*Por Brunna Condini
Carla Diaz tem quase de idade o que tem de carreira. A atriz completa 30 anos em 2020 e contabiliza 28 anos de bagagem profissional. Determinada ou predestinada a ser atriz, ela sempre soube que só poderia viver exercendo o ofício. “Soube muito cedo. É o que eu amo fazer e o que me alimenta. E desde pequena tive a oportunidade de ter vários desafios em forma de personagens, e o público acompanhou essa minha estrada e meu crescimento”.
A atriz precisou adiar a realização de alguns projetos por conta da pandemia do Covid-19, e entende que o momento não é de expectativas, mas sim, de preservação. “Todos tivemos mudanças de planos. Agora em abril estaria estreando os filmes que fiz, porém foram adiados sem ainda uma data prevista. O que foi uma decisão coerente e sensata da produção. Então, meu desejo, é que todos se cuidem, para que essa fase passe logo, e com saúde para todos”, torce. “Claro que tenho muitos sonhos pessoais e profissionais também, só que essa situação de pandemia me fez refletir tanto, que ultimamente tenho valorizado o hoje, e o que posso fazer agora para um futuro melhor, para tanto para mim e quanto para o coletivo”.
Antes da recomendação de isolamento social pela Organização Mundial de Saúde (OMS), o público poderia assistir no próximo mês, nas salas de cinema do Brasil, um dos maiores desafios da carreira da atriz. Carla vive sua primeira protagonista, fazendo Suzane Von Richthofen, nos filmes “A menina que matou os pais” e “O menino que matou meus pais”, e sob o comando do diretor Maurício Eça, vive a estudante, mandante do crime que vitimou os pais, em um formato inédito: em dois longas, com dois pontos de vista diferentes, exibidos em sessões que se alternarão, na mesma sala de cinema.
Em uma das versões do roteiro escrito pela criminóloga Ilana Casoy, o ponto de vista de Suzane. No outro, o de Daniel Cravinhos, vivido pelo ator Leonardo Bittencourt, seu namorado na época e um dos executores do crime, ao lado do irmão Christian Cravinhos.
Em uma das versões, Suzane diz ter sido influenciada pelo namorado, Daniel Cravinhos. Na outra, é o ponto de vista dele, responsável pela execução de Manfred e Marísia Von Richthofen. O filme apresentaria Suzane, em um dos longas, quase como vítima da influência do Daniel? “Não existe vítima quando os envolvidos sãos julgados e réus confessos. O objetivo dos dois filmes é mostrar o que eles contaram em julgamento, detalhes de uma história que não chegou ao grande público, contando desde como se conheceram até cometerem um crime bárbaro que deixou um país todo muito chocado. Posso arriscar dizer que o país inteiro sabe o final da história, afinal os três foram réus confessos, condenados e presos. Mas até hoje é difícil entender as motivações que levam a um crime bárbaro como esse. E é exatamente isso, essa dúvida, que explica o porquê de termos dois filmes”, esclarece Carla.
Como você se preparou para viver a Suzane? São duas, já que são duas versões? “Então, existe a personagem na visão dela, no ponto de vista do Daniel e também como ela se apresentou no tribunal. Ou seja, vejo que fiz versões de uma mesma personagem, contadas através de três olhares distintos. Certamente um projeto bem desafiador e muito intenso para qualquer ator e para a equipe também, já que rodamos os filmes simultaneamente”.
É um crime que chocou o país. Como buscou humanizar, de alguma forma, sua interpretação? “O texto foi o meu norte mais importante. Um roteiro feito pela Ilana Casoy e o Raphael Montes, ou seja, temos uma escritora e criminóloga que estudou muito esse caso. Ela, que é especializada no estudo de mentes criminosas, e ele, um célebre autor de ficção policial que sabe muito bem contar uma história”, destaca. “Foi a partir do roteiro que dei forma às versões da Suzane. E claro, assisti matérias daquela época, vi documentários e especiais que contaram essa história, só que o mais importante foram os workshops com a Ilana e com todo o material do processo e reconstituição do crime. Através desse material, tive muito estudo com o diretor, Mauricio Eça, e com a nossa preparadora, Larissa Bracher, focando em diversos estados emocionais. Também passei pelo processo de pesquisa corporal da personagem, sobre como ela fala, anda, se comporta”.
Chegou a encontrar a Suzane? Foi noticiado que você se recusou a encontrá-la, é verdade? “Fake news. Como recusar algo que nunca me foi proposto? Aliás, esse encontro nunca esteve em pauta para os produtores, uma vez que os envolvidos do caso real não têm nenhuma ligação com os filmes”.
Carla nos revela também, um momento difícil durante as gravações dos filmes, que duraram apenas 33 dias. “O mais marcante foi a sequência do tribunal, que rodamos em um final de semana. Durante o projeto todo notei um grande respeito e responsabilidade de uma equipe inteira, por se tratar de um caso real, sempre checando a veracidade do que estávamos contando. Porém nesta sequência, em que as personagens narram a história, pude ver a emoção de um estúdio todo, dos figurantes, da técnica, e principalmente de nós, atores. O silêncio e as lágrimas ecoavam entre os textos que falávamos. Com certeza algo que eu nunca tinha presenciado num set de trabalho”, confidencia. Foi divulgado também que a Suzane vai processar a produtora, por não ter autorizado que fizessem o filme da sua história. Como está isso? “Quando esta notícia chegou a mim já estava tudo solucionado, a produtora venceu o processo por se tratar de um caso público”.
A atriz comenta as mudanças que precisou estabelecer na rotina enquanto estava na pele de Suzane Von Richthofen. “Fiquei bem reclusa nesse período, só usava o celular para me comunicar com a minha família que sempre me apoiou em tudo. Fora isso, preferi me distanciar de redes sociais, internet e até do meu julgamento pessoal sobre o caso, para que não tirasse a minha concentração daquele momento e eu pudesse construir e viver uma personagem com toda a minha entrega”, recorda. “Aprendi também a expor minhas ideias, antes guardava muito o que pensava com medo de ultrapassar um limite de hierarquia dentro do trabalho. Mas percebi nesse processo, que a nossa arte é uma troca de ideias e conversas, que juntas num consenso chegamos à obra final. Então, hoje vejo a importância dessa liberdade que aprendi a ter com essa equipe, com isso, atingimos estados emocionais que nunca tinha vivido em cena como atriz”.
E olha que Carla Diaz tem uma longa carreira preenchida com muitos trabalhos e personagens dos mais diversos. Fazer o filme foi uma escolha pelo desafio como atriz? Chegou a pensar em não topar? “Na época do crime, assisti a tudo também como uma telespectadora, como qualquer pessoa que se estarrecia a cada novo fato descoberto. Depois veio a notícia e a confirmação do envolvimento da filha no caso. É tão chocante e distante da realidade da maioria de nós, pensarmos que uma filha esteve envolvida na brutal morte dos seus pais, que nos perguntarmos o porquê disso tudo. Então, para um ator, imagino que seja difícil recusar a chance de dar vida a uma personagem tão desafiadora como essa, um papel que me tire totalmente da minha zona de conforto. Aceitei logo de cara. E quando soube da ideia de se fazer dois filmes, pensei: preciso me distanciar do meu julgamento em relação ao caso para dar veracidade ao que está relatado nos depoimentos”, analisa.
O filme ainda nem estreou, mas algumas críticas já circulam. Muita gente acha que pode “glamourizar” o crime, como vê isso? “Não vi críticas a meu respeito ou sobre o meu trabalho como atriz. No princípio, quando saiu a notícia de que o filme seria feito, muitas dúvidas apareceram. Acredito que também tiveram essa reação, em um primeiro momento, pela falta de informação. Muitos se questionaram, por exemplo, se os envolvidos do caso real lucrariam com o filme, o que não é verdade. É normal existirem dúvidas ou opiniões diversas, cabe a nós da equipe esclarecermos e respeitarmos. E tentar reverter a propagação de notícias falsas. São dois filmes que falam sobre um crime que chocou o país, o Caso Richthofen, a partir de duas versões contadas em julgamento, que resultou em três réus confessos. É exatamente isso que será contado”.
As pessoas têm vindo falar com você sobre isso? “Tenho recebido o apoio de tanta gente, principalmente do meio artístico que me parabeniza pela entrega a este projeto, me apoia e acredita no meu trabalho como atriz. Vi isso pelas redes sociais, por telefone e pessoalmente. As pessoas me param para falar sobre o assunto. Já imaginava que teria uma grande repercussão, justamente por ser um projeto sobre um caso emblemático, mas a expectativa pelo resultado e a ansiedade de todos que falam comigo está sendo surpreendente. Só tenho a agradecer por isso e espero responder às expectativas”.
Enquanto a vida se suspende no meio da pandemia do novo Coronavírus, Carla tem se cuidado e aproveitado para acompanhar seu trabalho como Khadija na novela “O Clone” (2001). “Assisto todos os dias e às vezes assisto a reprise da reprise! Estamos em um momento em que a orientação é ficar em casa, claro, para quem puder. Então, estou aproveitando para reviver um pouquinho de uma fase que foi tão especial para mim”, conta. “Foi o finalzinho da minha infância e a descoberta de como eram os estudos para uma personagem, já que a Khadija foi a primeira que tive que fazer um laboratório, tendo aulas sobre os costumes e a religião muçulmana, aulas de árabe e dança do ventre, aulas contracenando com grandes atores e diretores, fora a experiência de mudar de visual pela primeira vez. Com certeza foi uma época muito especial da minha vida, que ganhei de presente do Jayme Monjardim e da Glória Perez”.
Artigos relacionados