*Por Brunna Condini
Luiza Ambiel foi a sexta eliminada de “A Fazenda 12”, na Record, com apenas 11,01% dos votos, a menor porcentagem da edição. A berlinda foi disputada com MC Mirella, que teve 18,62% dos votos, e Mateus Carrieri, que foi o mais votado pela preferência do público, com 70,37%. Durante o programa, o apresentador Marcos Mion anunciava a todo momento, a evolução da votação, considerada recorde. Foram quase 800 milhões de votos. Com o reality ‘pegando fogo’, a Record chegou a 16,4 pontos de audiência, enquanto a TV Globo, com Fabio Porchat no horário em seu ‘Que História é essa, Porchat?’, deu 15,5, e o SBT 5,9.
Mas por que ‘A Fazenda’ conseguiu esse feito? E por que vem crescendo a audiência do reality, que traz em seu cast celebridades que topam escancarar sua intimidade em rede nacional, entre disputas abertas e farpas que dispensam cerimônia no trato?
Convidamos o especialista em teledramaturgia e pesquisador de audiovisual Valmir Moratelli para comentar o bom desempenho da edição até aqui. “Acho que o que tem de melhor é o elenco. Em qualquer cast de alguma produção televisiva, que queira alcançar as massas, o grande público, é preciso ter diversidade. E esse elenco é bem diverso. Têm pessoas de diferentes partes do Brasil, de vários nichos artísticos e diferentes gerações”, analisa. “Tem, por exemplo, gente que fez muito sucesso na década de 1990, como o Mateus Carrieri e a Luiza Ambiel, que saiu ontem. Tem uma galera mais jovem, como a Jojo Todynho, que vem do funk. Tem o Mariano, que vem do sertanejo e tem uma identificação do Centro-Oeste muito forte. Tem uma turma de digital influencers, que traz os seguidores nas votações, então isso é muito interessante. O programa está ‘quente’ desde o começo, porque todo mundo quer vencer e ninguém foi ali fazer amizade. Como se diz no bordão dos realities: ‘as máscaras caem’ rápido, porque os participantes mostram a que vieram mesmo. Não tem o falso discurso do moralismo, as pessoas se expõem. E, nesta edição, estão se expondo muito. Talvez por isso também tenham surgido de cara tantas brigas e as chamadas ‘panelinhas’. Isso tudo faz com que a temperatura do programa esteja em alta voltagem, com os nervos à flor da pele. E um reality necessita disso para mostrar esses momentos para o público”.
Moratelli salienta ponto que identifica como sendo um dos mais negativos na exibição. “Ao meu ver é a questão que envolve a participante Raissa Barbosa. Ela tem um distúrbio psicológico, toma medicação para isso (a modelo foi diagnosticada com Transtorno de Boderline), isso inclusive dito no próprio reality e divulgado. Mas acho triste ver na televisão a utilização de um transtorno de alguém para conquistar audiência. Acho que ela não poderia estar ali. E também percebo participantes se utilizando disso para conseguirem atenção. Pegando o ponto fraco dela para chamar atenção e criar animosidade. É complicado”, opina. “Talvez ela não devesse ter entrado em uma atração que exige um esforço psicológico muito maior do que o físico. E se você não está mentalmente bem para fazer um confinamento de meses com pessoas tão diferentes, que podem atacar, agredir, falar que te amam e, logo depois, que te odeiam para votar em você é bem complicado. Vamos ver o desenrolar desta história, mas acho pesado”.
Por que ‘cancelar’?
Dentro da ‘fogueira’ de relações que um reality show expõe também entra o conjunto de ações conhecidas como “cultura do cancelamento”, termo que surgiu de poucos anos para cá, com o objetivo de nomear a prática virtual que consiste em uma espécie de ‘boicote’ às pessoas, sejam elas famosas, pouco ou até anônimos que cometem alguma violência ou ação que desagrade no espaço virtual ou na vida. “Essa é uma cultura que vem do digital. É muito fácil você passar a seguir alguém e muito fácil tirar essa pessoa da sua vida. Entendendo ‘vida’ como seu feed. Se me interesso pela vida de alguém, estilo, discurso, passo a seguir. Ao mesmo tempo, se ela faz algum post homofóbico, racista ou que não transmita o meu entendimento de ética, eu excluo”, observa Moratelli. “Na vida real, o processo é diferente. Para criar um laço de amizade ou se você quiser romper com alguém não é tão simples. Tem desgaste emocional. Não é um clique”.
E ele acrescenta: “Acredito que a narrativa dos realities se equipara muito à narrativa das telenovelas e séries. No reality é importante que você tenha participantes que façam esses papéis, que exista o vilão e o mocinho. O público precisa ter para quem torcer, aí está o sucesso deste tipo de programa. Ao mesmo tempo, esse ‘bonzinho’, só existe, porque o ‘mauzinho’ está ali, ele faz o contraponto. O programa tem que mexer um pouco com a estrutura de bem e mal, certo e errado, para que tenha um julgamento de valores por parte do público. Isso vem dessa coisa anacrônica que temos, e até um pouco perversa, de que o bem está de um lado e o mau de outro. A sociedade não consegue perceber muitas vezes que o bem e o mau coexistem. As mesmas pessoas podem ser boas ou más com a mesma facilidade. O reality brinca um pouco com isso, ao fazer essas divisões”, esclarece Valmir Moratelli. “Por outro lado, acho que esse ‘cancelamento’ não é para sempre também. Para sempre é muito tempo. Esses artistas e influenciadores continuarão trabalhando por aí, sendo vistos. nisto, ‘A Fazenda’ é diferente do Big Brother Brasil, que somente esse ano misturou pessoas conhecidas com anônimos. Então, você deixa de seguir, mas amanhã ou depois, você pode dar uma nova chance. Na contemporaneidade é mais fácil que os discursos, as narrativas sejam refeitas”.
As ações por afetos
A escritora, psicanalista e criadora de conteúdo Toalá Carolina nos explica: “Os tais ‘cancelamentos’, ódios profundos, partem dos afetos. O que é afeto? Tudo que nos afeta. Isso pode ser bom ou ruim. O ‘cancelamento’ é uma forma de ‘ódio moderno’. Tem gente que ‘cancela’, mas continua seguindo o outro no Instagram. E aí existe uma perversidade de seguir uma pessoa que você supostamente odeia. Aí estão as paixões, que nada mais são que os sentimentos profundos de ódio ou amor. O ‘cancelamento’ é a admiração, o afeto que adoeceu”, define a especialista.
“As pessoas ‘cancelam’ porque projetam seus ódios, afetos, amores, conexões e identificações através destas pessoas. Por isso, já trazem uma simpatia ou antipatia. Posso usar como exemplo, a MC Mirella. Ela entrou em ‘A Fazenda’ como uma pessoa que potencialmente poderia ser ‘odiada’, já que pouco conheciam o seu lado humano. Mas quando o público vê que são pessoas como nós, que têm sentimentos, necessidades, afinidades, desentendimentos, isso chama à atenção. As pessoas têm a crença que quem está projetado na mídia não são tão humanos como nós. Nisso tem outro exemplo, a Raissa, que tem o Transtorno de Borderline, que dá uma alteração de comportamento grande. As pessoas têm curiosidade e até uma ponta de perversidade por vezes, de ver alguém na TV surtando. Acho que ‘A Fazenda’ acertou nas personas que colocou ali dentro neste caso, são pessoas com personalidades fortes e que chamam à atenção. Quem os colocou ali sabia que isso causaria bastante conflito”.
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