Carmo Dalla Vecchia fala sobre preconceitos, sua história de amor, paternidade e planeja monólogo biográfico


O ator se despede da novela ‘Cara e Coragem’, na Globo, e está em cartaz com o espetáculo “12 anos ou A memória da queda”, ao lado de Dani Ornellas e David Junior, que aborda a escravização de corpos negros. Nesta entrevista exclusiva, Carmo lembra da trajetória até falar abertamente sobre sua sexualidade, e também sobre seu casamento de 18 anos com João Emanuel Carneiro, de paternidade e do projeto de um espetáculo autoral em 2023: “Pretendo fazer um monólogo sobre pessoas como eu. Vou falar de coisas pessoais, mas também quero misturar relatos que recebi no meu Instagram de pessoas que passaram por preconceitos por sua orientação sexual. Acho que pode ser inspirador, porque é gente que conseguiu fazer uma coisa melhor disso tudo”

*Por Brunna Condini

A entrevista por vídeo que fizemos com Carmo Dalla Vecchia para essa matéria se desdobraria facilmente em outras. Mesmo às voltas com as gravações finais da novela ‘Cara e Coragem‘, que termina em janeiro na Globo, fazendo teatro, com muitas atividades na agenda e filho pequeno (Pedro, de 3 anos, do seu casamento com o autor João Emanuel Carneiro), ele é disponível e direto para falar sobre qualquer tema. E abordamos assuntos que orbitam sua vida e seus interesses, como por exemplo, do seu desejo e dos colegas de cena Dani Ornellas e David Junior de tocar o coração das pessoas para que pensem sobre seus preconceitos, através do espetáculo ‘12 anos ou A memória da queda’, em cartaz no Centro Cultural Banco do Brasil no Rio de Janeiro até dia 16; passando também pelo tema religião e discriminação: “As pessoas têm liberdade de crenças. Então, como alguém vai dizer que, segundo essa ou aquela religião, e isso seria o ‘certo’, o casamento gay é inadequado? A minha religião, por exemplo, não vai contra a minha orientação sexual. Sou adepto do budismo há 25 anos, que vem de 600 anos A.C., e não tem esse preconceito”. E só nesse assunto já teríamos ficado boa parte do papo, mas fomos além: Carmo falou sobre a dificuldade de expor publicamente sua sexualidade até bem pouco tempo; do início da história de amor com João Emanuel, construída há 18 anos; de paternidade e dos desejos que ainda rondam esse departamento.

E aproveitou para anunciar: “Ano que vem pretendo fazer um monólogo sobre pessoas como eu (comunidade LGBTQIAP+). Vai ser um passo importante, difícil e corajoso, porque é uma responsabilidade grande subir ao palco com o tema. Acho que o ator é um missionário. Vou falar de coisas biográficas, mas também quero misturar relatos que recebi no meu Instagram de pessoas que passaram por preconceitos por sua orientação sexual. Acho que pode ser inspirador, porque é gente que conseguiu fazer uma coisa melhor disso tudo”.

Carmo Dalla Vecchia fala sobre carreira, preconceitos, sua história de amor, paternidade e o projeto de um monólogo (Foto: Victor Hugo Ceccatto)

Carmo Dalla Vecchia fala sobre carreira, preconceitos, sua história de amor, paternidade e o projeto de um monólogo (Foto: Victor Hugo Ceccatto)

O ator comenta ainda, se o marido entraria colaborando no texto do espetáculo: “Acho que não. Aqui em casa gostamos de separar as coisas. Devo escrever algo e chamar alguém para me ajudar nesse roteiro. Talvez João dê uma olhada, revisada no final. Não sei se teria muito distanciamento, porque é personagem dessa história, personagem com fala (risos)”.

Bem-humorado, recentemente Carmo contou no Instagram como os dois se conheceram. “Eu fazia um espetáculo horroroso e ele foi ver. Deve ter ficado com pena de mim e me pediu em casamento”, respondeu a um seguidor. Mas como foi mesmo que começou essa história? “Era mesmo um espetáculo muito ruim, constrangedor (risos). Não vou falar nomes para não comprometer quem estava no trabalho. A gente que fazia, se divertia, queríamos estar no palco. O texto era mesmo ruim. Já fiz novela com grandes nomes da dramaturgia que se deram mal porque a trama não era boa, faz parte. Mas minha história com João vem um pouquinho antes disso”, lembra.

Carmo Dalla Vecchia e João Emanuel Carneiro estão juntos há 18 anos (Fotos/ montagem: Globo/Fábio Rocha/João Cotta )

Carmo Dalla Vecchia e João Emanuel Carneiro estão juntos há 18 anos (Fotos/ montagem: Globo/Fábio Rocha/João Cotta )

“Eu fazia ‘A Casa das Sete Mulheres (2003) e ele estava assistindo. Eu morria na minissérie e ele ligou para a Maria Adelaide Amaral (autora), e perguntou quem era aquele ator. João guardou meu nome. Bom, acho que pouco mais de um ano depois, estava eu fazendo esse espetáculo ruim, e uma atriz que trabalhava comigo fez contato com ele dizendo que estávamos pensando em montar uma peça com seu primeiro livro de contos (‘Disse Não Disse’). Na verdade, eu nem tinha muito interesse em fazer, mas ela citou meu nome e João lembrou de mim, disse que adaptaria. Percebi no decorrer do processo que aquilo não ia adiante, estava enrolado. Na verdade, ele não queria fazer o processo de teatro, queria era casar comigo (risos). A peça não saiu, mas em seis meses já estávamos morando juntos”.

Casa de Vidro

“Sou budista há 25 anos e pela minha prática religiosa não me coloco no papel de vítima. Acho que se algo se manifesta na minha vida, cabe a mim tentar transformar. Eu não falava antes abertamente sobre minha sexualidade por conta do meu próprio preconceito, e também por que o universo ao nosso redor discriminava e existia um medo da minha parte. Era difícil situar o que era medo meu, preconceito dos outros velado, declarado. Conversei com o meu psicanalista mais de 10 anos sobre esse assunto. Tinha sonhos do tipo que eu morava em uma casa de vidro. Imagina, eu era o cara que fazia o mocinho da novela casado com o autor. Eram muitas coisas em jogo”, divide Carmo.

Carmo relembra desafios para fala sobre sua sexualidade (Foto: Victor Hugo Ceccatto)

Carmo relembra desafios para fala sobre sua sexualidade (Foto: Victor Hugo Ceccatto)

Carmo relembra desafios para fala sobre sua sexualidade (Foto: Victor Hugo Ceccatto)

Carmo relembra desafios para fala sobre sua sexualidade (Foto: Victor Hugo Ceccatto)

“Havia o meu medo e também o aconselhamento claro de que eu não devia me pronunciar sobre o assunto. Lembro que algumas vezes eu quis falar e pessoas dentro do meu universo, da minha empresa, disseram para que eu não fizesse isso, porque iam acabar não me querendo mais. E ainda mais cruel do que isso, nunca tive o estímulo de ninguém que fosse mais velho, e eu sabia que era gay, que podia me aconselhar, dizer: “Que bacana, vai lá, faça a diferença que eu não fiz”. Nunca recebi isso de ninguém. Pelo contrário”.

Aos 52 anos, Carmo diz que por isso mesmo incentiva que outras pessoas se mostrem, normalizem o amor. “Outro dia encontrei o Igor Cosso na academia e disse que o que ele estava fazendo ajudava, salvava muitas pessoas. É sensacional a exposição que o Igor faz ao lado do namorado (Heron Leal), porque faz com que muitos homens iguais não se sintam ‘extraterrestres’. Falei isso para ele, porque não tive ninguém para dizer isso pra mim. As pessoas me falavam o oposto. Então, sinto que preciso fazer isso quase como uma missão”.

E pontua: “Também acho que cada um tem seu tempo, sua história e faz o outing se quiser. Isso deve ser respeitado. Encontrei na minha vida muitos jornalistas que queriam me forçar a fazer o outing de uma maneira muito escrota, persecutória. Queriam que eu galã, casado com o autor, ‘saísse do armário’, porque era a fofoca mais saborosa do momento. E esses mesmos jornalistas hoje, são os que levantam as bandeiras para o gay, o trans, mas na época não se importavam com a quantidade de porradas que eu poderia levar por viver em uma realidade em que eu não podia ser quem eu era. Hoje lido com tudo isso de uma maneira muito tranquila, verdadeira, sem máscaras, mas nem sempre foi assim”.

Pai em construção

O ator revela que gostaria de dar um irmão ou uma irmã para Pedro, de 3 anos.  “Adoraria, mas o João não quer. Diz que já temos um filho sensacional e vai ser muito difícil outro superar isso (risos). Eu toparia”, diz. “Amo ser pai. Antes de me casar com o João não via essa possibilidade da paternidade. O Pedro foi muito pensado e desejado. Viemos morar em uma casa para recebê-lo, um lugar maior, já que o João trabalha em casa, precisamos de espaço com uma criança. Posso dizer que somos pais muito presentes, cuidamos de perto, e temos babás que nos ajudam, uma ótima rede de apoio, somos super privilegiados”.

Carmo Dalla Vecchia e o filho Pedro, de 3 anos: "Teria outro filho"( Foto: Reprodução/ Instagram)

Carmo Dalla Vecchia e o filho Pedro, de 3 anos: “Teria outro filho”( Foto: Reprodução/ Instagram)

Destacando que crianças para se desenvolverem precisam de amor, segurança e autonomia, ele fala sobre a criação do filho. “Pedro vive uma situação afortunada e isso tem reverberado na sua confiança, criatividade, ele se sente muito amado, respeitado, ouvido. O que faz uma criança ficar bem crescendo é principalmente amor e aqui tem muito. Pedro é uma alegria nas nossas vidas. Quando alguém diz assim: “Ah, só fico com pena dele no dia das mães”. Essa pessoa não está preocupada com meu filho, e sim falando do próprio preconceito. Até porque hoje em dia existe o Dia da Família até nas escolas, para qualquer configuração familiar”.

E completa: “Existe uma grande dificuldade nas pessoas de perceberem seus preconceitos. A homofobia, o racismo, o machismo, são enraizados, então precisamos buscar em nossos atos o que claramente temos que transformar para deixar de sermos preconceituosos. Para curar, o preconceito deve ser enxergado” .