Carla Daniel: atriz aposta na verve cantora, diverte-se com memes e nega rótulo de nepo baby de famosos icônicos da TV


Atriz e cantora revisita a própria história, bem como a sua passagem pela televisão. Ainda que esteja há alguns anos fora da TV, coloca-se à disposição para voltar ao ar. Segundo Carla, o alcance da televisão – especialmente da Globo – faz com que as pessoas a creiam sumida só por conta de ela não estar fazendo novela, a despeito do fato de a atriz estar num período efervescente de criação artística. Carla também fala sobre o fato de ter nascido num berço artístico e se isso se revelou em algum revés na carreira. Ela nega que tenha sido favorecida por ser filha do poderoso diretor da Globo durante décadas e hoje produtor e diretor de filmes Daniel Filho e da atriz Dorinha Duval: “Nunca houve nepotismo”. Carla também comenta sobre a cena de “Alma Gêmea” que, anos depois de levada a ar, viralizou nas redes sociais e virou meme. “Não queria fazer tal cena”.

*por Vítor Antunes

Voz e presença marcantes. Assim Carla Daniel chegou à cena artística. Só na TV são 40 anos e, de carreira, 42, incluindo inúmeros trabalhos na Globo. Nesta quarta-feira, a atriz estará nos palcos, não interpretando um personagem mas revelando uma outra faceta de igual brilho: a de cantora. Carla estará no Blue Note, no Rio, junto à sua banda Carlota e os Joaquins. Uma forma feliz e delicada de os fãs terem uma aproximação com Carla, que há alguns anos não está nas novelas, ainda que tenha feito teatro. A artista vive um 2024 bem livre. “Trabalhei na Globo por muitos anos e quando deixamos a Casa dizem “você sumiu”. Não vejo isso como um problema, mas como uma forma de dizer que estou disponível, analisando e aproveitando esse tempo com uma das coisas que mais gosto de fazer, que é cantar e que complementa a minha profissão”, revela.

Filha de pais famosos e icônicos da televisão – o ex-diretor da Globo e produtor e diretor de filmes, Daniel Filho e Dorinha Duval – e neta de artistas de circo Mary Daniel (1911-2012) e Juan Daniel (1907-2008), perguntamos à Carla se ela em algum momento foi algo de crítica em razão da sua ascendência ou foi apontada em ser nepo baby. Ela negou:

Nunca houve nepotismo. Trabalhei com meu pai, mas com outras pessoas também. Meu pai é rígido, mas é excelente profissional, super sério. O fato de minha família ser do meio me permitiu apaixonar pela profissão e acho que se eu não tivesse levado jeito para a coisa eu não estaria trabalhando hoje – Carla Daniel

A primeira aparição de Carla na TV foi ainda muito precocemente interpretando a filha da sua própria mãe, Dorinha Duval, e dirigida pelo seu pai, Daniel Filho. Aos 8 anos, elas apareceu no programa do Chico Anysio, vivendo a Nêga Brechó e fazendo par com Nizo Neto, que vivia o Azambuja – filho do humorista, no programa “Azambuja & Cia”. Anos mais tarde, em 1990, ela esteve no elenco de “Barriga de Aluguel“, trama que também contou com a presença da sua avó, Mary. “Íamos juntas gravar na Tijuca a novela. Além de uma super avó era uma companheira de elenco. Aprendi demais com ela”. Ao falar de sua ascendência, Carla ressalta a importância de se destacar a memória: “É importante falar. Tudo passa muito rápido. As histórias da minha família, que vieram desde a época do circo, eu repasso à minha filha. Isso não pode desaparecer. Meus avós tinham uma companhia de teatro, a “Trololó”, que contava até com a Bibi Ferreira (1922-2019)”, relembra.

Atriz e cantora, Carla Daniel volta aos palcos com sua banda “Carlota e os Joaquins” (Foto: Simone Kontraluz)

CRUZAM CORAÇÕES

Ainda que seja uma atriz de sucesso e com uma carreira consolidada, um dos projetos mais bem sucedidos de seu ofício também está na música. Ela gravou várias canções, sendo que uma delas, a que entrou na trama de “Bebê a Bordo” (1988), acabou por levá-la ao “Globo de Ouro”, programa que era uma chancela de que uma música deu certo naqueles idos. O tema de Raio de Luar (Sílvia Buarque) e Rei (Guilherme Fontes) é uma das maiores lembranças sonoras da trama de Carlos Lombardi. Não à toa, uma frase de “Rendez-Vous” nomeia esse trecho da reportagem e estará presente no show desta quarta. “Ainda hoje há quem me mande vídeos cantando a música. Esse carinho é muito legal. A música eleva a alma humana”, diz. Carla canta desde cedo. Marília Pêra (1943-2015) indicou-a à professora de canto Vera Maria de Canto e Mello. Daí, tudo começou.

A ideia de fazer um show musical, para Carla, também tem um travo de saudade. O elaborador do projeto foi o seu ex-namorado,  o publicitário Sérgio Stamile, conhecido como Pirata. Uma das linhas possíveis para a abrupta morte de Stamile é o latrocínio – roubo seguido de morte. Ele foi encontrado sem vida no Parque Garota de Ipanema, no Arpoador. Quando Pirata faleceu, o show já estava esquematizado e ele tocaria como baixista. As novas apresentações da banda são sempre uma homenagem ao rapaz. Carla conta: “Ele era um namorado maravilhoso, íamos morar juntos e já havíamos decidido fazer coisas juntos. Ele queria fazer uma banda com um pessoal profissional. Começamos a ensaiar repertório e  preparar tudo quando aconteceu a tragédia do Arpoador. Na missa de sétimo dia, a banda disse que permaneceria junta. Os músicos foram um alento para o meu coração”.  Segundo a vocalista do conjunto, esse é um “show para dançar. Uma produção nossa mesmo, bonita, caprichada”.

Carla Daniel e sua banda. Alegria do rock no Blue Note (Foto: Divulgação)

O TEMPO E A ‘SERENIDADE’

Considerando que as músicas surgem num momento de sensibilidade, e há canções autorais na apresentação, ela relata que “muitas delas surgiram em sonho”, Carla diz que no palco, mesmo como cantora, não deixa de ser atriz. É sua vocação. “Minha profissão me ensinou muito. Ao gravar ‘As Brasileiras‘, tive que aprender a dirigir carroça. Em ‘Que Rei Sou Eu?‘, a lutar esgrima. Em ‘De Corpo e Alma‘, a lutar e a atirar e em ‘Barriga de Aluguel‘ a ser a capitã de um time de vôlei”. Revisitando sua carreira, ela diz sobre uma cena sua, de “Alma Gêmea” que virou meme. “Quando recebi o texto da cena eu não queria fazer. Mas ponderei: O tempo vai passar as pessoas vão esquecer. Mas que nada… Com a internet ela é sempre resgatada. Exibem sempre a cena, mas ela faz parte de uma época e pôde alertar outras pessoas a terem discernimento”. Na cena que viralizou, Zulmira (Carla Daniel), ressalta que a “índia” Serena não era uma indígena, mas uma mulher branca. Da parceria com Walcyr Carrasco ela destaca também outra personagem: Dália, de “Chocolate com Pimenta“: “Ela é o meu xodó”. Nesta novela, a caipira Dália, chegou a cantar e terminou a novela fugindo com uma dupla de cantores mambembes, vividos pelos cantores Zezé di Camargo e Luciano.

Não foi apenas em “Chocolate” que ela cantou, mas também em “Bambolê” (1987). Na trama oitentista, ela interpretava um personagem baseado na cantora Nara Leão (1942-1989). Recentemente a novela foi exibida pelo Viva e está no catálogo da Globoplay. “Ficou guardado marcado na imagem e a novela. O streaming pode fazer com que as antigas obras possam ser conquistadas por outros públicos e outras idades. Isso é muito emocionante”. Nesta novela, Carla cantou na trilha sonora. Além dela, cantou em “Direito de Amar” (1987) e “Que Rei Sou Eu?” (1989). Nesta última, a atriz contracenou com seu pai, Daniel Filho. Inclusive, Carla conta-nos que sua mãe, Dorinha Duval, está bem, “uma senhorinha caseira e sendo bem cuidada com amor e carinho, aos seus 95 anos de idade”.

Carla Daniel e Dorinha Duval (Foto: Arquivo Pessoal)

Aos 58 anos, com a maturidade e a plenitude que a via lhe deu, Carla diz lidar bem com o tempo. “Tento sempre me olhar no espelho e vejo o passar do tempo com amor e carinho. Quero chegar aos 100 anos. Minha família é longeva. Minha avó chegou aos 100. O que me deixa feliz é ver que todos estamos envelhecendo e só envelhece quem está vivo”. Dentre as seus diálogos com o tempo, quer “ver o seu desabrochar. Ver minha filha concluir seus estudos em Relações Internacionais agora que ela está em seu primeiro emprego. Ver as mulheres na sociedade moderna fazerem acontecer e merecerem cuidado e respeito”. Como fechamento, ela remonta à frase de Anna Magnani: “Quando eu ficar mais velha não quero parecer mais jovem, quero parecer mais feliz”.