tive muita taquicardia e a impressão de estar enfartando. Era uma época que eu estava vendo muitos jovens morrerem de Covid, aí fiquei panicada. Então, foi um período bem difícil. E ainda estava com medo de atrapalhar as gravações. Graças a Deus deu tudo certo, meu cenário foi montado somente uma semana depois de eu estar negativada”, relata Carol, criada no Andaraí e que atualmente mora na Tijuca, o mesmo bairro de sua personagem na novela.

“Por ter vivido a covid, fiquei com muito medo da morte. Depois da pandemia, mudei a minha perspectiva da vida. Estou tendo muito mais contato com as pessoas que eu amo", ressalta Carol (Foto: Globo/João Miguel Júnior)

“Por ter vivido a Covid, fiquei com muito medo da morte. Depois da pandemia, mudei a minha perspectiva da vida. Estou tendo muito mais contato com as pessoas que eu amo”, ressalta Carol (Foto: Globo/João Miguel Júnior)

E conta que se passasse pela mesma situação dos quatro personagens principais da novela, que morreram e tiveram uma nova oportunidade sabendo que um deles irá morrer em um ano, faria o que tem feito ultimamente. “Por ter vivido a Covid, fiquei com muito medo da morte. Depois da pandemia, mudei a minha perspectiva da vida. Estou vivendo diferente, tendo muito mais contato com as pessoas que eu amo, valorizando cada segundo, vivendo infinitamente mais presente. Escrevo para as pessoas que eu amo, não meço esforços para estar junto. Estou deixando a preguiça mais de lado e aproveitando cada segundo dessa existência e com muito receio do que pode vir ainda, de tudo que nos espera. Então, na situação dos personagens eu viveria intensamente com os meus afetos”, explica a atriz que vai completar 32 anos em primeiro de fevereiro.

E em ano de eleições presidenciais, conta que tem se interessado cada vez mais por política. “A convicção que eu tenho é que a gente tem um governo que não está olhando para a população, que não olha para o pobre. No Brasil, a gente precisa urgentemente olhar para a população periférica. Não se constrói um país sem isso. Eu não sou da periferia, mas também faço parte de uma classe trabalhadora que não teve nada de mão beijada, tudo é fruto do meu esforço. E entendo que a gente não pode de maneira alguma ter no governo alguém que governa para rico. A gente tem que olhar para as classes menos favorecidas, tem que pensar em educação para ontem, precisa de diversidade. Não pode governar com um bando de homem branco e hetero. Não vamos caminhar assim. A gente precisa ouvir a população LGBTQIA+, as mulheres, as pessoas pretas. Temos que sair desse olhar colonizador que a gente está inserido até hoje e que é assustador”, desabafa.